GERMINAÇÃO DAS ORIGENS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
EPÍGRAFE:
A
função, responsabilidade, compromisso do Artista das Palavras, Poesia,
Literatura, é des-velar o Silêncio, engravidar-se do Ser. Os tempos hodiernos
esqueceram-se disto."
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Dói
dizer em verso o que ficou perdido no avesso da memória, onde os escritos se
cobrem de silêncio e me engravidam, e sigo, ventre protuberante, saliente, os
caminhos da luz, que darão realidade a outras emoções verdadeiras.
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Sou
desfiladeiro onde a palavra se perpetua,
sou
abismo onde o sentido se trans-figura,
sou
caverna onde o meu ser trans-cende
e
se metamorfoseia em desejos e vontades da realidade,
do
real e da verdade,
sou
gruta onde eternamente
ouvirei
os pingos das estalactites caindo na lagoa.
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Ambiguidades,
contradições, nonsenses enfastiam-me: se a palavra não possui um ser, nenhum
ser habita-lhe, então deveria virar-lhe as costas, com aquele arzinho de
"Então achava fosse eu atoleimado?!". Nada disso, encarniço-me à
busca de algo nela que me construa, que me faça, dê-me origem, germine em mim
terras por onde atravessar, encontre logo o deserto INTO THE MISTIC.
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Retida
em minhas paredes, a voz resvala em ecos.
Cultivo
o silêncio,
a
interna amplitude da fala num diálogo oculto,
num
monólogo omisso.
Falo
na linguagem dos que me amam,
não
dos que me odeiam,
sentem
invejas,
ciúmes
e despeitos,
têm
os seus direitos inalienáveis e insofismáveis,
tirar-lhes
isto seria o mesmo
que
lhes tirarem o que chamam vida.
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A
palavra teço-a com o amor, apreço e acuidade do tecelão, entrelaçando fios no
tear. Bordo a palavra, idéia a idéia, linha a linha, sentido a sentido, ritmo a
ritmo, alinhavando a musicalidade que precede todas as minhas razões di-versas,
ad-versas e in-versas. Arquiteto os sentimentos e emoções, a cada movimento de
desenhar o símbolo, finalizando o enredo, arrematando a estrutura nas
entre-linhas de seu re-verso in-terdito silêncio.
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Não
é intrigante, irritante, insuportável este arzinho de mestre de língua, estilo,
linguagem, estar ensinando alguém a traçar suas letras ocultas e ciências
apagadas, quando eu próprio não sei fazê-lo, digo ser escritor e acreditam
piamente que sou.
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A
palavra e o escritor germinam na mesma cova e,
juntos,
vão
no mesmo passo,
porque
um no outro se completa,
um
no outro se comunga,
um
no outro se adere,
um
no outro versa-una o desejo e a intenção – que tese se mostra a partir dessa
comunhão? Ou que antítese é a idéia transparente?
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Disse-o
antes: já não vou à busca da essência, já não viso o além, já não aspiro à
eternidade, menos ainda agora que desfruto outras sensações e sentimentos no
íntimo, não os sei, não os compreendo, não os entendo.
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Nada
mais me diz qualquer respeito ou sentido. Se dissesse, antes menos respeito eu
teria, preferiria a negligência absoluta ou deitar-me no travesseiro do nada e
dormir o sono do abismático solipsismo.
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Vinhas
no arrebol dos versos antigos, decassílabos, estrofes eruditas acompanhadas de
ritmos pretéritos e presentes, meigas e trans-lúcidas, formosas e gentis,
charmosas e ternas, vinhas etéreas, aéreas, etecétera, nas asas de Pégaso
sobrevoando mares, florestas e abismos, na égua da metáfora explícita e eivada
de sentidos, na mula metafísica das dúvidas e do, "para-si", no lume
da lua-cheia, no brilho da lua-nova, na transparência da lua-virgem, pousava
lírio branco, alfim no verso que fazia as vezes de jardim, nas estrofes que
faziam as vezes de flores vivas e cheirosas – embora na vida nem sempre fora
assim, tudo se mostra, se não ao in-verso, re-vestido de seus re-versos e
avessos, é começar no in-verso para atingir o verso verdadeiro, na contramão
dos desejos e vontades, na mão única das expectativas e esperanças, da fé e das
vontades de louvores e glórias; isto já ultrapassou todos os limites do
revérbero, do retrógrado, do démodé.
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Há
no negro olhar um céu profundo,
cujo
âmbito estelífero percorre a alma, que,
ansiosa,
escapa
do meu peito, na asa de uma quimera,
que
nem de longe havia imaginado a sua ec-sistência em mim, alto a voar à busca de
um novo e melhor mundo, mais amplo, de mais luz, em cujos raios os sentimentos
e emoções se entrelaçam, dançam e divertem-se até à hora final do crepúsculo.
Sobre um fundo de neblina e luz, ressoa o cântico plangente.
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Os
reclames luminosos no ar crepitam, fazem sinais à noite, ao silêncio, à
madrugada de pensamentos e idéias do pleno e do absoluto, da verdade e do
eterno, vibrante ao lume de água, ao des-lume de gotículas de neblina, cintilam
nas águas miríades de partículas de sol, da saudade de ilusões à luz do porvir,
de fantasias à mercê dos ponteiros do relógio eterno, absoluto, que é o tempo
em todas as suas a-nunciações de vir-a-ser.
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Em
verdade, há vesúvios no meu peito – não me furto ao mau gosto da imagem desde
que, no real, o mel talhou insípido. É noite lauta para fomes definidas, para
sedes inauditas e ininteligíveis, para carências seculares, e outra lauda
desfia-se incongruente no teclado surdo desse órgão tísico, para sedes
id-ent-ificadas além das contingenciais em mentiras do aqui e agora, fofocas do
ontem e anteontem, comentários aleatórios de outrem e outrora, e outras
palavras surgem, manifestam-se, revelam-se, mostram-se.
#riodejaneiro,m
06 de fevereiro de 2020#
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