#RESTA-ME IR EMBORA PARA CASA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: CRÔNICA POÉTICA
Pudesse eu criar, nas emoções,
sinfonia do universo,
ópera do horizonte,
serenata do in-finito,
em notas suaves a inteirarem-se
nos liames da alma...
Engenho e arte a síntese delas em atos diferentes,
o nonsense e o simples em cena,
teatro do absurdo,
cinematografia do nonsense, hipocrisia,
angústias e tristezas abomináveis,
a contingência de mistérios, enigmas,
nos recônditos da inconsciência...
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Pudesse eu criar, nos sentimentos, uma ária de vida
em partituras verdadeiras, num tom profundo, numa tonicidade real...
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Intros de pecções sublimes, circuns de pecções
edênicas, quiçá, vislumbrando o nada que flana livre e solto na neve,
performance de dançarino no sopro do vento, brincadeira inocente, (nada mais
esplendoroso e mágico), por todo o inverno não será trapézio, trampolim, ponte
para o In-finito, a neve cobre toda a trajetória, itinerário até lá. Quem
sonha, cria e re-cria todas as utopias da liberdade em atingir este pampa santo
do uni-verso, onde degustar as divin-idades do verbo e do ser, terá de esperar
a primavera, à mercê das chamas da lareira, às voltas com a memória eivada de
lembranças, saudações... quem dera o esquecimento, quem dera não mais re-colher
e a-colher os acontecimentos!
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Encolheram-se até os instintos mais primevos. A
chuva cai forte neste instante, de repente um raio seguido de trovão, um bêbado
dá de fuça com o chão, saindo do botequim, a messalina da esquina escondeu-se
de por baixo da marquise, toda encolhida. A tarde estava muito escura, nuvens
pretas, armava uma tempestade. Não dei atenção a observar as coisas, a
tempestade de imediato. Encolhi-me, o que nunca fiz na vida diante de raios,
trovões, relâmpagos. Quando se começa a envelhecer, tudo modifica - é o que
dizem as falácias: "É a idade". E eu escrevendo sobre o nada que
flana livre e solto na neve, tempo de refestelar-se, exausto de tanto con-duzir
as almas ao In-finito.
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Sei existir, em mim, o início de uma composição
musical, mas a percuciência das palavras a se mostrarem nítidas, afasta a
música e tudo é destilado.
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As palavras,
uma definição
contingente...
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Estou tão estupidificado com o raio seguido de trovão,
as palavras tremelicando escafederam-se, só a pena desliza no papel, a mão
segue-lhe solícita e compassiva.
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Não mais qualquer trovão, relâmpago, a chuva apenas
caindo, aliás diminuiu bastante. Por que o raio seguido de trovão justamente
quando escrevia sobre o nada flanando na neve, livre e solto? Sei a resposta:
as con-tingências da vida ainda mais pujantes e eu com a minha poesia. Só não
digo que não existe no mundo ser mais alienado que o poeta, porque penso em
Goethe, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade. Não foi somente eu quem se
assustou com o fenômeno, o bêbado deu com as fuças na calçada.
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Perdi o rumo das coisas. A pena segue delineando
caracteres nas linhas da página, nada sei do que é registrado. Levanto a cabeça
um pouco: alguns clientes observam-me, chove, um raio ensurdecedor, e continuo
com a pena deslizando na linha da página. "Só um louco!..."
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Raio seguido de trovão: que estardalhaço! Se
Mefistófeles ouviu, com certeza enchafurdou-se nalgum cubículo do inferno. Os meus
instintos se encolheram.
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O coração pulsando vazio, vago, no interior do
peito e uma tristeza enorme na alma, quase um pensamento.
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Mantenho-me num silêncio infeliz e dissolvo-me
absolutamente no interior.
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A mão direita treme de delíquio.
Os dedos retesam-me fáceis,
recusam o estilo, a forma,
negligenciam o sentido.
A perna esquerda cruzada
De por baixo da mesa,
À-lá Fernando Pessoa,
Quiçá um estilo de ironia,
Até no corpo deverão estar
presentes o contrário,
a dialéctica, o nonsense.
Os olhos dispersam-se no universo das palavras.
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Sentia-me em estado de êxtase com o nada flanando
livre e solto na neve, escreveria algo além de todas as inspirações, e vem o
raio seguido de trovão, tirando-me a iluminação. Por mais talentos e dons
habitem-me, por mais a inspiração transcenda todos os limites, inda assim não
serei capaz de recuperar, resgatar a idéia do nada flanando na neve. Tudo o que
a pena registrou desde o fenômeno sentido algum tem, nonsense deslavado.
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Longe de mim ser profeta de minha vida. Início de
Quaresma e um fenômeno natural deste acontece, desvirtuando minhas idéias,
encolhendo os meus instintos! "Deus, oh Deus, perdoai-me as sátiras,
ironias, cinismos, sarcasmos, as urticárias das poéticas hodiernas. Prometo que
de agora em diante serei adepto e fiel a todos os dogmas e preceitos da
Igreja."
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Só com um fenômeno assim no início de Quaresma para
me fazer prometer fidelidade aos dogmas e preceitos da Igreja. Melhor isto que
dividido ao meio por um raio, ainda sob as pornéias dos presentes: "Vivia
dividindo as palavras na contramão das regras gramaticais. Está ai dividido ao
meio por um raio, a alma fazendo companhia aos insurrectos e hereges da
linguística no abismo do inferno". O que é a criatividade das pessoas:
"abismo do inferno", e tais criatividades só no momento de trágicos
acontecimentos.
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A chuva passou. A tarde está agradável. A messalina
da esquina já se pousou toda para a espera de algum cliente. Resta-me ir embora
para casa, deitar-me, dormir. Quem sabe amanhã a iluminação seja inda mais
divina: a neblina flane no nada e este se sinta mais regozijado, o friozinho
perpassando-lhe as pers dos "stícios-inter", quê sensações
deliciosas!...
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Quem pode saber o calor e suor que provocam levar
as almas ao In-finito?!...
#riodejaneiro, 15 de fevereiro de 2020#
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