ALVORE-"SER#: SILÊNCIO DA SINFONIA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
I -
INTRÓITO
Farrapos
maltrapilhos de sinuosas liberdades esfalfando oblíquos perpétuos de devaneios,
esfiapando obtusos particípios de dissolutas miragens, e eis o mundo
enxovalhado e sovertido sob aquele enigmático mastro chuvido. Farrapos de teias
de ensimesmados arbítrios extenuam-se. As cordas d´água mais deliram, mais se
dilatam na chuvarada, e a terra não penando tal chuvência, chuvil de enleios e
enredos. No mais profundo oceano, sob a raiz das plantas aquáticas, ou no seio
das conchas na areia, é tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, de
lábios trincados e uivos, palavra indireta, aviso na esquina
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Apanho da
pena...
Pena de
rumores,
Pena de
ruminações.
Pena de
uivos.
Pena de
gemidos.
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Vivo é só
o homem porque se sabe vivo; e é porque se sabe vivo e mortal, que ele é um
Deus condenado à morte e sem ressurreição. O que há de escárnio na sua sorte é
que a sua parte animal é igual ao animal, o que há de sarcástico na sua sina é
que os seus instintos são iguais aos instintos da serpente que convenceu Eva a
comer do fruto proibido; e a sua parte de grandeza é igual à dos deuses.
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Caixões
esmorecem tintas que apagam a incólume memória de anos rasgando a seda presa no
fio oblíquo de fumaças. A cal cofia ambíguas vestes de linho, o medo de terras recalca
o andar cambaio. O ressentimento de tijolos pisa os pés descalços. A amargura
de cimento ressoa o silêncio.
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Não me
digam que a morte é uma espécie de sono bom, isto me faz rir, não estou em
condições de fazê-lo neste instante, faz-me sorrir de escarniados sorrisos
plum-itivos, sou enviesado ao sabor de certas metáforas escalafobéticas, servem
apenas para o criador se lisonjear de sua criatividade, invertido aos sons de
metafísicas de antanhos princípios do feio e belo. Quero morrer dormindo, é a
morte mais digna, não saberia que estaria morrendo. Porque no sono o que
importa não é dormir bem, mas sim o acordar depois de se ter dormido bem. Na
morte dormindo o que importa não é morrer, mas acordar depois de ter morrido
bem. Poder perguntar a minha mãe, que morreu dormindo, como é isto de morrer
dormindo, mas a questão é se ela vai me responder. Quê despautério! Sim, mas é
o que sinto forte e presente em mim. Tudo isto é fatigante quase até à
irritação – esta insistência no que é óbvio desde que um homem morreu. E, no
entanto, através de mil crenças ou subterfúgios, jamais o homem morreu, porque
só hoje ele morre.
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II ATO
O homem,
fora.
Fora das
muralhas do exílio,
Fora dos
cárceres da escravidão.
Fora dos
grilhões da insensatez.
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Tumbas a
brasas eriçadas esgalgam ódios últimos, sorrindo fúnebres as derradeiras
lembranças. Covas a chamas esfoladas esganiçam vinganças. Cisternas a águas
re-colhidas em/por balde de lata puxadas a corrente grossa. Goles tirados a
tempo curto removem possibilidades cuja força é ser efêmera. Sepultura íngreme
cobre de nada as hipocrisias primeiras, ironias retiradas a esmo, cinismos
repostulados, a falsa modéstia é nonada absurda a copos emborcados. Sete
palmos, as cinzas esfalpadas abrem letras que esmiúçam tentáculos. Medusa tece
pedras cruas cujo olhar fundamenta o barro nu de nossas ansiedades.
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Compreendo
a estranheza. O exílio não existirá sem o corpo. No entanto, constitui um
impasse. Impasse para o infinito. Viver o imortal. Pensava que as muralhas fossem
a liberdade – nem mesmo o desejo de atingi-la, alcançá-la.
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No
exílio, sou ser sem sentido. Fora, a ausência de sentido é o sentido da
ausência, e o sentido da ausência fora da ausência de sentido. É a mãe que está
distante do filho, mesmo com ele no útero; longe dele, embora o cordão
umbilical não tinha sido extirpado. Está à distância dele, após o cordão
umbilical haver sido cortado.
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Descobrir
a liberdade. Exteriorizá-la no mundo.
Revelar a
sensibilidade do espírito. Verbalizá-la na terra.
Ocultar
as pectivas pers do subterrâneo da alma.
Angústias...
Dádivas... Melodias.
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III ATO
O mundo é
o exílio. Pensava encontrar um lugar em que descansar os ossos. A liberdade é
para não estar fora do mundo. E fora do mundo não são ofícios dos ócios. Livre,
cadáver de uma perdiz ou de um faisão abatido por caçador furtivo. Todas as
possibilidades são no sentido de o corpo estar estendido num fosso ou por trás
de uma moita, os joelhos dobrados, os cabelos sujos de terra.
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E onde a
águia, o gênio de pupila ovante,
Tem
vertigens, auras, desfalece e cai,
A
ceguinha débil, vagabunda, errante,
D´Olhos
às escuras, Infinito adiante,
infinitivos
gerúndios radiantes,
Num
enlevo aéreo perpassando adiante,
Num
enlevo aéreo perpassando vai!...
Branca e
pequenina, ligeirinha e leve,
Corta por
abismos, plagas sem faróis,
´Stepes
infindáveis que ninguém descreve,
Lúgubres
desertos de mudez e neve,
Bátegas
de brasas, turbilhões de sóis...
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(...)
Vem um
anjo abri-las; a ceguinha mansa
Põe-se de
joelhos, em adoração...
Diz-lhe o
anjo:
- Toma,
guarda esta lembrança:
Uma palma
d´astros, a luzir Esp´rança,
Uma
orquídea d´estrelas, a cintilar querenças
Que à
velhinha humilde levarás na mão!
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A
existência procura inserir-se na morte para não se extinguir. A tristeza
resultante da depressão é muito mais que um tipo de emoção centralizada apenas
e exclusivamente na psique: afeta todo o corpo. Ela é sentida tão agudamente e
causa tanta dor quanto um apêndice supurado – talvez mais.
Lembra-me
isto... Talvez não possa denominar uma lembrança, chamar assim. Não consigo
penetrar na significação deste termo, no sentido deste símbolo. Diria
recordação mesmo. E deste termo tenho consciência do que intenciono dizer.
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Sim... O
verde de teus tesouros ilumina a escuridão?
Não os
vejo, meu amor, para mim abrem horizontes
Mergulho
em teus raios, no brilho de teus olhos.
O que
sinto, o que me trans-cende
Uni-versos
traçam na carne os êxtases,
Alegrias,
prazeres, vestígios de miríades,
Entre-laçando
nos ossos
Corpos de
angústia, tristeza, dor e sofrimento.
Horizontes
tecem no sangue os ímpetos,
Fantasias,
quimeras, sonhos,
Costurando
no espírito,
Utopias
de esperanças e fé,
De
confiança e con-(s-)-ciência de olhares profundos
Na vida e
seus dons e talentos.
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Não me
escutas
Ausência
absoluta de palavras, sentidos e metáforas,
Nos
lábios, sorriso sublime de amor,
Representado
nas flores secas que são sementes de origens...
Representado
nas rosas vivas e viçosas que são raízes
De
crepúsculos e auroras, e no ínterim de contemplações
Finge
compreensão, finge recolhido e acolhe
No peito
o carinho desdobrado.
Na mente
a ternura re-presentada
Na manhã
da vida, dos desejos e vontades
De
felicidade, paz, amor.
Ouves,
escutas, sintas
Dores,
sofrimentos, desesperanças,
Os homens
se queixam de suas desditas.
Lamentam
suas sendas perdidas
Só tu, tu
podes com simples roçagar a pele
Esquecida
nos sonhos que parecem únicos,
Retirar-lhes
das angústias a suavidade da fé
Das
tristezas a sublimidade das esperanças
Oh,
sudário de origens e raízes
Em cujos
nós, linhas e perspectivas,
A face
verdadeira, pura, de águas límpidas
Refletem
a continuidade da vida.
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IV ATO
A lua
sobe solitária
A memória
se esvaece
Suspiram
pela morte solene em dias ensimesmados
Pela vida
plena em noites escuras
Pela
preguiça sublime, o sol forte, calor intenso,
Pelo
desânimo, as brumas esfumaçadas, flocos de neves
Suspiro o
tempo em que as palavras
Não
atendiam rápidas aos pérfidos afagos dos dedos
As mãos
feitas concha.
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O absurdo
maior não é morrer. Sedes esgalgam ventos a trancafiarem loucuras ensandecidas.
À miséria e corrupção de últimas palavras cálices trancam cinzas processadas de
carne humana. Tragédias e farsas de identidades enjaulam sons resvalados até ao
derradeiro delírio. A língua ininteligível encarcera amores, mesquinhas
infâmias.
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O outro
prende da desconfiança mútua, do receio, da humilhação, a secreta perfídia.
#riodejaneiro#,
28 de agosto de 2019#
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