O MONTE DESÇA AO VALE E O VENTO DOS CUMES, ÀS BAIXADAS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
O monte
desça ao vale e o vento dos cumes, às baixadas!
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Nessa
sinfonia chamada vida, nessa ópera chamada silêncio, que tipo de dança vim
dançar, erudita, moderna, clássica, que espécie de olhar - de ternura,
compaixão, - encantar, quantas cordas terão minha harpa... regendo os
sentimentos que se a-nunciam, nascem, re-nascem, cancionam os ideais e sonhos,
pautam os regimentos verbais das utopias, claves in-fin-itivas do ser e do
nada?
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Para que
nasci? Haverá um fim determinado ou não - tudo se resuma a surpresas, aventuras
nunca dantes imaginadas?
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Ah, com que
alívio, com que pressa digo isso – recosto-me à cadeira de balanço em que me
encontro sentado, não tardando muito, vejo-me diante das luzes que iluminam a
noite.
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Ah,
luzes, quanta tristeza e desconsolo, alegria e felicidade, dirigi-lhes,
suplicando-lhes atenção e consideração, reconhecimento, e muitas imagens
enviaram-me, esperando que as traduzissem com sentimento e certeza,
tornarem-se-lhes a essência de vida a que tanto sonhava e desejava no mundo!...
Quanta, hein?! E, agora, sinto-as no íntimo, não sabendo se lhes ouço a voz
tímida e terna, se lhes dirijo palavras e súplicas, se lhes alimento a imagem
cândida do tempo e ventos, se lhes ouço dizendo tudo é questão de viver a vida,
e, embora poucos acreditem, vivo à busca de viver, e assim alcançar a Vida que,
desde a eternidade, me fora doada de modo, estilo gratuitos, dançar ao som e
carinho, ouvindo-me ser.
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Não
havendo resposta, a mínima que fosse, para esses questionamentos que lanço ao
final do dia – não que os tenha pensado desde a manhã, enfastiando-me às vezes
por serem contundentes, aspirando a tornar-lhes cinzas vez por todas, e estas
desapareçam na terra, nas luzes da penumbra, húmus de vida a ser iluminada,
gerada: as luzes, assim acredito, revelam indícios de compreensão.
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Um observador
judicioso não poderia deixar de perceber certo tom sarcástico, por assim dizer,
nesta situação de indagação sobre as razões de viver, o destino que até o
presente só há traços gerais tecidos, nunca algo que satisfaça um pouco. As
luzes é que encaminham para o que desejo dizer com estes pensamentos,
reflexões, os sons, sons dos trinos de passarinhos, sons das profundas sombras
do bosque indicam, des-ocultam as veredas a serem perseguidas. Não fora a luz
da estrela que levou os três reis magos ao menino Jesus que acabara de nascer?
Não fora a voz de Deus que despertara Moisés, levou-o à esperança da Terra
Prometida?
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Mistérios!...
Quem sabe nasçamos todos predestinados ao mistério, muito mais que às certezas,
seguranças!... O nascimento não se dá única vez, acontece todas as vezes que
saímos de trilhas percorridas por tempos inesquecíveis neste ou naquele aspecto
e buscamos outros lugares no mundo, lugares que não foram devassados. Moisés
não ouvira a voz de Deus, “levasse o seu povo à terra prometida”?!... Que
desejamos outras emoções, sentimentos e sonhamos o encontro, realização.
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Ah, que
sei eu do coração humano, suas necessidades prementes – no fundo, nesse
insondável lugar onde se re-presenta a última cena de uma ópera e sinfonia sem
espectadores, talvez esteja na intimidade própria de quem ouve voz melodiosa e
divina. Leve as palavras aos homens!...
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Que
idéias, que lembranças flutuam no espírito, regimentos internos de pensamento
perpassam os recônditos da alma? A fisionomia não transmite sensação de
repouso, ao contrário, transforma-se, modelando-se sob o in-{fluxo} de imagens
esvaídas há muito tempo, e cuja volta produz viva expressão de dor, de
sofrimento.
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Silêncio
é o eco de um silêncio ainda mais profundo. Silêncio é a grande sala de
audiência de Deus...
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Ninguém
pode vir juntar-se a nós, neste início de noite, sentado à cadeira de balanço,
na sacada de minha residência, a senhora lendo um romance, Estrela Polar, de
Virgílio Ferreira, escritor português, deitada em nossa cama. Quem sabe alguém
que tenha encontro marcado com a vida possa vir a se nos juntar! Saberá ele que
nos encontramos aqui, buscamos explicações para o ato de viver, seguir trilhas,
desejar a felicidade, o prazer? Saberá ele que o esperamos ansiosos, trocarmos algumas
palavras de experiências, desejos, vontades, sonhos? Diga-nos ele estar diante
do tabernáculo de sons e luzes nada mais não é que lhes ouvir as palavras de
inteligência e sabedoria sob que nuvens trilhar as alamedas de sonho e utopia.
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Nutro-me
de questionamentos. Sacio a sede com a carência.
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Decerto
não compreendo totalmente o que falo – estou sim muito longe de imaginar o que
designo como “saciar a sede com a carência”. Sei que me acho dis-posto a tudo,
defendo a vida em quaisquer circunstâncias. Quem sou na realidade? Um ser
fantástico e sem sentido, mas cujos gritos, às vezes, confundem-se com os
gemidos da verdade.
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Dúvidas?
Então posso dizer que muito do que se passa em minh´alma já traz em si a
previsão de resposta que intenciono ter nas mãos feitas concha, mostrando qual
é a verdadeira face dos sentimentos que me perpassam o íntimo.
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Quem pode
imaginar com que ardor me prendo à vida, eu, que um dia tentei fugir dela por
motivos fúteis e que, agora, minuto a minuto, considero seu valor, e
empalideço, e tremo só de imaginar que um dia não mais estarei presente à sua
claridade, aos sons e luzes. Resta-me o quê senão estar aqui diante do
tabernáculo de sons e luzes, dedicando-lhe estes pensamentos, mesclados de
interrogações, medos, esperanças!...
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Posso
erguer-me, levantar-me da cadeira de balanço, conversar com a senhora, rir até
como toda gente ri – poder qualquer me separa dos outros, mesmo da senhora a
quem amo deveras, incentivando-me esse clarão particular, causado por todas as
luzes que diante de meus olhos iluminam a noite que rui com suas miríades de
estrelas.
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Há uma
nuança de angústia, inexplicável, e, por vezes, chego a sentir certo esforço de
minha parte em vir à tona, a dirigir aos homens palavras banais que servem às
relações humanas, como se as retivesse, num esforço de atração e densidade, o
que existe de mais em minha natureza.
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A vida
parece-me tocada de sentido mais denso e mais obscuro. Não há nisto qualquer
vaidade, mas a certeza de que devo afrontar os mistérios que me aguardam, de
peito des-coberto – como um homem, experimentando seu duro ofício de viver e de
continuar através das pequenas mortes sucedidas ao embate dos fatos.
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Continuo
sentado à cadeira de balanço, a sensação é a de quem houvesse sido abandonado
para sempre, deixado morrer à míngua, ou como se algum elemento que me fosse
muito caro, essencial mesmo, se me houvesse diluído no coração. O sentimento é
o de uma extraordinária liberdade: ruíram os muros que aprisionavam meu antigo
modo de ser. Como um homem adormecido durante muito tempo no fundo de uma
cisterna, acordo e agora posso contemplar face a face as luzes que iluminam a
noite.
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A mão não
trema ao ousar, quem sabe amanhã, acordando-me, escrever palavras, e nem elas
despertem no coração ímpetos de melancolias, nostalgias difíceis – seja humano,
simples dentro de meus próprios limites, e procure acertar depois de tanto
haver enganado, convicto de que há outros estilos de prazer em levar a termo,
na idade madura, o que em vão tentei desperdiçar em in-vernos e in-versos menos
esclarecidos.
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Não é
amadurecimento, supondo, a sensação que me invade – é de plenitude. Tudo isso
não é a prova de que começo a viver, de que existo, e de que a vida deixou de
ser terrivelmente grave e bela, com um sentido que ainda não adivinhara, mas
que existem sons e luzes, e intuo som aos sonhos, cor às árvores e às folhas,
às nuvens, ao céu, a tudo o que palpita de infinito amor.
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Sinto-me
grato por existir, e chego a pensar em ajoelhar-me diante do tabernáculo de
sons e luzes, agradecendo a graça de me ter feito presente a todas essas
maravilhas.
#RIO DE
JANEIRO, 09 DE ABRIL DE 2020, 14:55 p.m.#
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