#SOB O SILÊNCIO DO DIA# GRAÇA FONTIS: ESCULTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA(Belo Horizonte, 21 junho 1989)
“O homem civilizado trocou uma parcela de suas
possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança”. (Freud)
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Quem sou eu no olhar a buscar o entendimento de
todos os gestos, comportamentos, atitudes? Quem sou eu no olhar desejando a
compreensão de todas as emoções, sentimentos? Quem sou eu no olhar querendo a
visão do processo da personalidade, identidade, íntimo? Quem sou eu no olhar
intencionando a percepção de todos os conflitos, dores? Quem sou eu na atitude
de olhar o outro?
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Quem sou eu no sentimento?! Desejo ir o mais fundo
em mim, perscrutando toda a intimidade, burilando o estilo, delineando a forma,
buscando a pureza. Desejo sentir o âmago do carinho, viver-lhe, aprimorar-lhe,
aperfeiçoar-lhe. Desejo viver o seio do amor, sentir-lhe, ser-lhe. Desejo
sentir o amor, transformar-me, modificar-me. Desejo querer o mais autêntico,
tocar fundo o mais verdadeiro. Quem sou eu no sentimento de desejar?
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Quem sou eu nesta imensa volúpia de atingir o
eterno, sentir-lhe os prazeres e alegrias? Quem sou eu nesta intensa
voluptuosidade do abarcar o imortal, sentir-lhe as delícias e gozos? Quem sou
eu, se atingir o eterno, abarcar o imortal, é-me apenas um deleite da razão, do
intelecto? Quem sou eu, se recuso tanto o imortal, o eterno? Tudo o que desejo
é o mais mortal, o mais perecível – sempre a partir do deplorável, do
insustentável. Quem sou eu?
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Quem sou eu no pensar a felicidade, se, ao me
expressar, confundo os dados, multifacelo a verdade e tudo se torna um vulcão
de coisas nauseabundas em erupção? Quem sou eu no pensar a paz, se, ao me
exprimir, digo as dores, as ansiedades, as angústias e tudo se torna um vazio
imensurável? Quem sou eu no pensar a alegria, se, ao me revelar, manifesto a
tristeza, melancolia, nostalgia? Quem sou eu ao exprimir as dores, as
ansiedades, as angústias, se há a presença de toda uma racionalização? Quem sou
eu a manifestar a tristeza, melancolia, nostalgia, se há todo um estilo de
descrição de todos estes fenômenos?
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Quem sou eu no instante em que traio a consciência,
deslizando-me para a má-fé, o gratuito, o arbitrário, o nauseabundo? Quem sou
eu no instante em que reprimo as fantasias, intencionando a consciência mais
fundamentada e real? Quem sou eu no instante em que rechaço a inteireza da
consciência, desejando viver todas as suas arestas por simples capricho e
picardia? Quem sou eu no instante em que desfaleço a consciência, a fim de
alcançar a liberdade de olhar por todos os ângulos do mundo sensível? Quem sou
eu no instante em que corto a consciência de minhas atitudes e atos, com o
desejo explícito de ser a agressividade, a rebeldia, o ressentimento, a raiva?
Quem sou eu no instante em que dilacero a consciência de meus sentimentos, com
o desejo nítido de viver a dor, a angústia, a ansiedade? Quem sou eu no
instante em que negligencio a consciência, com o desejo límpido de instalar-me
unicamente a nível da subjetividade, estar no subjetivo?
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Quem sou eu no mundo, se, no instante da
proximidade comigo, encontro-me distante? Quem sou eu no mundo, se, no momento
em que me sinto distante, é quando me encontro o mais próximo de mim? Quem sou
eu no mundo, buscando-me, se o encontro é sempre uma perda de algo, talvez
imprescindível? Quem sou eu no mundo, perdendo-me, se o encontro é sempre
atitude séria e real? Quem sou eu no mundo, viver é estar morrendo em cada
passo dado? Quem sou eu no mundo, a morte é a eternidade sólida e insofismável?
Quem sou eu no mundo, pois que não sou real e as minhas atitudes realizam a
mim?
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Quem sou eu?! Amando, unicamente reivindico um
reduto aconchegante onde repousar a minha cabeça? Amando, interessa-me o
diálogo, dizer o que me vai no íntimo, esperando uma compreensão? Amando,
interessa-me a conversa, ouvir o que passa no íntimo, e jamais possuo uma
palavra a ser dita? Amando, estou num instante de fantasia, imaginação, criação
fértil e, na realidade, tudo é apenas um deleite, um espairecer das ideias?
#riodejaneiro, 19 de fevereiro de 2020#
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