**CAFÉ DA MANHÃ** GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA
Caríssimo amigo, Tássio do Bistrô
@@@
Recebendo esta missiva, estimo esteja degustando
alegrias e prazeres, muitas conquistas e glórias, desfrutando de boa saúde.
Acuso o recebimento de sua missiva, reclamando de minha ida a Serra dos
Desvalidos, pedindo que na primeira oportunidade vá. Está sentindo falta de
ficarmos até altas horas da madrugada, no seu bistrô, bebendo, comendo aquela
porção deliciosa de carne de sol com mandioca, conversa muitíssimo agradável.
Sim, Tássio, assim que puder, passarei um final de semana aí.
@@@
Brincando, a sério, mas sempre que digo: "É
cada uma que me acontece!", os amigos riem a nós cegos, dizendo a cada dia
afio mais os meus sentimentos de vítima; outros dizem: "Fique feliz. Se
não lhe acontecessem essas de cair o queixo, sua vida seria sobremodo
monótona". Nada de ser vítima, nada de a vida ser monótona com os
acontecimentos.
@@@
Sofro horrores por não ter em mim dentro a tão
famosa presença de espírito; tivesse-a, as respostas seriam de se enfiar o rabo
entre as pernas e sair correndo por toda a eternidade. Mas não. Fico em
silêncio sepulcral. Tenho uma inveja enorme de Machado de Assis: tinha ele uma
presença de espírito fenomenal, mágica.
@@@
Sabe a rigor e critério que a universidade não cria
gênios a não ser que a pessoa seja gênio, assim aprimora, desenvolve a sua
genialidade. Do mesmo modo, estudar em universidade não significa que os seus
conhecimentos serão de admirar Sócrates. Muitos saem da universidade mais
analfas do que quando entraram e vão para o métier profissional colocar em
prática os despautérios.
@@@
A minha Editora recebeu um e-mail endereçado a mim.
Apresenta-se com todas as pompas e dignidades, dizendo ser escritor, poeta,
graduado em Filosofia e Teologia, além de Comunicação, a profissão que exerceu
por longos anos, foi a de jornalista. Nossa!... Que curriculum vitae
"indecente": quem dera eu! Toda essa apresentação pomposa foi para
dizer que não entende bulhufas do que escrevo, tudo muito confuso, muitos gatos
pardos num saco de "aninhagem" só, e gostaria muito de entender-me,
compreender-me. Li, reli o e-mail. Haveria algum coelho atrás deste mato?
Milhões de aceitações da obra, muitas críticas favoráveis, e diante de uma
desfavorável colocamos os nossos neurônios para funcionar. Somos sim loucos.
@@@
Respondi ao e-mail ao digníssimo senhor - ainda
confessando ser viciado em leitura -, sugerindo que entrasse no Google e lesse
as muitas críticas especializadas elaboradas por críticos, mestres em
Literatura, especialistas.
@@@
Conhecendo as críticas, seria mais fácil o seu
entendimento, seria a sua lanterna de conhecimento. Era a única coisa que podia
fazer. Lembrei ao digníssimo senhor o "poetinha" Mário Quintana,
quando disse que o poeta não tem que se explicar. Desculpasse-me, mas não
explico a minha obra, acho isto muita pomposidade, aliás uma atitude ridícula
sem limites.
@@@
Não sou quem não aceita críticas, aceito-as de bom
grado, desde que acrescentem, façam-me crescer e amadurecer, às outras viro as
costas. Com uma apresentação desta, apresentação de alto nível, e dizer que não
entende o que escrevo. Dizer não me entende é já negar todos os seus
conhecimentos, tendo em vista a sua formação de alta estirpe. Quando li a
Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática de Kant não compreendi
bulhufas, mas entendi muita coisa. Nada entender, nada compreender é exagero
dos mais suntuosos. Mostrei ao meu Editor o e-mail: "Está querendo
aparecer às suas custas. A sua resposta é o suficiente. Não dê trelas". O
digníssimo senhor não contra-respondera à sugestão de leitura das críticas
especializadas.
@@@
E agora, Tássio, você vai dizer que meus
sentimentos de vítima estão aguçados? É cada uma neste mundo, não é verdade?
@@@
Bem, meu amigo, hora de acenar o adeus, até uma
outra oportunidade. Assim que puder, irei passar um final de semana aí em Serra
dos Desvalidos.
Um grande abraço.
Heloy Mattoso de Campos.
#riodejaneiro, 16 de fevereiro de 2020
Comentários
Postar um comentário