ESCRITORA CRÍTICA LITERÁRIA E POETISA Ana Júlia Machado ANALISA A PROSA #MEIGUICES INSOLENTES DO INFERNO#
No que concerne ao texto do escritor Manoel
Ferreira Neto, “MEIGUICES INSOLENTES DO INFERNO”… onde refere “A psicanálise é,
em essência, uma cura pelo amor” – Freud e a opinião dele ( autor) é que
Concebe a si para estimular a sua vacuidade." Como este texto foi
apresentado no final do Mestrado em Sartre vou referir Sartre, na perspectiva
do “ser….Uma pequeníssima análise, porque sobre o mesmo haveria tanto para
verbalizar, assim como, a dissertação do autor é enorme.
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Jean Paul Sartre, dizia que somos seres
independentes, contudo amaldiçoados à autonomia. A filosofia de Sartre
pronuncia que somos responsabilizáveis por tudo o que sucede na nossa
existência, seja benéfico ou nefasto, inclusivamente pelo o que podemos ou não
compor com o que sucede em nosso “mundo peculiar”. Ou seja, possuímos em nossas
garras a eleição de sustentar ou não uma sensação; e podemos fazer isso por
meio da mente, de posturas. Educar o intelecto é uma empreitada nada acessível.
Impõe preparação, muito ensaio.
Altercamos tanto pela independência, pretendemos
tanto ser independentes e topamos que isso tudo encontra-se, puramente,
enraizado ao mundo extrínseco, ou seja, a tudo o que encontra-se alheio a nós.
Melíflua e confortável alucinação.
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Meramente calcular-nos independentes de verdade
quando conseguirmos perceber, conhecer e possuir erudição do nosso “universo
particular”, quando escaparmos do interior do subterrâneo e, assim, nos
soltarmos do nosso sítio mais rudimentar e estacarmos de habitar meramente com
aquele lugar da mente que nos guarnece há sensivelmente 250 milhões de anos – o
arquicórtex (Parte do córtex cerebral filogenicamente mais antiga e que
corresponde ao rinencéfalo ou cérebro olfativo). Em grandes linhas, o
arquicórtex comanda o nosso ser passado, aquele que se conserva ainda nos
modelos do ser insensato, aquele que se agita e opera por pressentimentos.
Quando utilizamos o intelecto clássico, convertemo-nos mais juntos dos bichos,
não cogitamos. Nele encontram-se as sensibilidades como o rancor, a animosidade,
os receios, a tristeza, a ira.
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Em absoluto século XXI, permanecemos enclausurados
ao nosso ser selvático, involuntário, ilógico. Um modelo disso é quando
quedamos amarrados aos receios. O receio é uma sensação relevante sim, para o
nosso resguardo, no entanto, os receios que concebemos conservam-nos
paralisados e condenados. Como disse Joseph O’Connor, no seu livro “Liberte-se
dos medos, superando a ansiedade e vivendo sem preocupação”, todos nós
ambicionamos a emancipação emotiva – habitar a existência independente dos
pavores inconvenientes. O receio rude, imprescindível para o nosso resguardo,
continuamente residirá lá, todavia habitamos uma existência no interior do
receio: receio do sulco, receio do fiasco, receio do poder, receio do
desaparecimento, receio de nos expormos, receio de nos observarmos e, com isso,
habita delimitados e desafortunados...
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No fundo não muito diferente do relato do texto do
escritor Manoel, no final do texto refere- A extensão vai se fugazmente
paulatinamente. Aos pulos, executo-me. O escarpado do pasto auxilia suas
descomunais marchas. As suas descomunais andanças são amparadas pelo escarpado
do pasto. Encontra a linfa do flúmen respirando. Compõe um extenso disserto,
mas não existe verbos. Submerge com colossais risadas. E, como nos feitos
famosos, a passada do fingimento e o da recomposição.
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Exclusivamente no decurso da enorme campina é-se
exequível um deparo com a alma.
Ana Júlia Machado
RESPOSTA AO COMENTÁRIO SUPRA
Esta data 06 de março de 1987, para mim, é histórica.
Terminaria neste ano o mestrado em Sartre. Se não me engano, acordei-me às
quatro e meia da manhã, sentei-me à mesinha do quarto na República de
estudantes, pondo-me a escrever este texto. Fora o momento de consciência das
meiguices insolentes do inferno, os receios todos que conservava em mim,
vislumbrando com lucidez a minha Existência seria o Intelecto, por intermédio
dele edificar o meu destino. Já não me era mais possível permanecer com as
condutas de má-fé(mauvaise-foi), era responsabilizar-me por mim ou jogar-me
fora na sarjeta mais imunda de Belo Horizonte.
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Tornar-se consciente das coisas existenciais não é
o suficiente; tornar-se consciente do nada não é suficiente. A consciência
requer atitudes, gestos, ações, compromissos, responsabilidades. Isto não é
fácil, a entrega deve ser in totum, estar disposto a morrer pelos projectos,
utopias e sonhos. Os caminhos são de decisões e consequências. Entreguei-me -
sabia as Letras e a Filosofia seriam os objetos de meu destino. Inúmeras foram
as sendas por onde palmilhei os passos: dois casamentos fracassados, dois anos
de miséria e dores, até o momento pesente de alegrias, prazeres, amor. Construí
o meu destino, continuo a delineá-lo como cumpre fazê-lo.
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MEIGUICES INSOLENTES DO INFERNO é a minha
PSICANÁLISE EXISTENCIAL. Curei-me por Amor ao Intelecto, Cultura e
Conhecimento.
Beijos nossos, querida, a você e à nossa amada
netinha Aninha Ricardo.
Manoel Ferreira Neto
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MEIGUICES INSOLENTES DO INFERNO#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: PROSA(Belo Horizonte, 06 de
março de 1987)
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Epígrafes:
“A psicanálise é, em essência, uma cura pelo amor”
– Freud
"Crio a mim para emular a minha
ausência." - Manoel Ferreira Neto
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Procuro{?}[!], por vezes, no passado, uma série de
recordações, a fim de, com elas, criar-me, estabelecer uma história,
"causo" ou lenda satisfar-me-ia, mas encontro-me longínquo e minha
existência insufla-se de memórias do tempo de Zagaia, pretéritos de insegurança,
dúvidas, medos, sobretudo carência. Nas mínimas circunstâncias, quem ama
lembra-se de seu amor, o significado e sentido, retém, entrega-se de corpo e
alma, doa-se na sua realização. Surge-me que só vivo em um átimo de instante
sempre inusitado, numa circunstância de surpresa ad aeternuum às avessas.
Emoções e sentimentos são outros. Saberia enunciá-los?
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Como se sente no mundo, a autenticidade é a
solidão. É o ser quem vai sentir e emocionar-se, vibrar-se até. Terá penetrado
em seu íntimo, inteirado dele, sentido. Isso que denominam repousar-se é-me um
impossível envergonhar, um limitado constrangimento, estreito senso de
vergonha.
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Alcanço a profundidade, aprofundando mais e mais no
que está surgindo em mim. Não consigo entender mais a palavra solidão. A
presença efemeriza-se no tempo. Procuro a originalidade no âmago e essência.
Impedem-me de encontrar uma despedida autêntica, afastamento legítimo e
verdadeiro; originais a tristeza e o desconsolo de tão incomensuráveis que são.
O itinerário propício para encontrar a alma é afastá-la o mais possível de mim,
não deixando a razão interferir, consentindo as quimeras. Ser inteiro em mim é
não me ser. Existir só em mim é não ser mais alguém. Viajar unicamente a mim é
afastar-me de mim. Representar-me em toda a essência e vitalidade.
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Sinto um frio intenso no olhar. Não é só desfrutar
a presença, o desejo de mim. Não é só de degustar as palavras a vontade minha.
Não é só um anseio a sensibilidade pura. Habito-me e sou habitado. O desejo de
mim me expulsa. Sou levado às antípodas do infinito, onde só a subjetividade
aquém de mim, onde só a intuição é capaz de revelar-me. A mais linda revelação
só se revela a mim como um escombro da paz, como cinzas da alegria. A mais bela
lembrança só se manifesta assim como um vestígio da felicidade. Os olhos
brilham intensamente. Vivem um amor, sentindo a sua presença. A mais exótica e
estética lembrança só se apresenta a mim como um resquício de calma. Crio a mim
para emular a minha ausência. Lembranças há, mas elas se referem à superfície.
Sorrio na profundidade – um perfeito sorriso infantil: só me resta manter uma
relação de realidade comigo. O menor pingo de orvalho da noite, lágrima, que
seja, me umedecendo a fisionomia, já se me torna amável realidade. A mais
estilística memória só se aflora como uma interrogação. Não me importo, sendo
uma correspondência íntima. Nos meus sentidos e significado, de minha alma, a
presença não sinto. Por estar envolvido, por não aceitar o que está sendo
revelado despercebido passa.
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Não me afastando, não me envolvendo, conservando
uma distância, estou, no mais profundo de mim, esclarecendo a alma, o que
sinto, o que penso, insinuando os problemas, traumas e conflitos inconscientes.
Em me pensando, não me é possível sentir: não sinto quem sou. Em me sentindo,
aflora-me: sou quem eu sou no que não sou e sou. Afloro este ser e ele se
aflora por inteiro. Quero, e isto dói intensamente, dizer o que hoje desejo de
mim próprio e qual o pensamento que passou por mim assim que abri a porta de
meu dormitório no apartamento às cinco e meia da manhã, após uma festa de
aniversário de colega de magistério.
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Torno-me uma linguagem aberta em que se me pode ler
o âmago, interpretar as dimensões psíquicas e sensíveis, abordando em especial
as moléstias. O mais recôndito de mim enche-se, enfim, de paz, que a solidão
exaspera e que o tempo afadiga. Sinto isso absolutamente. É querer sempre o
mais autêntico, atingir inestimável nível de originalidade e singularidade.
Sirvo-me da espera do belo futuro e o caminho, que a este conduz, jamais se me
afigura interminável; por ele me desloco a passos largos. Afigura-se-me, então,
sentir menos estranhamente o chão de terra e o que ele me adentra melhor. É um
afluxo de fora. Sou o profundo em minha autenticidade. Estou a distanciar-me do
que é supérfluo e superficial. É conservar os íntimos, os que me são queridos.
Todos os meus sentidos abertos acolhem a presença. Tudo em mim a isso convida.
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Jamais alcançável haverá um abismo sem a presença
dos sentidos abertos. O ser ama brincar de abismo. A estes sentimentos as
palavras não se prestam. Ou melhor: a estes sentimentos não se prestam as
palavras. Aspiro a tudo com delícia. Procuro cansar os meus desejos em vão. São
nobres os sentimentos, emoções, a alma, modificando um pouco os caminhos do
homem e estas modificações tornar-se-ão metamorfoses. Cada um de meus
pensamentos é um fervor. O íntimo entreabre-se um instante num aconchego da
luz. É a nobreza do desejo do intenso alcance; o que o testemunho do mundo
reflete na sua plenitude. Imaginar as lágrimas, a comoção, a alegria, e, no
fundo, a conquista do espaço em meu interior.
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Se soubesse o significado e o sentido do amor, nem
seriam somente as lembranças e recordações, os instantes felizes e alegres, os
momentos de inteira realização. Tudo é silencioso. Há uma volúpia no silêncio.
Afigura-se-me haver um gosto suave no silêncio. Encho a boca de um gosto de mel
e de deliciosa amargura. No âmago de mim, enorme e feliz, sinto-o por estar
profundamente original em mim. Irei sentir a ausência de um abraço de
despedida. Percorro os cômodos sem reabrir as janelas fechadas há muitos anos,
nem ergo as cortinas. Perambulo pelos labirintos, abrindo as frestas,
escancarando as portas. Um homem deve mesmo interessar-se por se realizar e
assistir aos homens realizarem-se. Não reivindico, passo a assumir os valores e
princípios que a história constituiu.
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Sou feliz por esquecer a hora. Afigura-se-me serem
a subjetividade, a sensibilidade humana. Todos os caminhos levam-me a ela.
Busco, em mim, o ritmo de árias antigas. Só me recorda o seu modo demasiado
imperfeito. A fim de que não me entristeça, interrompo-me. Intenciono ser,
isentar-me de mim, ir ficar no meu interior, ser ele, entregando-me inteiro.
Nenhuma satisfação parece-me pertencer a mim mesmo. Sendo o único a gozá-la,
faço-o tão somente por orgulho e picardia. O desejo de amor inter-penetra a lembrança
do labirinto, cujo estranho e patético rumor chega através do êxtase. As
palavras, os modos, as atitudes, as coisas, os tristes trópicos, a voz dócil e
meiga, o corpo são uma saudade plena e perpétua da vertigem do despertar.
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Compreendo, agora, o que está sendo de mim, por
quais rios e mares estou a navegar, por que ventos e brisas deixo-me levar.
Correspondência anterior e interior: lembranças e recordações de
acontecimentos. Aprecio mais os tesouros dos campos, os cristais das grutas.
Compreendo: eu me persuado de que maduro estou para uma forma nova. Para além
de minha simples vontade, eu estou.
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As palavras, penduradas no tempo, vão desfiando
novelos de linha, tecendo as letras de uma compreensão e entendimento. Cada
instante é essencialmente insubstituível: faz-se mister concentrar-me
unicamente. Quisera-me mais difuso. O amor espera-me a cada instante. As
letras, suspensas no tempo, vão imprimindo, no espaço imaginário do papel, a
linguística do instante. Há certa intensidade de clímax que o homem mal pode
ultrapassar não sem umedecer os olhos. A palavra vaga sobre onda, que, hesitada
e tumultuada, fica indecisa. Os sentidos dissipam-se, perdendo o ânimo; de
volátil e inflamável, desmaiam, manifestando, por processo exterior, a
descrição minuciosa e fiel de uma extravagância. Penso dolorosamente: poderia
estar alhures. Por vezes, não sinto limites em meu espaço. Ponho, ao nível de
suas sensações, as extremidades algo longínquas das mais nobres emoções.
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O porto, onde minha alma – enfim! - repousa,
contempla o mar.
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Toda forma não assume senão, por ínfimos momentos,
o mesmo ser. A lucidez das imagens traz-me este silêncio cheio de palavras.
Este silêncio não se lhe afigura, em hipótese alguma, a um diálogo ou monólogo.
É um silêncio ausente de silêncio. É uma ausência de silêncio, faltando e
falhando no enigma do escuro, no segredo da claridade.
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A busca de uma moral não me parece muito hábil, nem
mesmo provável, enquanto não souber plenamente quem eu sou. Como homem no
mundo, por se realizar, será o significado e sentido, será o presente. O
sentimento de uma plena vida, provável, mas ainda não atingido, deixa-se, por
vezes, entrever, liga-me o ensejo de vislumbrar e torna a voltar em meio a
essas eternas represálias, enovelado a tantas angústias a que nem de longe
posso discerni-las, des-crevê-las, elucidá-las. Poder sentir-me seguro,
usufruir de mim, realizar-me, como um ser novo, encontro-me, aqui, na
superfície, sob um céu novo e no meio de coisas completamente renovadas. Não é
que reclame do outro a sua inteira disposição para mim. Não é que reivindique
de mim a plena espontaneidade do outro. Ou melhor: não é que reivindique de mim
o pleno outro espontâneo. Nem mesmo não é que reivindique a plenitude
espontânea do outro de mim. O instante é de uma solenidade demasiado ardente. O
mistério da vida recomeça a rumorejar em cada entalhe das emoções. A nível da
relação com o mundo, é realizar o desejo de assistir a intimidade
desvencilhar-se de si mesma. Recomeça a ruminar, em cada entalhe da percepção,
o enigma da viagem. É conceber o homem na sua mais autêntica inteireza.
Afigura-se-me a inteireza ser aflorar o não-ser sendo, revelar o sendo ser,
manifestar a evasão da alma na invasão do espírito. Parece-me a vida
indistinta, que se atarda no sono inautêntico, intenciona adiar-se no
adormecimento autêntico. Não me permito palavras lançadas.
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Dizer o que sinto, nem mesmo a terra nem os restos
mortais, me irá separar: a individualidade está consumada. Rumo ao mundo, à
humanidade, isso é uma felicidade incomensurável, uma estética imensa, e eu
feliz por haver abraçado a plenitude.
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Há uma certa sensualidade num amplexo estético. Os
olhos sentem os instantes de tristeza: servem-lhes profundamente na atitude de
vislumbrar a entrevisão. A sensualidade grita-se com o suave como para dar
melhor acolhida à nobreza de sentimentos. Encontro o sentido do amor e da
amizade. Nenhuma forma de vida detém a totalidade mais tempo do que lhe é
necessário para se dizer.
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A ética nasce da síntese do instante da totalidade
e da linguagem do efêmero. O menor instante da vida é mais longo do que a
morte, e a recusa. A morte não é, senão, o acordo mútuo de outras vidas para
que tudo sem cessar se reassume.
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A palavra retine na felicidade do instante.
Proporciona colocar o eterno no efêmero. Adentra na sensualidade, a fim de ir
ao mais profundo, conciliando-se ao que de mais tenro há. O seu espaço em meu
interior. Embora afastado, realiza minutos de inteira corporeidade. A imagem em
que meu desejo se abismou.
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Deixo-me ser algo sem nome, uma sensibilidade no
seu âmago. Comigo mesmo, penso ter sido a despedida mais original a que jamais
outorguei a mim. Coloco em palavras os meus sentimentos, a intimidade de meu
ato. Deixo-as irem consigo mesmas em toda a viagem. Fecho-me sobre águas
calmas. Por onde passeia a minha busca, as ondas voluteiam imensas e suaves. Procuro
um original do âmago e essência. Não me aproximo. Recordo-me em se me
apresentando assim.
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Aparecimento da planície no vão do âmago de mim, o
mais recôndito sítio da ilimitada promessa. Revelação de andanças. Consigo
superar a dedicação de minha amizade, meu ser na intimidade do interior. O
desejo incomensurável de sua realização: no fundo quer ser o único, as suas
atenções voltam somente para o alimento do amor. Teme não conseguir
conquistar-se, sentir-se sempre contente e em paz. Numa perpétua estupefação
apaixonada, conquista a relação quotidiana e contínua com a impossibilidade
possível. Encontro-me na oportunidade de uma sede a me esperar, uma sede
particular diante de cada fonte. Almeja outras palavras para imprimir e marcar
meus outros desejos.
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Poder fundamentar os seus sentimentos, não cair,
nas teias da imaginação, a distorção, a distância de quem está refletindo,
meditando, reunindo todas as recordações e lembranças. Com a intenção exclusiva
de uma harmonia, de um equilíbrio, a ausência de quem está procurando sentir o
seu mais abismático. Minha intimidade alentece, assim como o processo do sol
menos vertical se faz mais lerdo, mais passivo. A perplexidade de quem descobre
ter sentido algo, e esta descoberta faz-lhe um susto, um bem imensurável, mas
que não pode responder por toda a sua veracidade, por vezes, mera fantasia que
cobre as dores e sofrimentos com a fertilidade da imaginação, por vezes, mera
ficção que acende as chamas do poder de criatividade.
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Surpreendo a sombra e o silêncio sob a ambiguidade.
Apresenta-se-me a olhos nus. Como a sensibilidade vai ao encontro da intimidade
do outro, como a intuição exterioriza-se no outro, como a emotividade penetra
no outro, tenho a sensação, muita vez, de estar a nadar, a tal ponto em ar luminoso
e quente me cobre e lentamente me ergue. Mostrar-me a todos, inteirar-lhes de
minha individualidade, manifestar-me inteiro, reconhecer as minhas virtudes e
valores. Perco-me numa desorganizada perseguição a coisas fugidias.
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Estivesse numa situação em que dissesse a mim, na
superficialidade, entender-me-ia, compreender-me-ia, justificar-me-ia, mas, na
profundidade, lá no âmago, tudo é tão ineficaz e sem essência. Minha
intimidade, desde que se fixe, não mais vive. São significados omissos na fisionomia,
nos olhos, nos esgares faciais, motivos e razões escondidos no inconsciente.
Estou atrás do ser. Transpareço a nível das palavras. Descubro-me por inteiro.
Respondo a coisas que nem mesmo havia conhecimento delas. Conservo o hábito de
uma ampla esperança a que se chamaria fé, caso fosse ajuramentada. Um perfeito
êxtase em minha fisionomia. Pleno perfeito um ausentar-me de mim. Um diapasão
completo sinto. De mim, em rumo à transcendência, uma evasão absoluta. A
estrada em que me encontro é a minha estrada, longos aclives, curvas fechadas,
extensão de pura terra, poeira, nas margens vegetação rasteira, sigo-a como
cumpre fazê-lo. O sol deita-se e as nuvens azuis colorem os terraços brancos.
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Afigura-se-me haver distendido uma mola em meu
interior. Parece-me, a princípio, haver sentido uma eclosão, por haver dito com
o mais profundo de mim, manifestando-me bem para além do inteligível. Ouço, à
superfície das águas, a eclosão dos sons, os sons da voz. Irá haver um abismo
entre a subjetividade e as palavras. O rosto fica na sombra sob o ouro do
diadema brilhante.
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A distância vai se efemerizando lentamente. Aos
saltos, realizo-me. O declive do prado favorece minhas enormes passadas. As
minhas enormes passadas são favorecidas pelo declive do prado. Alcanço a água
do rio resfolegando. Teço um longo discurso, mas não há palavras. Mergulho com
grandes gargalhadas. Há, como nas obras célebres, o passo da simulação e o da
reconciliação.
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Só ao longo da grande planície é-se possível um
encontro com a essência.
#RIODEJANEIRO#, 11 DE FEVEREIRO DE 2020#
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