#O VALE CONTINGENCIA A JORNADA DO DIA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
Caminho
por corredores estranhos e mofados. Algumas lembranças vazam pelos cantos,
dando um travo, apertando até ficar mais sensível a alma. Afasto estas
lembranças para poder seguir, importa isso, importa seguir, mas para onde?
***
Um olhar
dentro que sempre me faz arrepender de não haver dito as derradeiras palavras
nesta ou naquela situação, o gosto desenxabido de letras e acentos.
Principalmente do que não gostava. Arrependo-me do que não gosto, não trago
dentro qualquer admiração e reconhecimento. A paixão, a inominável paixão
ser... este o sentimento que irrompe.
****
Desde
quando acredito trazer comigo um bolo de sentimentos a ser dito nessa hora? Não
o sei, creio que desde a eternidade. Se é ou não chegado o momento de dizer
coisas armazenadas há muito, libertando-me do arrependimento trago nas costas,
sentindo-me entregue aos desígnios, não me é dado responder, mas, em
contrapartida, digo que algo está muito diferente, quem sabe por haver decidido
mergulhar nesta gruta, marulhar nestas águas ondeadas de gotas flanando no ar à
mercê do vento, seguir alguma trilha que, no íntimo, sabendo de antemão, não
mais me sentirei arrependido disto e daquilo. Não ajuízo os porquês sim e não
das coisas passadas, sim não saber havia tanto a ser feito, o tempo é exíguo
agora, tempo de perguntar "será que sou capaz de fazer tudo isso a toque
de caixa, de cinzas? Não quero deixar pendências, fiz o que tinha de
fazer."
***
a verdade
da vida ser o espírito de desejâncias,
ser a
alma de travessias e passagens,
travessias
e passagens de símbolos do vir-a-ser,
travessias
e passagens de signos do eterno,
***
as
travessias da vida serem a alma dos sonhos
perscrutando
as esperanças e entregas,
perquirindo
os enigmas do desejo de querer
a verdade
cristalina que sacia a sede do sujeito.
***
travessias
e passagens de metáforas da felicidade
e alegria
perenes, travessias e passagens
de
linguísticas e semânticas do pleno.
***
travessias
e passagens da metafísica da loucura
e
trafulhas imortais, trambiques póstumos
rumo à
insanidade de todas as gerações e tempos
***
Deixo-me
envolver pela carícia do silêncio, olhando uma luz que sai de uma fresta do
teto, incidindo na água de uma pequena lagoa no canto esquerdo. Encontro-me
sentado a uma pedra, contemplando as coisas. Anoitecendo. O vale contingencia a
jornada do dia. Bem filosófica esta cena, sentado a uma pedra no descampado do
vale, mãos amparando o queixo, invisíveis aos olhos de quem perscruta, olhando
ao derredor.
***
Cada
momento me transforma, convencendo-me, com a maior facilidade, a aceitar as
forças que me habitam, a acolher os sofrimentos e dores, sentimentos e emoções
trazidos em mim dentro; persuadindo-me, com algumas dificuldades, por haver
instantes, longos e difíceis, em que acredito não ser capaz de entregar-me aos
seus desígnios, a poderes mais criadores e inventivos.
***
Sonho.
Este
sonho traz-me tanto êxtase:
tenho
ansiedade de crescer,
ser
alguém na vida
***
– ouvira
isto desde sempre,
“é
preciso ser alguém na vida” -,
fazer
algo de que realmente gosto.
***
O sonho
leva-me à esperança e,
aos meus
olhos,
apesar de
lúcidos,
tenho
dúvidas se continuo consciente,
se a Arte
da Inconsciência
Concebe a
Vida da Sabedoria.
#RIO DE
JANEIRO, 29 DE ABRIL DE 2020, 00:54 a.m.#
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