O QUE É ISTO - SEM INSPIRAÇÃO?# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Não importa a dimensão contingencial de um momento;
importa sim o que se é possível realizar com ela. Momento assim revolucionou as
ciências, as artes; momento assim deu origem a obras-primas na Literatura, na
Poesia; momento assim espiritualizou alguns homens. Assim, esse momento, qual
seja, de medo, angústia, tristeza, depressão, desconsolo, solidão, é
necessário, faz a diferença, são pedras de toque do novo, da re-novação, da
in-ovação. Todos os homens vivemos à busca da felicidade, entregamo-nos plenos e
inteiros a este desejo, vontade, e a felicidade não concebe fruto algum, não dá
origem à revolução nas ciências, nas artes, obras primas não vem à luz... Viver
as contingências é a luz, é o arco-íris, são os raios numinosos do sol.
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Eram de ontem e de sempre os impactos de amor,
brincos de palavras suspensos nas orelhas, verbo impuro e antipático conjugando
a meiguice elástica dos abraços, vagos dons das constelações, vazios talentos
reintegrando o eidos poético da alma con-templando os hiatos das memórias, a
essência do poeta mais senil que a existência que existiu, a vida que vivenciou
- eram de ontem e de sempre as pétalas das rosas vermelhas e lilases a
atormentarem-me, provocarem-me à síntese das flores e da luz....
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Quão difíceis são estes estados de alma, medo,
angústia, tristeza, depressão, desconsolo, solidão. Há quem não consiga
conviver com eles, suportá-los, aproveitá-los como húmus de outros tempos,
entregam-se, sucumbem.
E todos estamos sujeitos a este momento
contingencial. Jamais pensara fosse acontecer comigo, nó górdio na garganta, o
coração pulsando descompassado, o olhar perdido na distância, irritação,
nervosismo.
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Eram de ontem e de sempre o som de minha pena a
deslizar no papel, perturbar-me por vir com evidência o bico de minha pena ser
a neblina que cobre a montanha, a ambiguidade difusa entre mim e o que penso,
todo o bosque me re-colhendo através da minha mão nítida e transparente, a
eterna ampulheta da existência ser virada e revirada - e eu com ela, meu grão
de pó, a disposição que tenho para ficar bem comigo e com a vida, para não
desejar, ansiar, aspirar com mais fervor do que a suprema confirmação e selo
eterno...
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Mais do que acostumado com a inspiração presente
sempre, até a iluminação pres-ent-ificada, criando, criando, criando,
compulsivamente, por vezes acordando com textos ou poemas na cabeça por serem
realizados... Vem o momento inesperado de nada estar produzindo, criando.
Antes, se projetava algo a ser escrito, não era possível única letra, era sentar
e escrever, improvisadamente. E, neste momento, para amenizar as dores e
sofrências, experimentando projetar algum poema ou texto, mas o que surge de
idéia, de inspiração é acompanhado: "Não vou dar conta do recado. Prefiro
a pena sobre a mesa do que porcaria numa ou algumas páginas".
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Talvez o momento tenha origem: não estar satisfeito
com as criações, desejando outros voos, outras luzes - mas nenhum indício de
re-novação se revela, o resultado sendo "empacar", e no lugar do que
não agradava, não satisfazia, dava náusea, a presença de um vazio sem limites e
fronteiras. Outras explicações, outras razões para não estar produzindo coisa
alguma. Num momento assim nada adianta ficar escarafunchando as coisas à busca
de motivos, razões. Não se lhes encontra, o criar torna-se ainda mais
complicado. Notoriamente situação de Sísifo: jamais resposta será encontrada, a
fertilidade da imaginação criando coisas. Só uma solução: deixar as pedras
rolarem montanha a baixo. Nalgum instante o retorno à produção, à criação, e
até de modo diferente, satisfazendo e felicitando mais. Aquelas razões
desejadas para superar o momento não importam mais, não possuem mais qualquer
validades. Infantilidade procurar razões para as coisas que acontecem, no
movimento das contingências é que são superadas suprassumidas.
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Eram de ontem e de sempre os olhares perdidos, as
línguas que compõem os sentidos dos vernáculos litteris dos sentimentos de
alegria, contentamento, angústias, do nada e do vazio que caminham de mãos
entrelaçadas pelas veredas da vida que artificia o destino, a liberdade e a
consciência de esta vida ser um sítio numa ilha onde reside alma sensível,
haver um barco que me transporte para onde eu nada deseje que não o veja, uma
canoa que me leve de Itaoca a Paquetá logo ao amanhecer - eram de ontem e de
sempre as cortinas se abrirem devagar, devagarinho, quase parando, luzes,
cenários, o proscênio estendendo a visão do espectáculo, eram de ontem e de
sempre, os amantes se abraçarem, beijarem-se, desejarem boa noite entre si,
"Amo você", dito com o coração, o sono, os sonhos...
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Sentei-me à mesinha de trabalho determinado a
escrever, mesmo que tivesse de queimar todos os neurônios, espremer os miolos,
arrancar tufos de cabelos na calvície, mas um texto escrito. Engraçado, muito
engraçado: não parei um segundo para pensar, refletir, meditar, à mercê do
fluxo de idéias, pensamentos, sentimentos e emoções.
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Agora pouco me importa se este texto seja
renovação, inovação, aprofunda as minhas coisinhas, é novo tempo que começa, é
obra-prima, está revolucionando tudo o que antes fora escrito. Isto é ninharia
para mim.
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O importante é que o texto está escrito.
#riodejaneiro#, 24 de agosto de 2019#
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