DILECÇÃO E ELOQUÊNCIA NO HADES DA LIBERDADE# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do
meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas"
(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas)
Epígrafe:
"Aquando na subconsciência o iminente e
avassalador acasalamento das palavras sobrepuja sonoplasticamente com
irreverência toda a textualização" (Graça Fontis)
Redijo rastos de mim
Rastos de lembranças, re-cord-ações,
Rastos de perdas, mágoas, ressentimentos,
Rastos de falências, decadências, proeminências,
Redimensiono traços e marcas
Traços e marcas de decepções, frustrações
Traços e marcas de ódio, de sangue nas veias
(a língua em riste pronuncia e regencia o que
penso,
viro as costas, nada mais há a dizer)
Na biografia de minhas reminiscências,
Na autobiografia do mundo e as naúseas,
No autoretrato das moléstias psíquicas,
Originando linhas de impressionabilidade,
Surpresas, espantos, mesmo ad-mirações,
Sublimidade,
Almejando na memoração assinalar
O inenarrável con-templar,
O indescritível vislumbrar,
O indizível des-lumbrar,
O inexpressível a-lumbrar,
Feitos de quimera,
De prenunciadoras reflexões e paixões,
A-nunciadores ideais, questionamentos,
Nas fendas primitivas
Das espacejas frescas
Que sobrepujam o Eterno alabastrino
Das sensações resplandecentes
De dilecção e eloquências da subsistência.
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Além dos limites, fronteiras da con-tingência,
abertos horizontes e uni-versos da trans-cendência, palavras fornicam-se
livres, busca in-expressível e in-inteligível de dizerem o que lhes habita a
carne do desejo dos sign-ificantes, metáforas, sentidos, o sangue das vontades,
aspirações, sangue efervescente, assim re-velando a libido vernácula do verbo.
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Antes fora o vernáculo "fornicar":
espremi os miolos para me lembrar dele, angustiei-me, desesperei-me, não me
fora possível a lembrança naquele instante-limite de necessidade. Expliquei-me
este lapso de memória: se o nível é erudito, se os princípios burgueses habitam
os indivíduos, há o que podem dizer e o que não podem. Por que não posso usar o
termo fornicar? a condição intelectual não permite? Há as donzelas e madames
que torcem as fuças quando alguém usa um termo de baixo calão. Ridículo!.
Aquando urge o encontro de algo, não se lhe encontra. Esquecendo ou esperando o
instante de aparição, surge em momento inusitado. Preencheu alguns recônditos
da alma, vazios da mente.
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Encoimo a consciência perspicaz,
Por vezes, sopro quente dos mundos
Da língua e do céu da boca,
A empreender-se a favor do singular,
Dilacera-se o peito, ser apanhado pelo próprio
Desatino, vazia efusão de infâmias e glórias das
vaidades,
Re-colhimento introspectivo, vaga profusão,
Há instantes em que o grito surge inesperado...
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Veio-me à mente "fenecar", utilizando-me
dele, embora duvidando, não era o de que precisava, serviu-me de algum modo.
Consultei no dicionário, não existe tal termo - por que não um neologismo? Mas
com que sentido? Não imaginava.
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Só mais tarde, nem pensando nisso mais, surgiu-me.
Existiu um outro naquele mesmo momento, larguei-o de lado, surgiria noutra
ocasião. Nada. Esqueceu-me por completo, necessidade efêmera, instantânea.
Encontra-se enclausurado no limite da contingência, travessia para a
trans-cendência, ardendo de desejo de fornicar, mas não encontra a companheira,
o objeto do tesão que lhe realizará o desejo do prazer, do gozo, do clímax.
Quem sabe se me lembrar dela, liberte-a, e saindo do limite da contingência
encontre a companheira, fornique com mais tesão ainda?! Quem sabe sabendo estar
enclausurada, faça-me lembrar dela, assim realizando as suas volúpias do
prazer? Nada disso acontece.
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Quiçá pudesse, graças ao dom de teoricamente
acreditar de modo muito firme nos milagres, milagre do restabelecimento do
lapso de memória, do estado de alma triste, macambúzio, melancólico,
realizá-los e, dessa maneira, assaltar o céu, aí está o que ultrapassa em muito
os limites da razão para que se possa considerar por muito tempo uma ideia tão
ab-surda. Ab-surdo é o único termo que se me a-presenta para definir isto,
quiça por estar a sentir-me sorumbático, de início a consciência de algo
interfere nos sentimentos, não tem mais quaisquer serventias, o instante-limite
de outro tempo.
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O termo "fornicar", cujo sentido é a
relação íntima, uso-lhe para o inferno, fornica-se lá onde o tesão das penadas
almas não lhe reside qualquer censura, o clímax transcende o divino e o eterno,
e perpétuo. "Vá fornicar no inferno" tem o sentido de gozar o prazer
da alma penada, na terra-mãe era realizar os instintos, no inferno, o clímax
das chamas eternas. Jogue isto nas dimensões da criação literária... as
estradas do mundo vão se esgotar e não terá mais qualquer modo de andar à busca
dos inestimáveis sentidos de que se eiva.
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Forniquei palavras, joguei-as nas imundícies
contingentes do inferno, no safo dos caldeirões had-jacentes ao perpétuo,
mergulhei-as nas chamas ardentes além das metafísicas carnívoras da ausência e
manque-d´être, das falhas, faltas das forclusions dos pecados inominais do
verbo, à busca de expressar o sentimento, emoção que sentem, quando os caminhos
que só elas sabem, conhecem, não se re-velam somente no inter-dito, com ironia,
sarcasmo, cinismo sui generis, re-velam-se na fornicação aberta e livre no hades
da liberdade, quando os instintos da carne se decompuseram no silêncio do
sepulcro, re-nasceram na pena das almas hereges, das almas condenadas a
postumarem, epitafiarem: "Nas had-jacências do perpétuo, habita o clímax
ab-soluto do litteris, ipsiando as ipseidades dos ócios após o sêmen ejaculado
livre e espontâneo às cinco pontas das estrelas...", epígrafe que somente
Brás Cubas entende após as suas memórias póstumas, tendo os vermes comido seus
restos mortais e contingentes, descansando em paz na harmonia sin-tônica,
sin-crética e sin-crônica do que trans-cende as imanências do Hades. E fico
pensando Machado de Assis ainda se remexe na sepultura por não entender o que
certos homens fazem na Academia, não tem dons e talentos literários e ocupam
cadeiras de escritores importantes na História.
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Quem sabe a suprassunção, o suprassumir as quatro
paredes do inferno sejam realizados com a postumidade linguística, semântica
das metáforas verbais do verbo carne, estar-no-mundo, fornicando no que foi
perdido após o grande evento do verbo-espírito re-criar-se carne-verbo dos
desejos, esperanças, sonhos, deixando às palavras, vernáculos o livre-arbítrio
de mudar o destino de a vida serem dores, na morte é que a felicidade, além do
perpétuo, eterno, perenize-se, plen-ifique-se.
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Assaz questiúncula!... Saber dos indivíduos que
menosprezam, subestimam, negligenciam termos pronunciados em conversas,
palavrões, gírias, escritos nos livros, se teriam dons e talentos para tecer
uma consideração sobre o "lapso de memória", deixando o termo
esquecido, sem mostrar-lhe a face. Como tem o hábito de dizer:
"Duvi-d-ê-o-dó." Pouco se me dão as opiniões: sei perfeitamente
definir e estabelecer limites. "Fornicar", termo censurado, aqui
suprassumiu o seu sentido contingente, eivando-se de outras dimensões de
sentido, inclusive da presença da psicanálise para o entendimento da criação do
autor.
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Desde a eternidade à eternidade, as palavras
a-nunciadas e re-veladas, no espírito por inter-médio dos verbos-sonhos,
vers-ificadas, vers-ejantes, vers-entendidas no limiar, soleira, solstícios,
tornadas vividas, vivenciadas, até mesmo experimentadas, o ipsis re-cria-se
litteris, o inter-dito refaz-se dito, morte e vida não mais existem, jamais
existiram à luz da terra-mãe, carne e ossos às sara-palhas da esperança do
para-ser na continuidade do haver-sendo, liberdade, ainda que tardia,
autenticidade além de todos obstáculos, censuras, verdade além de todos os
juízos, o ser nas trilhas, sendas e veredas do sublime e simples.
#riodejaneiro#, 01 de agosto de 2019#
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