**RESTOS DE DISCIPLINA FILOSÓFICA** -
Bons dias!
Patético! Meu Deus! Como pode haver homem tão tolo neste mundo!
Na tenra infância, francamente pensávamos que o mundo era habitado só
por homens inteligentes, de grande sensibilidade, homens de posturas e condutas
idôneas, homens de princípios elevados e consagrados, isto porque é Deus que
lhes dá a vida, e Deus não podia criá-los tolos, imbecis, idiotas. Seriam,
coitados, objetos de mofa de todos, seria muito sofrimento para carregarem no
lombo, nem a cruz de Cristo fora tão pesada. Por toda a vida, serem objetos de
olhares e de risos, escarnecimentos, escárnios, que humilhação, motivos e
razões para muitas lágrimas contundentes derramadas. Deus era justo. Da mesma
forma, acreditávamos que no mundo só havia homens sinceros, de posturas e
condutas francas, homens sérios, suas palavras eram leis, não agiam de modo
arbitrário e gratuito, eram verdadeiros consigo mesmos. Descobrimos que o mundo
era habitado por viperinos, hipócritas, farsantes, falsos, dissimulados,
simulados; descobrimos que o mundo era habitado por tolos, mas ainda não eram
tão visíveis, e na adolescência conhecemos o mais tolo de todos os homens. Quê
decepção! Quê desilusão! Com muito esforço e esperanças, livramo-nos das
toleimas. Ainda bem!
Se houver quem crie tanta toleima, não chegará a imitá-lo ou
representá-lo, nem de longe irá ombreá-lo, sendo até perda de tempo, gastar
talento à toa, não ter nada que fazer, seria gastar neurônios à revelia. Se
houver algum gênio que não só crie tanta toleima, mas a re-nove, causando mais
risadas e gargalhadas, o gênio será des-acreditado, considerado um pernóstico,
pois iguais a este homem jamais será possível outro, a sua forma fora jogada
aos confins do mundo, mereceria até ser exposto nalgum museu do mundo, quem
sabe no MASP? – seria que pudesse dizer haver ele nascido antes da toleima,
fora ele o digníssimo criador dela? Seria, se dissermos que Deus sabe o que
faz, os seus propósitos ao dar-lhe a luz foi para realizar a toleima no mundo,
os homens ficassem sabendo o que isso é, e soubessem evitá-la em todas as
situações e circunstâncias, lutassem contra ela com todas as garras, unhas e
carnes, cuidassem disto como cuidariam de seus pecados capitais e veniais, como
cuidariam de realizar os sonhos mais íntimos e inconscientes. Nem Deus mais vai
dar a luz a tolos mais, com este criou a obra-prima no gênero, sui generis,
isto porque só ouve de todas as suas criaturas como pode haver tolo como este,
acabou foi denegrindo Sua imagem. As grávidas desde a concepção debulham todos
os terços, faz todas as promessas possíveis e impossíveis, visita cartomantes e
centros espíritas, pedindo a Deus, aos espíritos, o filho não seja um tolo, não
se é possível comprar inteligência e perspicácia, isto é uma vergonha, ouvirá
das pessoas algo assim: “Como pode mãe sofrer por nove meses para dar a luz a
um tolo deste calibre?” E todas as mulheres rezam, fazem promessas, para não se
apaixonarem por um tolo, para não se casarem com um, ouvirão de todos: “O que
justifica as mulheres terem queda para os tolos?”, mais que uma humilhação, uma
ofensa daquelas. Deveria chamar-lhe com toda justeza de “o patético da
toleima”. Na sua pedra sepulcral deveriam ser inscritas em letras garrafais:
“Aqui jaz o maior tolo de todos os tempos”, uma espécie de epitáfio, e quem
isto lesse faria o sinal da cruz, um modo de não contrair a toleima, poderia
serem lúpus, câncer, cirrose, AIDS, etc., etc., menos a toleima.
Não é nosso objetivo censurar uma tendência, que parece invencível,
irreversível; o que queremos é motivá-la. Diz uma fala popular: “se você não
pode vencer o inimigo, alie-se a ele”. Seguindo isto, já que não podemos
censurar uma tendência, seria cretinice de nossa parte, isto não é possível de
mudança, então o melhor a fazer é motivá-la, incentivá-la, que dê de si o
melhor, que se revele em todos os níveis, que manifeste o ser que lhe habita, o
mundo está muito triste, os homens terão todas as oportunidades de rir à beça.
Nós mesmos estamos urgentemente necessitados de risos e gargalhadas, de
palhaços que façam graças para despertar em nós o prazer e a alegria de uma boa
risada, de termos a esperança de que a felicidade a que fomos vocacionados seja
possível, real e verdadeira.
Certa vez estávamos voltando da padaria da praça do mercado, após
havermos tomado um cafezinho, comido um delicioso pão de queijo, ainda bem
quentinho, havia terminado de sair do forno, comprado maço de cigarros. De
longe, avistamo-lo – pensamos até mudar de calçada, a coisa é transmissível até
por correspondência, não o fizemos, porém, fôramos vacinado contra essas coisas
desde a nossa concepção. Ao ombrear-se conosco, tropeçou numa pedra na calçada,
saindo a catar cavaco, pensamos que fosse dar com a fuça no chão. Alguns
transeuntes interromperam suas caminhadas para assistirem ao espetáculo,
pensando consigo mesmos que um homem tão importante na vida social e política
não podia dar com as fuças no chão, não era merecedor. Se isto acontecesse,
teríamos de ajudar-lhe a levantar-se. Esperamos, nada aconteceu. Viramos a
esquina da pensão, em direção ao Bistrô da Cida, rindo a bandeiras soltas. O
contraste entre nós era bastante acentuado, efetivamente ele o sentiu, o que
ocasionou no tropeção.
Por menos observador e menos experiente que seja, qualquer indivíduo,
nas condições de saúde mental, nas circunstâncias de uma inteligência não
mordida pela serpente do orgulho próprio, reconhece que a toleima é quase
sempre, ou sempre, dependendo das situações em que se olhar devidamente, dos
princípios que habita o mais íntimo das pré-fundas, um penhor do triunfo, da
glória, e da graça, para fechar com chave de ouro. Desgraçadamente, a ninguém é
dado poder por sua própria vontade gozar das vantagens e privilégios da
toleima. A toleima é mais do que uma superioridade ordinária: é um dom, é uma
graça, é um selo divino. A muitos gênios faltou-lhes o selo divino, dom e graça
possuíam demais, para darem, venderem, alugarem, emprestarem, mas a este tolo
estas luzes sensíveis e espirituais estão mais que presentes, trans-bordando
até. O que um tolo pode fazer com tanta toleima? Talvez passe dessa para a
melhor sem haver utilizado todas as suas capacidades e suficiências. A terra
comerá as que restaram. Os asseclas renderão graças pelas que deixara ele no
mundo, alguns até escreverão livros para que a sua memória não se apague ao
longo dos séculos e milênios. A cada cem anos de seu nascimento, a cada cem
anos de seu falecimento, uma comemoração e homenagem feitas por todas as
instituições e entidades, até pela academia de letras, se jogador de futebol
recebe a maior condecoração, a medalha Machado de Assis, da ABL, porque um tolo
não pode ser homenageado por uma academia?
O tolo não se faz, nasce feito. Se se fizesse o tolo, seria tolo por
algum tempo, só para alguns momentos especiais e singulares; nascendo tolo,
será tolo por todo o sempre, é mesmo aquela coisa da fala popular, pau que
nasce torto morrerá torto. Nascer tolo tem suas vantagens, irá ocupar cargos
importantes e de grande responsabilidade na vida pública e privada, são os
legitimamente escolhidos pela sociedade, irá realizar as coisas como todos
desejam e esperam.
Todavia, como o espírito e como o gênio, a toleima natural fortifica-se
e estica-se pelo uso que se faz dela, sua flexibilidade é enorme, não se tem
condição de avaliá-la, está além de todos os juízos sensíveis, racionais e
intelectuais, está para lá de todas as fantasias, quimeras, imaginações. Como
seria possível dizer algo que não apenas esclareça tais palavras, não apenas
conceitue ou defina, mas seja a verdade absoluta? Digamos, em simples palavras,
ser a toleima estacionária no pobre-diabo, que mui raramente pode aplicá-la;
mas toma proporções desmarcadas nos homens a quem a fortuna, ou a posição
social cedo leva à prática do mundo – isto não falta ao nosso tolo, nunca deixa
de se identificar nas matérias chinfrins que de vez em quando escreve nas
colunas dos nossos tablóides, para afirmar que viver é muito perigoso - se para
ele, tolo de diploma superior, viver é perigoso, imaginamos para os homens de
inteligência e sensibilidade! -, fazer homenagens póstumas aos amigos e
conhecidos falecidos, chorando-lhes a ausência, reclamando da falta que farão
no mundo, com sua linguagem e estilo de idoneidade social e política, tem
sempre de dizer a sua importância, os seus valores e virtudes, na linha abaixo
de seu nome, bom seria se fossem verdadeiros, que fosse um homem idôneo de
inteligência e sensibilidade, tivesse obras que servissem aos homens e à
humanidade por todos os tempos – plantar palmeiras à frente do cemitério é obra
para a eternidade dos mortos e não para a imortalidade dos vivos -, mas de
outra coisa não se trata senão de oportunismo, de uma justificativa de suas
inúmeras toleimas, sentir-se que não será esquecido no mundo, para firmar a sua
imortalidade. Este concurso de toleima inata e de toleima adquirida é que
produz, dá a luz, concebe as mais temíveis estirpe e laia de tolos, os tolos
que alguém acadêmico teve a felicidade de chamar “tolos completos, tolos
integrais, tolos no apogeu da toleima”.
O tolo, creio não haver quem argumente com todas as normas e regras da
oratória contra estas palavras, conhece o nosso tolo e sabe de suas toleimas
todas, é abençoado do céu pelo fato de ser tolo, e é pelo fato de ser tolo, que
lhe vem a certeza, a convicção, a consciência, de que, qualquer carreira que
tome, qualquer cargo que assuma, mesmo aqueles da imortalidade que exigem obras
e feitos, há de chegar felizmente ao termo, não lhe perpassa a mínima dúvida de
suas capacidades, a ínfima desconfiança de suas potencialidades, o mínimo limite
de suas possibilidades. Nunca solicita empregos, aceita-os em virtude do
direito que lhe é próprio. Ignora o que é ser corrido ou desdenhado; onde quer
que chegue, é festejado como um conviva que se espera, uma celebridade acima de
todos os reconhecimentos, de todas as glórias, de todas as medalhas e méritos.
Há quem se sinta o mais orgulhoso e lisonjeado dos homens por lhe ter como
companhia, por andar com ele a tira-colo, sente-se o mais importante, alvo de
todos os olhares e observações.
Na vida burguesa, a des-confiança é considerada como sinal de “mau
caráter” e catalogada entre as tolices. E aqui entre nós, para além do mundo
burguês e do seu sim e não, o que nos poderia impedir de sermos tolos e
dizermos que o nosso grande tolo tem mesmo o direito a um “mau caráter”, como
ser que até agora foi sempre o mais enganado, ele, hoje, tem o dever de
des-confiar, de olhar de soslaio e muito malevolamente a partir de todos os
abismos da suspeita. Pedimos escusas pelo gracejo desta caricatura e sinistra
expressão. Acontece que há muito tempo, como o enganar e ser enganado,
aprendemos a pensar diferentemente, a julgar diferentemente sobre o enganar e o
ser enganado e temos sempre prontas umas cotoveladas para a fúria cega com que
os tolos se defendem de ser enganados.
O que opor-lhe como obstáculo? O que mostrar-lhe como limites? O que
dizer-lhe como dificuldades? É tão enérgico no choque, tão igual aos esforços e
tão seguro no resultado! É rocha despegada, que rola, ocorre, salta e avança
caminho por si, precipitada pela sua própria massa.
O tolo não tem escrúpulos. A intrépida opinião que ele tem de si
próprio, o reveste de sangue frio e segurança. Satisfeito de si, nada lhe
paralisa a audácia. Mostra a todos as suas dignidades e honras, mostra a todos
as suas capacidades e suficiências, mostra a todos as suas missões no mundo,
mostra a todos o saldo final de seus compromissos e responsabilidades.
O tolo está acima das misérias. Não o assusta um futuro prenhe de
qualquer inquietação aflitiva, não o aflige um sonho impossível de ser
realizado, não o admira os limites da raça humana. Sempre acobertado pela
bandeira da inconstância, desfaz-se de um objetivo sem luta, de um projeto sem
sentimentos de culpa, de uma responsabilidade sem dramas de consciência, nem
remorsos; utiliza uma traição para voar a novas aventuras, a novos prazeres e
deleites, a novas alegrias e felicidades.
O tolo considera que só a vontade é atuante; querer para ele é uma coisa
simples, e encarada tal como é, indeduzível, incompreensível por si mesma. Esse
homem imagina que quando faz alguma coisa, por exemplo, quando vibra um tabefe,
é ele que bate e que bateu porque o queria fazer. Não percebe nisso problema
algum; o sentimento da vontade basta-lhe, não somente para admitir a causa e o
efeito, mas ainda para acreditar que compreende a sua relação. Não entende nada
do mecanismo da ação, do trabalho milhares de vezes sutil que tem de ser
efetuado para chegue a bater, do mesmo modo que não imagina a incapacidade
total da vontade para operar a menor parte desse trabalho. A vontade é para ele
uma força que age de maneira mágica; acreditar na vontade como na causa de
efeitos é acreditar em forças que agem por magia.
Para fazer-se notar daqueles por quem sente amizade, por quem nutre ternuras
e carinhos, importuna-os, acompanha-os nas ruas, vigia-os nas igrejas e
espia-os nos espetáculos, sorri-lhes nos eventos sociais e políticos,
acena-lhes com a cabeça depois da apresentação de uma película cinematográfica.
Arma-lhes laços grosseiros. Como nada quer à custa de uma indignidade, de uma
desonra, não se conserva continuamente ao pé daqueles a quem ama, não os
persegue, não os fatiga com a sua presença. Para interessá-los em suas mágoas,
não toma ares sombrios e tristes, não se mostra circunspecto, não mostra na
face as dores e sofrimentos que lhe perpassam o íntimo; pelo contrário,
esforça-se por sempre ser bom, afetuoso e alegre junto deles. Quando se retira
da presença deles, é que mostra o que sofre, e derrama as suas lágrimas em
segredo, enxugando-as em seu lenço branco de seda, guardando-o molhado, no
tempo seca-se, mas para se lembrar das lágrimas que verteu pelas dores das
pessoas amigas, conhecidas, íntimas. À mesa de restaurantes e bares,
oferece-lhes um drinque para beberem juntos, ou toca-lhes nos ombros, com muito
jeito, com muita delicadeza, com muita finesse à francesa. Se se trata de uma
mulher, aperta-lhe a mão a dançar e saca-lhe o ramalhete de flores no fim do
baile. Pela adulação e bajulação é que se alcançam os homens, bem como se os
perde, tal como acontece com os reis. De resto, como nos tolos tudo é
superficial e exterior, tudo é arrebique e ornamento, não é a amizade, o amor
acontecimentos que lhes mudem a vida, que lhes trans-formem os hábitos e os
costumes, que lhes burilem a cultura e os princípios: continuam como antes a
dissipá-los nos jogos, nos salões e nos passeios.
Obviamente, o tolo também tem as doenças e defeitos de uma espécie
aristocrática. Imbuído de inveja mesquinha, tem um olho de lince para detectar
o lado fraco das naturezas cuja altura não consegue atingir. É confiado, mas
apenas como alguém que se deixa levar pela corrente, mas não fluir como uma
corrente. Exatamente frente ao homem da grande corrente ele permanece frio e
fechado. Seus olhos parecerão, então, um lago liso e aborrecido no qual já não
ondula qualquer entusiasmo, qualquer simpatia. O pior e o mais perigoso de que
é capaz um tolo provém do instinto de mediocridade inerente à sua espécie, de
mesquinharia que lhe habita o mais profundo e inconsciente dos instintos.
A indulgência pode conduzir o tolo à degradação. Ele segue a olhos
fechados o declive que o arrasta ao abismo, sem que a queixa, a ambição, a
fortuna possam retê-lo.
O tolo é indiscreto por princípio, porquanto divulgando os favores que
recebe, compromete a que lhe concede e ao mesmo tempo afasta as rivalidades
nascentes. É suscetível pela razão, cioso por cálculo, a fim de promover os
proveitosos amuos, que lhe servem, a seu grado, para conduzir a uma ruptura
definitiva, ou para exigir um novo sacrifício. Mostra uma cruel indiferença,
indicando pouca confiança nas provas de simpatia que lhe dão. Hábil em semear a
inquietação e o susto, faz-se obedecer na força de ser tirano, e acaba por
inspirar uma afeição sincera à força de promovê-la.
O que o homem de espírito vê no amor? O que o nosso tolo vê no mesmo?
Não nos atinamos com esta questão nestes longos minutos de nossa reflexão, e
isto é fundamental para vermos o nosso tolo de frente e de cara. O homem de
espírito vê no amor um negócio sério e de grandes proporções, ocupa-se, cuida
dele como do mais grave interesse de sua vida, sem distração, sem dispersão,
sem reservas e pejos de qualquer natureza. Pode perder nele algumas das suas
qualidades viris – é a lei: é perdendo-se que se encontra e é encontrando que
se perde -, mas é para crescer, amadurecer, até mesmo envelhecer e
senilizar-se, em abnegação, em dedicação, em bondade, solidariedade, compaixão.
Suporta tudo daquela a quem ama sem nada exigir dela, sem nada forçá-la a fazer.
Atendendo ela a alguns de seus votos, prevenindo alguns dos seus desejos e
querências, longe de ensoberbecer-se, agradece e rende graças com uma efusão
mesclada de surpresa, susto e espanto. Desculpa-lhe, perdoa-lhe generosa e
ternamente todos os males que lhe causa porque, muito orgulhoso para
enraivecer-se ou lastimar-se, não sabe provocar, nem a piedade que enternece,
nem o medo que faz silenciar. Que inferno, se a má ventura lhe depara uma
mulher bela e má, uma vadia namoradeira fria de sentidos, ou uma rapariga de
rabugice precoce!
Sofre, desespera-se, angustia-se, entristece-se com a perfídia da mulher
amada, mas desculpa-a pela fragilidade do sexo.
O néscio escapa a estes perigos. Como não é ele quem ama, é ele quem
domina. Para vencer uma mulher finge por alguns momentos o excesso de desespero
e de paixão; mas isso, venhamos e convenhamos, não passa de uma estratégia de
política, estratégia de cerco para enganar e seduzir o inimigo. Logo depois
recobra ele a tirania, e não a abdica mais.
Para entreter-se nisso, o nosso tolo tem o seu método infalível, as suas
regras, a sua linha de conduta e postura. Mostra uma cruel indiferença,
indicando pouca confiança nas provas de simpatia que lhe dão. Encomenda de
boutiques de grife da capital o mais lindo e encantado vestido para baile de
gala, e no baile proíbe-a de dançar, deixa-a olhando os pares no salão, babando
de vontade de se mostrar, de mostrar o seu vestido formoso, não faz caso dela,
de propósito. Aflige-a com aparências de infidelidade, falta à hora marcada
para se encontrarem, ou, depois de se ter feito esperar, vem, dando desculpas
equívocas de sua demora.
Não entrarei em minúcias das vaidades da senhora de nosso tolo de
diploma superior, digo apenas que há anos imemoriais que uma boa quantia de
seus salários é separada para pagar as prestações das roupas de grife,
juntamente com os ornamentos e arrebiques, que ela faz questão absoluta de
desfilar mesmo nos dias comuns, quando todos usam as mais triviais de trabalho
e lazer. Sabe ela que o nosso tolo se envaidece, orgulha-se de vê-la linda,
lindíssima, maravilhosa. O homem de espírito prefere que suas digníssimas
mulheres sejam e estejam feias em todas as situações e circunstâncias, assim
não serão desejadas. O tolo coloca-a na vitrine a todos os olhares e desejos.
Manoel Ferreira Neto
(28 de janeiro de 2016)
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