#MATAGAIS DAS ARRIBAS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA SATÍRICA
!E vós, sensível e circunspecta, indagais se há
matagais nas arribas.
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!Nos matagais das arribas, auscultei sons de poemas
que litteralizam o visível de sonhos inter-ditos do amor que não são lamúrias
da carência, reclamações da solidão, choro compulsivo dos tremores e temores da
morte, e para não transparecer a alma entupigaitada de tristezas, trazem no
bojo palavras sensíveis, açucaradas, melosas, rimas que surpreendem a beleza,
quaisquer estesias que a passagem dos tempos foi cristalizando. Nos matagais
das arribas, ouvi sons de silêncio que ritmavam e melodiavam os mistérios do
coração que elevam os sentimentos aos auspícios do sublime e de lá não sentem o
espírito flanando livre e se inspirando para outras conquistas da liberdade e
do ser.
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Alguns olhos, não diretamente, por a luz do sol ser
intensa neste início de tarde, os raios fortes e amarelados, ofuscarem-lhes,
mas de esguelha, vislumbram da superfície das águas límpidas o céu de nuvens
brancas e azuis, a imensidão do universo. Não são olhos tristes, trazendo nas
pupilas e retinas seus sofrimentos mais íntimos, suas dores incrustadas no
peito, clamando pelas graças misericordiosas de Deus, possam eles contemplar as
alegrias e contentamentos, mesmo que por um ínfimo minuto, mesmo que vistos
pelas frinchas da eternidade, encobertas por algumas folhas de galhos dispersos.
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Da superfície das águas limpidas
O céu de nuvens brancas
Tempo nublado, maresia,
Frinchas da eternidade...
Por todos os precipícios....
Nada mais sensível
Que a neblina cobrindo a grama verde
No alto da montanha...
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!E vós, re-flexiva e meditativa, indagais se há
matagais nas arribas.
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Nos matagais das arribas, vislumbrei os
instantes-limites da angústia que abrem os leques para as inspirações, para a
percepção de constelações atrás da lua cheia a conceberem nos lotes vagos da
alma sonhos efêmeros que eternizam a fragilidade do ser e estar no mundo
circundado das contingências da dor e do sofrimento. Nos matagais das arribas,
con-templei as trevas das incertezas e dúvidas, e nelas senti profundo e
abissalmente a presença do verbo que conjuga o in-fin-itivo da ec-sistência
plena e absoluta nos ventos do tempo, embora vós dizeis a todos os instantes
que isto de infinitivo, gerúndio, particípio, fica parecendo lições de escola,
enfiar as sabedorias do verbo nas descrições da condição humana é o mesmo que
figurarem onde não são chamadas, responde-lhe eu: "Isto é o que vós
pensais... há coelhos atrás destes matos, destes matagais..." O sujeito, à
medida que é absorvido in totum pelo objeto observado, torna-se o próprio
objeto.
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São olhos que brilham de felicidade, enfim sentem o
que é isto de estarem realizando seus sonhos, ideais desejados, queridos,
sonhados, esperados por todo o ímpeto e calor das entranhas e do coração, aliás
surpresos por eles haverem superado o que era esperado.
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Contemplando o céu de nuvens brancas, a imensidão
do universo, agradecem as dádivas recebidas, um presente que nem sabem se
merecem, se sentem merecedores, não sabem como explicar. Sentem-se orgulhosos
por haverem compreendido que a proximidade e envolvimento com as águas,
sentindo nos corações a continuidade simples e harmoniosa delas em direção ao
mar, no absoluto das ondas e calmarias, restituiu-lhes a esperança necessária e
essencial para a tradução e compreensão do mundo e da vida.
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!E vós, pensativa e dispersa, indagais se há
matagais nas arribas.
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Nos matagais das arribas, aprendi não a sonorizar
os sons de poemas, não a ritmar as notas de palavras chinfrins, de vernáculos
fúteis, como nas prosas e versos que tremelicam de linguísticas e semânticas à
cata de metafísica que envele as ipseidades e facticidades. Nos matagais das
arribas, aprendi que à última flor do lácio, inculta e bela, não é permitida a
mesmidade, há-de sempre re-criar-se, inventar-se, neologizar-se, se é que
intenciona ser húmus e semente do tempo de eterno resplendor.
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Interessante é que algumas horas antes, sentado à
grama à beira deste mesmo rio de águas límpidas e nítidas, presenciei a vários
rostos à superfície destas águas, expondo os mais variados sofrimentos, dores,
conflitos, devido a inúmeras situações angustiantes e desesperadoras, eram
rostos sem esperança, sem fé de as águas passando por debaixo deles, através
deles, modificassem-lhes, tornando-lhes esperançosos, fazendo-lhes acreditar
que, após as tempestades, as ondas furiosas e ressacadas do mar, as águas tranquilas
refletem as esperanças do abismo e das profundidades.
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!E vós, alheia e distante, indagais se há matagais
nas arribas.
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Se vós, diante destas todas dimensões de vossa
alma, dispondes a este diálogo inter-dito de visíveis invisíveis do ser e do
verbo, é que desejais alguma res dos re-versos desejos de a vida significar
mais além do que simplesmente libertar-se de dogmas e preceitos, torná-la plena
e eterna luz das peren-itudes.
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De imediato à contemplação dos rostos à superfície
das águas, levantei-me da grama e, caminhando com os braços cruzados às costas,
com leveza e simplicidade, ousando até dar chutes nos gravetos e galhos miúdos
ao longo do caminho-da-roça, de cabeça baixa, por me sentir em verdade triste e
desconsolado por aquelas águas outrora serem sagradas para mim, refletirem os
sonhos e esperanças da espiritualidade, do espírito da vida, da paz, da
misericórdia, e, acima de tudo, da limpidez do sentimento de que o amor só vive
de entregas e doações e, de repente, tudo se modificou, tudo se transformou,
tornou-se imagens de melancolia, nostalgia, de sofrimentos, de que a humanidade
empreende seus passos na escuridão, nas trevas, a luz à soleira dos ventos que
chegam de leste e oeste é apenas um modo de continuar a andança, o que é
sobremodo triste; o que contemplei foram rostos-sofrimentos, olhos dispersos
nas névoas de todos os séculos, na neblina de todas as décadas, na garoa de
todos os milênios, na maresia de todos os instantes de lazer, diversão, pura
inspiração, clamando, clamando, e ninguém ouve o seu grito e pedido de
misericórdia...
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E vós, sábia e perquiridora, indagais se há
matagais nas arribas!
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Nos matagais das arribas aprendi haver entre mim e
a vida um abismo, por mais nitidamente veja e compreenda o que habita em si,
jamais posso tocar a sua profundidade, também aprendi nalguns recantos dos
matagais das arribas me pungir de não ser os sibilos de vento que vêm de suas
profundezas. E sendo matagais de entrelaçamentos rústicos pondo xadrezes de
sombra e contra-luz nos reflexos sombrios de córregozinhos de pouca água,
absolvi o Todo e ele não esmagou os ombros do pensamento, aprendi a preencher a
terra de matagasias.
#riodejaneiro#, 27 de agosto de 2019#
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