**VERGASTANDO A LUCIDEZ
Bons dias!
Se é um vocábulo que fiz inestimável questão de riscar de minha vida,
não por sentimento de ojeriza pela sua feiúra – o que é feio ojeriza mesmo, não
há levante de suspeitas! -, mas por sentido em si traz dentro, sempre me
pareceu acinte à inteligência, medo de prolongar o processo de questionamento,
e simplesmente tornar mais difícil obter respostas, se não verdadeiras, pelo
menos plausíveis, é “conclusão”. Quem não compreende isto é fácil sabê-lo: não
sou síntese, sou análise. As vezes que concluí, e não foram poucas – algumas
vezes por não ter condições de prosseguir, reuni o que tinha em mãos, concluí;
outras vezes por preguiça de continuar, levar-me-iam tempos inestimáveis para a
elaborações das idéias -, senti-me vazio, realmente nada em mim, não vi
qualquer condição de retornar às idéias e refazê-las de modo que passaria todo
o resto da vida elaborando, burilando, tirando, re-fazendo, acrescentando, e
tudo ficaria inacabado, ficando bem claro e transparente na vida nada se
concluí, tudo na vida é abrir as porteiras para outras des-cobertas e
experiências.
Então, para de-monstrar a conclusão está riscada vez por todas,
aproveito para dizer de algo que, se alguém tiver a petulância de desejar
concluir, dar a última e derradeira resposta, não é mais necessário tocar no
assunto, está resolvido por sempre, irá dependurar a língua fora da boca à
vista dos homens, e estes terão a oportunidade única e derradeira de rir,
cientes de estar in totum desmiolado. Alguém já ficou desmiolado? Não indago
pelas sensações de estar, mas estar mesmo. Penso que não. Isto é impossível,
apesar de que em verdade conheço uma mulher desmiolada mesmo, já está velha,
daqui a pouco os sete palmos se abrirão para recebê-la, a história que ela
representa vai poder seguir os rumos que lhe são de direito e merecimento. Sei
que será algo de arrepiar, de suspender qualquer um pelo suspensório no cabide
do tempo e da continuidade da passagem lenta, lentíssima do ponteiro do relógio
em incessante andamento, jamais parando devido à pilha haver acabado, o
funcionamento deste relógio é eterno.
A justiça é uma idéia e uma chama da alma, simultaneamente, isto
contribui sobremodo para pensar e servir do que ela possui de humano, e não a
transformemos num ininteligível sentimento abstrato, numa des-enfreada paixão
abstrata que mutilam tantos homens. Não desconheço a ironia, recolho-a e
acolho-a em estado de êxtase com todas as volúpias do senso e instintos abertos
aos horizontes longínquos, e não sou eu quem vai tomar-me a sério, seria até
ridículo – o que isto pode significar ou que resultados irão mostrar no frigir
das gemas, retirando as claras? Quase nenhum ou nenhum mesmo, não vou gastar o
meu precioso tempo com isto, só o senso de ridículo se fará presente -, mas sim
a experiência indescritível desta comunidade a que pertenço e a bem-aventurada
aventura que está a viver, até mesmo mui ad-mirada, uma coisa mágica, magia não
imaginada ou esperada que a imaginação re-velasse, um dia seria e estaria no
mundo.
Parece-me ser mister dizer isto hoje, é o momento preciso, instante real
e verdadeiro, oportunidade que não se deve negligenciar, e ao mesmo tempo aos
leitores, no sentido de que saibam que em tudo o que escrevo, dia após dia,
vertendo suor às bicas, esganando-me a cada palavra, nunca me esqueço o dever
da reflexão e do escrúpulo que todo jornalista deve possuir, todos os
intelectuais devem seguir à risca.
A autocrítica me servirá não apenas de muleta, se se quiser, de bengala,
mas de base nesta difícil tarefa de não dar as coisas por terminadas.
Perguntaria, pronunciando bem cada palavra de modo calmo e tranqüilo, para que
a audição seja perfeita, a memória re-colha e a-colha não apenas a idéia, qual
é a profissão que consiste em definir, dia após dia, faça chuva ou faça sol,
faça frio ou calor, em paz ou em guerra, em face da atualidade, as exigências
do plausível, se se quiser, do razoável e da simples honestidade de espírito. Nem
preciso dizer com todas as letras. Contudo, é necessário ressaltar que ela
comporta por vezes alguns riscos e perigos, como todas as coisas da vida, já
até disseram com sabedoria que “viver é negócio muito perigoso”. Desejando o
melhor, pensamos por vezes o pior, e o grande problema é que o óbvio não deixa
ver as evidências, e outras vezes o que é menos bom, o que é menos verdade, o
que é menos verdadeiro. Num raciocínio até simples, numa palavra única, toma-se
a atitude sistemática do juiz (o veredicto será implacável, não deve deixar
pedra sobre pedra), do mestre-escola ou do professor de boas condutas e
posturas, de bons princípios, em suma, de moral. Julgamento é em quaisquer
circunstâncias ou situações defeituoso, isto porque o que se julga é o passado.
Resta dizer que para o “escriturado da vida, o julgar não se dispensa;
carece?... Quem julga já morreu... Viver é muito perigoso, mesmo.”
Pensem o que pensarem, é fruto de minhas experiências e vivências, delas
não posso me afastar sob pena de me tornar ridículo, se apenas inventar as
coisas, passito de nada separa esta profissão da pretensão ou da estupidez, o
que mais impera é a estupidez nua e crua. A pretensão da importância, de ser a
presença que não pode faltar, de ser o juízo incólume, não há duvidar leva à
estupidez. Não diria jornalista mesmo, com o digníssimo canudo da universidade,
quem o é não tem tablóide na comunidade, não é diretor-presidente, assina o
tablóide para ser circulado, exigência legal, o que há são os aventureiros,
para eles jornalismo é sensacionalismo, é colunismo social, são atitudes
arbitrárias e gratuitas com a verdade histórica. Há alguém para me dizer não
são eles estúpidos ou pretensiosos? Não há ninguém. Todos sabem como andam as
condutas e posturas destes indivíduos, como andam as verdades nestas folhas. Só
que ninguém tem a digníssima coragem de dar com a língua nos dentes, de tomar
medidas contra. Quem cala, consente! Não me calo, não consinto o que está
imperando. Compro nas bancas de revista as edições, leio-as, analiso-as,
critico conforme a minha consciência, conforme os ideais que penso não devem
ser negligenciados, conforme os valores que devem estar na pauta dos projetos
dos homens. O que é de graça sempre tem aquele pedido de consideração e
reconhecimento.
Espero que não tenha chegado a isso, creio que não. Estou bem seguro,
ciente e consciente, de sempre ter escapado ao grande perigo que consiste em
julgar-me possuidor do privilégio da clarividência e da superioridade de quem
nunca se engana. Orgulho-me e felicito-me, se penso haver-me enganado, é uma
das minhas virtudes, trata-se de um valor que obtive, devo prezá-lo e cuidar
bem dele. Não se trata de nada disso. Desejo sinceramente colaborar na obra
comum através do exercício periódico de algumas regras de consciência de que a
política, segundo me parece, ninguém ainda me persuadiu do contrário,
mostrou-me estar enganado, não tem feito até o presente instante grande caso,
seja por a inteligência dos políticos ser bem reduzida, mal e mal dá para o
trivial, seja porque a própria política não se interessa por isto, não há isso
em seus manuais.
É essa toda a minha ambição e, obviamente, se exijo, faço questão,
reivindico um limite a certos pensamentos, a certas idéias ou ações políticas,
também conheço os meus e espero escapar ao perigo, fazendo uso de alguns
escrúpulos. Ninguém perde por ser escrupuloso, e de acordo com o que penso e
ajo nestes âmbitos os escrúpulos me ajudam a não trocar os pés pelas mãos, não
andar nas nuvens de cabeça para baixo, não confundir alhos com bugalhos. A
atualidade a cada dia se torna mais exigente e a porteira que separa a moral do
moralismo, a liberdade da libertinagem, é incerta. Acontece que a franqueio,
por vezes, por cansaço ou esquecimento, o que é inteligível.
Outra pergunta que me surge, surgimento dos mais espontâneos, inesperado
até, é como escapar a esse perigo? Com a ironia: é a resposta me (que) vem num
galope sem freios e sem rédeas. Não poderia deixar de sê-lo? Infelizmente, não
me sinto estar numa época para ironias, especialmente no que concerne a estas
coisas. Estamos ainda no tempo da indignação, da raiva, do ódio. Transformar
indignação, raiva e ódio em ironias, sem que percam suas características
essenciais, exige genialidade e engenhosidade, não é nada fácil, francamente
não me é dado conseguir realizar esta façanha. Basta saber preservar, seja como
for, o sentido do relativo e tudo será salvo?
Claro está que não leio sem irritação, indignação estas palavras: “Quem
é que, em sã consciência e sendo eleitor de verdade, não gostaria de saber
sobre o “quem-é-quem” na política? Aliás, quem nesses tempos cabeludos, de
tanta maracutaia, corrupção, denúncia e etc. e tal, não necessita informações
sobre as pessoas que pretendem governar seus destinos?” Quando um ou outro diz
algo, dar-lhe crédito é questão de escolha, sabendo que senso algum pode isto
justificar ou explicar, melhor é não fazê-lo, ou é algo subjetivo demais ou
conversa para boi dormir, o que quase dá na mesma. Mas quando muitos o dizem,
certo é que algo de sério e verdadeiro está acontecendo. O que se espera é que
as notícias e comentários veiculados não sejam vistos como infração à
legislação. O que se espera da justiça, desde tempos remotos, é que ela seja
responsável com o povo, seja digna com suas necessidades e urgências, seja
honesta, em última instância, esmerando-se pelo cumprimento de princípios que
norteiam a administração pública. Como mostrar aos eleitores os princípios que
norteiam a administração pública, tornar-lhes conscientes de suas responsabilidades
e compromissos com a História, com o destino da comunidade e dos homens, se
quem diz e escreve isto com todas as palavras do bom senso, como se estivesse
mesmo consciente, interessado em mudar os rumos da política, como se desejasse
mesmo o bem-estar de todos, está mesmo desejando puxar a farinha para o seu
próprio saco, fazer mais sensacionalismo ainda, mandar a pua na administração
pública, nas autoridades, sem saber o que é administrar publicamente. Se tem
mesmo consciência de que tudo anda na contramão dos bons princípios, ponha a
mão na massa e lute com todas as garras e unhas? Se sabe de todas as medidas
para re-verter esta realidade, se conhece os meios de que se deve servir para
iniciar a luta, é tempo de arregaçar as mangas e partir para a consciência
mesma. Só criticar é lei do menor esforço. Só criticar, e ainda de modo
inconsciente, é atitude de homens ridículos e cretinos. O diretor-presidente
deste tablóide a que me refiro, colhendo o excerto acima que está devidamente
sublinhado, não tem consciência de coisa alguma, nem sabe quando o sol nasce e
se põe. Sabe apenas de seus interesses de fazer sensacionalismo com as
mentiras, falcatruas, denúncias, corrupções.
O que mais efetivamente me chama a atenção neste mundo em que vivemos os
homens é, em geral e em primeiro lugar, que a maioria dos homens (exceto os
crentes de todas as espécies e estirpes) não tem futuro algum. Nenhuma vida é
valida sem projeção no futuro, sem promessa de amadurecimento. Evidentemente
que esta não é a primeira vez que os homens se encontram perante um futuro
espiritualmente quase impossível, em todos os tempos houve instantes como
estes. Mas costumavam vencê-lo com a palavra e o grito, com a consciência e os
desejos, com os sonhos e as utopias. Faziam então apelo a valores que eram uma
esperança, que eram uma utopia. Hoje, já ninguém fala (exceto os que se
repetem, que batem na mesma tecla) porque o mundo parece ser conduzido por
forças cegas e surdas, incapazes de ouvir os gritos de alerta, os conselhos e
as súplicas. Jornalistas, cujas responsabilidades e compromissos deveriam ser
buscar resgatar as forças, a consciência dos homens a partir da verdade
histórica, fazerem das notícias em todos os âmbitos o alicerce dos desejos de
realidade, do real, do engajamento com os ideais, são os primeiros a andarem na
contramão destes princípios inalienáveis, uma vez no abismo a profundidade seja
alcançada o mais depressa possível, jornalistas e tablóides contribuem ainda
mais para a alienação nua e crua. Já acabei de crer que este tablóide quanto
mais se torna arbitrário e gratuito mais se sente na linha de conta, que o
diretor-presidente quanto mais se torna sensacionalista e mais indecente mais
se sente importante e, portanto, pode indicar quem deve estar na administração
pública ou não.
Algo em nós foi destruído pelo espetáculo dos anos que passamos. E esse
algo é a eterna confiança do homem, confiança que sempre lhe fez crer que podia
obter de outro homem reações humanas desde que lhe falasse na linguagem da
humanidade. Os jornalistas, os aventureiros da imprensa falam na linguagem da
humanidade? Não, falam na linguagem de seus próprios interesses, de suas
vaidades e orgulhos, de suas ideologias. Os tablóides de nossa comunidade falam
na linguagem da humanidade? Falam na linguagem de seus interesses de alienação,
de cegueira. O que estamos vendo, presenciando, assistindo? Mentir, envilecer,
matar, desterrar, perseguir, torturar e nunca foi possível persuadir os que o
faziam, o fazem, a deixarem de fazê-lo, porque estavam e estão seguros deles
próprios e porque é impossível convencer uma abstração, isto é, o representante
de uma ideologia.
Vivemos sob o jugo do sensacionalismo da imprensa, das gratuidades dos
responsáveis por ela, das arbitrariedades de quem a faz, porque a persuasão já
não é possível, porque o homem foi por inteiro entregue à História, e deixou de
poder voltar-se para a parte de si mesmo tão verdadeira como a História, que
des-cobre na beleza do mundo e dos rostos; porque vivemos num mundo de
abstrações, de administrações e de máquinas, de idéias absolutas, de princípios
radicais, e de um messianismo sem fronteiras e matizes.
Estamos fartos de mentira, de sensacionalismos, desiludidos em relação
às nossas maiores esperanças. Para sairmos destas condutas e posturas de nossa imprensa
é necessário refletir e agir segundo a nossa consciência. Mas o
sensacionalismo, justamente, não é um clima favorável à reflexão. Penso, no
entanto, que ao invés de condenar o medo que temos de tomar medidas contra a
imprensa, devemos considerá-lo como um dos primeiros elementos da situação e,
por conseguinte, tentar reagir contra ele. Isto é o mais importante. Porque
isto se relaciona com o futuro de nossa comunidade, com as gerações que
ad-virão à nossa, com o futuro de nossa História, de nossos sonhos e utopias.
Para que a situação da imprensa se possa regularizar é preciso saber o que ela
significa e o que recusa. Ela significa e recusa um mesmo fato: um mundo de
libertinagem de informações e notícias em que tudo é legal, tudo se justifica e
se explica, e em que a vida humana é considerada como fútil, em que a
consciência humana é considerada ameaça e risco aos interesses e ideologias
espúrios. Este é o problema atual mais importante de nossa imprensa. Por
conseguinte: é necessário, antes de mais, assumir uma posição em relação a ela.
Antes da elaboração de uma qualquer ação, mister é formular duas perguntas:
“Aceita ou não, direta ou indiretamente, que a imprensa continue a alienar os
homens, a adulterar a história em nome de seus interesses e ideologias?”,
“Aceita ou não, direta ou indiretamente, que a imprensa dite as suas regras e
condutas?” Os que responderem negativamente às duas perguntas provocarão
automaticamente uma avalanche de conseqüências que deverão necessariamente
modificar as maneiras de colocar o problema. O leitor mesmo, de boa vontade,
pode interrogar-se e responder.
Esse argumento tem uma outra força, embora indireta: ele implica a
utopia. Em suma, as pessoas, como eu, desejariam um mundo, não em que se
estivesse deixado de sensacionalismo (não somos tão ingênuos com isso!) mas um
mundo em que o sensacionalismo não fosse legitimado. Estamos em plena utopia e
contradição, com efeito. Porque estamos justamente a viver num mundo em que o
sensacionalismo é legitimado e que devemos transformar se não o aceitamos. Mas
parece que o não poderemos transformar sem correr o risco de fazer
sensacionalismo. O sensacionalismo atrai o sensacionalismo e, deste modo,
continuamos a viver nas mentiras, nas falcatruas, nos interesses e ideologias chinfrins,
seja porque o aceitamos com resignação, seja porque queremos suprimi-lo através
de meios que lhe substituirão um outro sensacionalismo. Todos, desde a direita
até à esquerda, pensam que a verdade que possuem é a que convém a felicidade
dos homens. E no entanto a conjunção de todas estas boas vontades conduziu a
este mundo infernal onde os homens continuam a ser tripudiados, a ser
enganados, a ser engabelado, onde as mentiras contiuam a ser preparadas a cada
edição dos tablóides.
Penso que a nossa comunidade devia meditar nisto. Tirar um tablóide de
circulação não é em definitivo atentar contra a liberdade de expressão, é,
antes, não permitir que a dignidade dos homens seja jogada às traças, que a
verdade da história seja esquecida. É um ato de humanidade.
Manoel Ferreira Neto.
(28 de janeiro de 2016)
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