**VERDADEIRO SABOR DE PRUDÊNCIA**
Bons
dias!
Seria
que Eva houvesse estado com medo de engordar? Linda, formosa, corpinho esbelto,
a menina do olho de Adão, um quilo a mais poderia ser prejudicial. Adão não
iria gostar de vê-la gordinha, deixaria de ser linda e formosa, deixaria de ser
amada e venerada por ele. A gordura de forma alguma é algo que os homens
apreciam, havendo exceções, obviamente, nada mais objeto de admiração que uma
mulher magra, com todas as formas em dia com a estética, com a beleza. Os
homens são muito vaidosos, gostam, amam o que é lindo e formoso. As mulheres
também o são, com única diferença dos homens, são elas vaidosas para agradarem
o homem, para servir-lhes em todos os pratos do menu quotidiano, para que eles
se sintam importantes e orgulhosos.
Seria
mesmo que ela houvesse estado com medo de engordar? Não conheci Eva para saber
se ela era de imaginação fértil, de uma criatividade sem limites, habitava-lhe
as fantasias e as quimeras. A pensar no lugar onde estava, paraíso celestial,
com todas as belezas e maravilhas da natureza, lugar sereno, tranqüilo, de uma
feliz paz, de uma paz feliz, isto faz florescer no espírito todas as fantasias,
aguça os poderes da intuição e percepção, eleva as dimensões sensíveis e
espirituais, Eva era de imaginação fértil, muito fértil. O ambiente era
propício a estas coisas. Mesmo assim, imaginar que uma simples maçã iria
fazê-la engordar, não adquirir gordura por ingestão de comidas deliciosas, que
aumenta a bondade do garfo, se não se cuidar a gula logo, logo se estabelece,
mas a gravidez, que é uma espécie de engordar, é trans-cender muito a realidade
das coisas, ou seria a espiritualidade das coisas. Eva não imaginou que a maçã
seria objeto da concepção de um filho, por mais ingênua e inocente que fosse, e
acredito que era tão somente porque vivia num lugar que a isto levava com a
maior das simplicidades. Saberia ela que só Adão poderia ajudar-lhe a conceber
um filho? Não o sei. Não conheci Eva para sabê-lo e o que li a seu respeito não
me autoriza a tirar estas conclusões.
Seria
mesmo que ela houvesse estado com medo de engordar? Não seria de outra coisa
que ela estivesse com medo? Tinha ela e Adão liberdade de comer de todas as
frutas do paraíso; se fosse para engordar, teria engordado e muito, seria bem
gorda, uma “popotinha” para dizer a verdade. Não fazia outra coisa senão
desfrutar as delícias paradisíacas. Era linda, formosa, corpinho esbelto. Fosse
assim, Adão também seria gordo. A gorda e o magro no paraíso seria uma
antecipação muito precoce naqueles tempos de início do homem e da mulher;
naquele tempo, ambos eram magros e conservavam as formas e conteúdos; hoje é que, quando a mulher é magra, o homem
é gordo, quando o homem é gordo a mulher é magra, dizem ser isto a lei do
equilíbrio, também é a lei da admiração e de todas as observações humanas, nada
mais agradável às retinas que olhar o
gordo e a magra, a magra e o gordo de braços dados no quotidiano da vida ou nos
passeios noturnos, observando as vitrines das lojas, fazendo o footing na praça
principal da cidade, sentada com os amigos no botequim jogando conversa fora.
Lindo, maravilhoso. Se os dois forem magros, não tem graça alguma. Se os dois
forem gordos, que despautério da natureza conjugal.
Eva
não queria comer a maça. Deus fora incisivo com suas palavras, poderia ela e
Adão comerem de todas as frutas, frutas bem deliciosas, mas as frutas daquela
árvore não poderiam de modo algum, era proibido. Não era apenas uma proibição
comum, era uma ad-vertência, Deus os ad-vertira de que se desobedecessem as
conseqüências seriam inevitáveis. Eram livres, poderiam usufruir a liberdade em
todos os níveis, desde os imagináveis aos inimagináveis. Soubessem valorizar a
liberdade que tinham. Soubessem apreciar o sabor da paz e da tranqüilidade,
soubessem degustar as felicidades e prazer que toda a beleza do paraíso
revelava. Não desobedecessem.
A
serpente ordenou: “Coma. Você será como os anjos”. Não mesmo. Deus iria
castigá-la. Não queria ser castigada. Ela era Eva, a primeira mulher, a
primeira mulher, por que iria querer ser como os anjos? Anjos não tinham alma e
espírito. Ela e Adão tinham. Era o que os diferenciava deles. Não iria comer a
maçã, não iria. Não iria adiantar a serpente continuar insistindo.
A
serpente não era de desistir, usaria de todas as suas estratégias para
convencê-la, ninguém consegue resistir por muito tempo, chegaria a hora que se
entregaria, era só uma questão de lábia, do uso da oratória e de seus
benefícios, e a serpente tinha sua lábia
bem afiada, tinha todos os ingredientes da persuasão desde a ponta da cauda até
à cabeça, e olha que ela era enorme, toda ela era poder de persuasão. Dissera a
Eva que ela saberia tudo sobre a ciência do bem e do mal. Não me lembra se a
serpente houvera dito a Eva que a razão da proibição de Deus de não comer os
frutos daquela árvore se fundamentava na ciência do bem e do mal, eles, Adão e
Eva, não podiam ter conhecimento desta ciência. Disse-o em tom de insistência,
uma de suas estratégias. Sabia que a ciência do bem e do mal era um desejo,
podia não ter sido, e não fora, até aquele momento, mas se ela comesse a maçã a
ciência do bem e do mal seria inaugurada. Eva até se assustou, olhou ao redor
do paraíso. Que negócio era aquele da ciência do bem e do mal? Nunca ouvira
dizer a respeito disto. Mas não. Não iria comer a maçã. Deus ficaria muito
aborrecido com ela, fora sempre muito bom, carinhoso, gentil, amável com ela,
não queria perder isso, sentia-se tão feliz em ser tão amada por Deus. Não
comeria a maçã de modo algum. Deus iria castigá-la. Mais uma vez disse não à
serpente, mas aquilo da ciência do bem e do mal ficou muito presente e forte em
sua memória. A serpente percebeu isso, Eva não sabia que todos os seus
pensamentos, todos os seus sentimentos eram de conhecimento da serpente. Não
iria demorar muito Eva iria se entregar, iria comer a maça paradisíaca. O
primeiro passo para a vitória havia sido obtido.
Por
algum tempo, a serpente ficou pensativa, procura encontrar um modo de convencer
Eva a comer da maça. Estaria ela perdendo os seus poderes de persuasão? Não
seria possível! Eva não era tão perspicaz assim para perceber as suas tramóias.
Ademais, se ela conseguisse convencer Eva, ficaria na história da humanidade
por todo o sempre, figuraria no Livro Sagrado até a consumação dos tempos.
Tinha de encontrar algo bem forte, algo que ela não titubeasse em desejar, em
querer. A imortalidade. Era isso. Quem é que não deseja ser imortal. Eva e Adão
também desejavam ser imortais. Pensava Eva que a morte não viria para ela? Era
criatura de Deus, e todas as criaturas divinas morrem, sem exceção, sem
privilégios. Comendo da maçã, por todo o tempo viveria, por todo o tempo
desfrutaria as belezas e delícias do paraíso celestial, por todo o tempo
curtiria a paz e a tranqüilidade, por todo o tempo seria feliz e todas as
alegrias habitariam o seu íntimo, o seu espírito, a sua alma. Eva havia tido um
sonho naquele dia. Sonhara que no paraíso celestial era necessário morrer três
vezes para a morte ser definitiva. Comentara isto com Adão, o que mesmo aquele
sonho estava dizendo, qual era o seu significado. Adão não soube responder.
Dissera apenas que talvez fosse uma antecipação da vida dos homens na terra,
uma diferença entre a morte no paraíso e a morte no mundo, no mundo os homens
morreriam apenas uma vez, no paraíso celestial morreriam três vezes. Eva caíra
na gargalhada, como Adão era ingênuo e cheio de fantasias ridículas.
Não
houve jeito. Nem com a imortalidade, a promessa da imortalidade, a serpente
estava conseguindo convencer Eva a comer da maçã. Ser como os anjos, saber
sobre a ciência do bem e do mal, a imortalidade, três coisas que nós os homens
aqui na terra daríamos tudo para ter, e ela recusou. Deus esqueceu de doar a
inteligência para Eva. O que lhe doara mesmo foram o medo e a obediência, o
cumprimento das leis, se não as cumprisse, se não as realizasse como manda o
figurino, haveriam conseqüências. Instituiu-se o medo. Nada seria capaz de
demovê-la, nada seria capaz de mostrá-la que as leis são feitas justamente para
serem desobedecidas. Mas ela, a serpente, como já disse, não era de desistir,
ficaria a eternidade inteira conversando com Eva, até convencê-la. Não estava
com pressa. Tinha todo o tempo do mundo.
O
que mais iria oferecer a Eva? Estava sem alternativa. Quem sabe a prudência
seria o melhor naquele momento? Diria que sim, que não comesse da fruta, fosse
feliz em sua vida. Despedir-se-ia de Eva, indo-se embora. Na tranqüilidade de
seu ninho, pensaria, meditaria, refletiria noutras promessas, mais elevadas que
as três que já houvera oferecido, coisas que venceriam os medos das
conseqüências de Eva, coisas que despertariam as suas curiosidades, mais belas
e maravilhosas que todas as coisas do paraíso celestial. Mas o quê? Não tinha
nem única idéia sequer, iria era perder tempo pensando e refletindo na calmaria
de seu ninho. Não entregaria as pontas. Continuaria a sua tentativa, nada iria
perder por continuar tentando, diz o ditado que água mole em pedra dura tanto
bate até que fura. A serpente era a água mole. Eva era a pedra dura.
Eva
continuava sentada no chão, olhando as coisas do paraíso celestial. A serpente
estava silenciosa, pensando, refletindo. Em verdade, estava desesperada e não
sabia mais o que fazer para que Eva comesse a maçã. A imaginação fértil da
serpente fê-la criar a parábola da pedra sagrada no fundo do abismo. A pedra
continuaria ali até a consumação dos tempos, ninguém poderia chegar lá, era um
abismo. Diziam que aquela pedra seria a inspiração para todos os homens,
inspiração que daria aos homens todas as chaves para conhecer todos os segredos
e enigmas da vida, a pedra angular da felicidade. Eva ouvia com todas as
atenções a parábola da pedra sagrada no fundo do abismo. Passados alguns anos o
rio nasceu naquele lugar, a água seguiria a sua trajetória em direção ao
abismo, cairia sobre a pedra sagrada. Com os anos, com a água caindo sobre a
pedra, ela deixou de existir, fora dissolvida pelo poder das águas constantes
sobre ela. A inspiração foi destruída. Os homens, então, foram obrigados a
criar a própria inspiração, até mais poderosa que da pedra, pois é tirada de
dentro do homem, de suas dimensões sensíveis. A serpente mesma achou a sua
criação bem chinfrim, não tinha qualquer tempero e sal, na hora do desespero
tudo é possível, lança-se mão de todas as cartas que tem em mãos e as que tem
direito ainda. Pelo menos, ela soubera contar com todas as nuanças de uma
parábola verdadeira, usara de todos os arrebiques de uma criatividade com
intenções de persuasão, utilizara de sua sensibilidade e poder de flexibilidade
com as palavras, que são características dos dons e talentos da arte. Com esta
inspiração que tivera, não haveriam quaisquer condições de Eva não ceder, de
não comer a maçã.
A
inspiração estava dentro dela, com ela poderia conhecer outras realidades além
daquelas do paraíso celestial, poderia conhecer outras belezas e maravilhas da
vida e do mundo, poderia voar por outras florestas e abismos, poderia sentir
outras alegrias, prazeres, felicidades, poderia, alfim, saber que todas as
belezas podem ser sentidas e contempladas com o poder da inspiração, o paraíso
celestial perto de todos os esplendores dos horizontes e uni-versos seria verdadeira
fichinha.
Não.
Eva não iria comer daquela maça de forma alguma. Teria de repetir sempre que
Deus dissera que ela e Adão eram livres para comer de todos os frutos de todas
as árvores do paraíso celestial, mas o fruto daquela árvore, que era a maçã,
não poderia ser comido. Deus iria castigá-la. O que ela iria dizer a Adão? Adão
com certeza iria ficar bem chateado com ela, não deveria ter desobedecido as
ordens de Deus. E se eles forem expulsos do paraíso, como será a vida deles? O
que farão jogados pelo mundo a fora? A serpente lhe desculpasse, gostaria muito
de satisfazer os seus desejos, mas este ela não iria poder mesmo. Se houvesse
outro, quem sabe ela realizasse! Não pensasse a serpente que era apenas por
Deus haver proibido, que ela obedecia a Deus cegamente, não mesmo. Ela não
tinha curiosidade alguma de saber o gosto daquela maçã, jamais sentira qualquer
desejo dela, as outras frutas eram deliciosas, deliciosíssimas, a mação não
seria mais deliciosa que as outras. Ademais, naquela momento ela não estava com
um pingo de fome. Havia comido uma jaca deliciosa, deliciosíssima. Comeu,
comeu, comeu. Estava mais do que satisfeito. Só não comeu mais porque Adão lhe
chamou a atenção, poderia passar mal, ficar doente.
A
inspiração da serpente se revelou outra vez. Revelou-se porque Eva havia dito a
respeito das frutas. Deus criara o paraíso, Deus criara ela e Adão, Deus criara
todas as maravilhas, todos os esplendores, Deus criara todos os pássaros que
cantam ao alvorecer, Deus criara tudo em apenas sete dias. Se ela, Eva, comesse
da maçã, ela seria como Deus, em todos os aspectos. Ela era um ser humano. Ser
igual a Deus, pensasse nisso! Poderia ela criar todas as coisas, poderia ser
adorada por todas as criaturas. No futuro, os homens iriam desejar ser Deus,
dariam tudo para a isto chegarem. Ela seria lembrada por todos os homens como a
primeira mulher que se tornou Deus por comer uma maçã, se eles os homens
encontrassem algo que pudesse também tornar-lhes Deus, seria uma maravilha.
Mais
uma vez Eva disse não à serpente. O que ela faria sendo Deus? Não via nisso
qualquer sentido, não via nisso qualquer coisa além de todas as imaginações.
Poderia ser criar todas as coisas, poderia ser venerada por todos os homens,
poderia ser a razão de todos os homens procurarem a felicidade, o amor, o bem,
a paz, mas chegaria a um momento que ela iria cansar de ser Deus, ademais seria
fastidioso ser chamada pelos homens a todos os momentos, para tudo iriam dizer:
“Deus lhe pague”, contrairia dívidas por toda a eternidade, como ela iria
conseguir pagá-las a todas; diriam “Graças a Deus”. Não mesmo. Ela preferiria
ser mulher, a primeira mulher, continuar desfrutando as delícias do paraíso
celestial junto com o seu amado e querido Adão.
A
serpente chegou ao fim de todas as suas alternativas. Não tinha mais qualquer
coisa a ser oferecida a Eva para que ela cedesse, para que ela comesse a maçã.
Tinha mesmo de ad-mitir que a Eva ela não iria ser capaz de persuadir, Eva era
muito inteligente, perspicaz. Tinha de admitir que havia sido vencida. Do jeito
que as coisas estavam indo, no futuro ela, a serpente, iria ser ironizada pelos
homens: “A serpente fora vencida logo por uma mulher, por Eva”. Olhou-a bem.
Tentou perceber se ela tinha algum indício de bigode, pois que já tinha ouvido
que com mulher de bigode nem o diabo pode. Não tinha bigode não. Tentaria Adão.
Ofereceria as mesmas coisas para ele. Era provável que ele aceitasse, que
desobedecesse as ordens de Deus. Se não se pode convencer a mulher, ao homem
será fácil fazê-lo. Mas não. Ainda continuaria tentando, não estava com pressa,
tinha o resto da eternidade para fazê-lo.
Após
pensar bastante, enquanto Eva contemplava as maravilhas do paraíso celestial.
Já estava por ir embora, estava com saudades de Adão, desde a manhã que não o
via, dissera-lhe ele que iria dar umas voltinhas pelo paraíso, conhecer mais de
suas belezas e esplendores, quando a serpente jogara a sua última carta.
-
Coma, Eva! Juro que não engorda!
O
resto todos os homens conhecem desde os primórdios da criação divina.
Manoel
Ferreira Neto.
(28
de janeiro de 2016)
Comentários
Postar um comentário