**RÉSTIA DE SILÊNCIOS E SIBILOS**
Acordando, nunca vejo nada mais tangível que um
feixe de luz prata da Lua sobre os arbustos na encosta da montanha, nunca ouço
nada mais concreto que os sibilos de vento de entre as pedras de lado e outro.
Se olho para o céu imbuído e tomado de ânsias e
olhos muito agudos, uma nuvem escura esconde apressadamente a lua de minha
contemplação inquiridora. Vivo apenas para o meu sonho encantado.
Mas que sonho encantado!... Povoado de réstia de
silêncios, re-vestida de pureza, ingenuidade. Diz-me que ando muitíssimo
apaixonado: ouço Elton John continuamente. Se não estou amando tão
sensivelmente, o que então se pres-ent-ifica?
Assim passo o tempo até o instante da partida, não
me referindo à entrega à morte, mas partida para a liberdade, nos braços do
Infinito sentirei o amor da verdade. Os dias estão repletos do sonho diurno
ardente. As horas de sono trazem-me sempre puro êxtase. Toda a alegria do dia e
da noite está concentrada nos momentos em que o vento verga as árvores em seu
curso entoando sua música bravia.
Música do fim, a alegria sutil desde o fundo do
dia, o abismo do século, desde o silêncio do nascimento, um silêncio longo,
feito de chuva de perto e ao longe, da cidade esquecida em solidões, do cerco á
volta do espaço para além, abre-me de um abandono, esquecimento final, num
aceno de sinais as lembranças de tempos que renascem, renovam em cada movimento
de lábios que buscam palavras a expressarem ao sabor de esperanças os desejos
íntimos de corações selvagens, rebeldes e solitários, de mentes humildes e
sinceras.
Ah, esses minutos longos e vazios, essas imagens
que perpassam o íntimo, essas emoções e sentimentos que me habitam, e não me
resta única palavra que possa ser oportunidade de prosseguir no tempo as
aprendizagens no espelho!... Até penso em silêncio o melhor é deixar estes
pensamentos e idéias para um outro dia, quando, no silêncio de entre as
reflexões e os problemas, for mais claro, diria transparente, o que tanto
insiste em se revelar, havendo algo que impede, que protela para outros tempos
e situações.
Fechei-me? Resguardei-me? Não sei a essas perguntas
responder. Antes, necessitaria investigar o que causara o fechamento, o
resguardo em conseqüência de quê. Se me fechei ou resguardei, pouco se me dá
sabê-lo, importante é que houve algum medo. Será medo de alguém intuitivo e
perspicaz saiba desnudar-me, mostrar a que venho, os verdadeiros sentimentos
que me habitam? Será medo de dizer algo, não ser compreendido, entendido,
aquele gosto esquisito de as palavras não mais dizerem o que quer que seja?
Estarei no limite da meiguice que termina na
insolência, do inferno que termina na meiguice? Bem provável que sim. Digo
provável por não me ser dado - também não estou desejando fazê-lo – definir o
que é meiguice neste supremo instante cheio de idéias que devo repelir.
O silêncio que sucede a essas palavras foi tão
grande, que senti como se houvesse baixado sobre mim um inesperado e inusitado
crepúsculo. Não me contenho mais e faço um esforço longo por me desvencilhar do
silêncio, por apanhar as palavras todas, leva-las à boca, mastigá-las
calmamente, engoli-las, sentir-me outra vez saciado.
O silêncio ultrapassa tudo o que posso suportar.
Prefiro a distância e o isolamento a ser submetido à sua presença na qual não
me é permitido o menor subterfúgio. Ah, no fundo de meu pensamento não posso
deixar de admirar a ciência da obscuridade, do mistério e enigma, e um sorriso,
que não é de mofa, desenha-se em meus lábios.
Evito imagens cujas idéias conheço, e guiado por um
sexto sentido, que não me desperta apenas surpresa, mas também um sentimento
agudo e inesperado de singular destreza.
Pensando, como que uma serenidade postiça aplaca o
meu íntimo. Talvez seja ainda isto que procuro: um esquecimento, um letargo que
me faça não diferente do que sou, mas esquecido de mim mesmo, como sob o efeito
de um calmante.
Sinto o quanto em torno de mim as coisas são
inóspitas e o quanto eu próprio me converto num ser gelado e triste. Ah, como é
difícil reunir essas duas palavras – gelado e triste – compreendendo que
correspondem ao que existe dentro de mim, a essa coisa pesada, insensível, em
que se converteu meu coração.
Muitas vezes me sucede parar diante do espelho, e
olhar de um modo brusco a minha imagem refletida nela. Sou eu, não há dúvida
alguma. O que sobra é o ser no fundo do espelho: move-se de um lado para outro,
pisca, sorri.
Ah, eu próprio me vejo neste instante, totalmente
escuro (poderia dizer que, de tão imóvel, até meu coração cessara suas
batidas), não tendo muito o que dizer, o silêncio me basta. Fico quieto, sinto
o quanto me esforço para restringir minha emoção.
O inferno é assim – um espaço branco sem limites no
tempo. Não é a esperança que me faz tão cioso desses sibilos: é a avidez de me
justificar, de reter entre as mãos as provas mais ineludíveis de que houve um
momento em que existi realmente.
Quantas e quantas vezes, absorvido nalgum afazer,
penso no mistério da existência, aventura e conjeturas que só podem ser
absurdas. Quieto, preparo o terreno para dizer-me alguma coisa muito
importante, e não ousasse ainda, esperando aquecer a atmosfera entre os
silêncios e sibilos.
Então, a mim, que nunca havia pensado nessas
coisas, nem me detido ante problemas de tão grande profundidade, ocorre um
pensamento que quase sobe aos meus lábios na forma de um grito: o que me redime
e me torna diferente de todas as criaturas que conheço.
Quem realmente pode se vangloriar de nunca haver
existido?
Manoel Ferreira Neto.
(30 de janeiro de 2016)
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