**SAGA DA MORTE** - Manoel Ferreira
Deuses e querubins sejam guias, iluminem as palavras no sentido de que
não trans-cendam o bom senso, não revelem coisas que no ato da criação tais
coisas não eram intencionadas. A verdade. Há o quê, não sendo com apreço e
acuidade tratado, pode denotar, conotar muitos sentidos, desde dramas,
chantagens, carências até o famoso "desejo de aparecer", quando na
verdade nada disso significa.
Não me é dado saber se é de conhecimento das pessoas haver um
acontecimento no métier dos grandes homens, personalidades, artistas, em todos
os níveis das Artes. Conforme os meus acontecimentos, tal acontecimento se
revela mais com os escritores e poetas. Com Dostoiévski, Guimarães Rosa,
Graciliano Ramos, Lúcio Cardoso e outros aconteceu. Todos estes eternos da
Literatura chegaram aos cinquenta e nove anos, não completaram os 60. Todos
eles no auge da carreira, reconhecidos e laureados pelo mundo, eternos e
imortais em vida Isto passou a ser considerado "saga" no métier dos
escritores e artitas em geral. Todos eles ainda tinham muito para escrever, se
a obra já escrita era prima, possuía grandes valores literários, na
continuidade dos anos, tendo chegado aos 60, idade em que se manifesta a
profundidade da vida, quando veem a vida com maior clareza, as obras seriam
ainda mais importantes, trariam outras dimensões que a escrita não trouxera
antes.
Tive um amigo, um dos maiores intelectuais da cidade histórica
Diamantina, filho de curvelanos, de uma inteligência sem precedentes, aos
quarenta e seis anos falecera, vítima de enfarto fulminante. As justificativas
foram que ele cumpriu a sua missão no mundo. Nenhum homem cumpre a sua missão
no mundo completamente, algo fica por ser cumprido. Nesta idade não é tão comum
isto, mas aos cinquenta e nove anos é uma "saga".
Despindo-me de qualquer modéstia, aquele jogo ridículo de negar as
coisas, quando a intenção é valorizá-las ao extremo. Não tenho inda no meu
acervo obras que possam ser consideradas primas - assim penso e sinto de
verdade -, não estou no auge de minha carreira, estou começando a subir mais
degraus da escada. Agora posso ver a vida com maior clareza, transparência, o
sentido da vida se me re-vela mais profundamente, posso mostrar dimensões que
inda não o fiz,
Desde os cinquenta e seis anos, 2013, o medo desta saga não me deixa.
Meu terapêuta na época chamou-me a atenção, dizendo que criasse a obra, era o
importante. Ainda, sorrindo, disse-me: "Verá a sua eternidade em vida, por
muitos anos, não partirá aos 59. Você é vaso duro de quebrar". Claro,
desde estas palavras dele, preocupei-me, preocupo-me com a criação da obra, mas
há momentos que não consigo evitar o medo. Não é por desejar curtir, degustar o
sabor da eternidade, simplesmente porque aprendi a amar a vida, atribuir-lhe o
valor supremo, posso mostrar a mim próprio o que posso fazer, construir com
este amor à vida.
Desde tenra infância amei as letras, mas não amava tanto a vida,
dava-lhe mínimo valor. As letras levaram-me a amar a vida. Como assim? O
reconhecimento dos leitores, dos amigos.
Agora quero viver, caindo aos pedaços de tão velhinho. Desejo revelar
este amor pela vida através das letras.
O meu terapeuta, neste mesmo encontro, ainda disse: "O dia que você
disser digna e honradamente sobre este medo com as suas verdades mesmas, posso
lhe garantir que o medo irá desaparecer por completo. Q!uando disser, não se
esqueça: a verdade mesma, sem tripúdios, sem chantagens, carências, desejos de
aparecer. Seja verdadeiro".
Três anos se passaram. O momento chegou.
Manoel Ferreira Neto
(29 de janeiro de 2016)
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