**FELICIDADE SÓ MINHA E INVEJÁVEL** - Manoel Ferreira



Há por volta de uns vinte e sete anos, mais que transbordando de sonhos, utopias, as mais exageradas ilusões da arte e das letras, os mais eufóricos desejos e vontades de reconhecimento e consideração, tomava em mãos um livro sobre a vida e obra de meu amado e estimado mestre Dostoiévski, pondo-me a observar uma foto que um pintor havia feito – retirei esta foto do livro e coloquei num quadro, mas perdi-a, por isso o nome do artista-plástico não está registrado nestas linhas, e outras. A foto em que mais viajava nela era a peça pintada pelo pintor de renome, imaginava o artista pintando-a, imaginava Dostoiévski, olhando-a, sentindo-se orgulhoso, vaidoso, observando os seus traços, observando o seu ser nela inscrito, observando a sua personalidade e caráter, que o pintor soube tão perfeitamente re-presentar, sentindo que aquela peça era eterna, imortal, ficaria para a posteridade, tanto que cento e dois anos após a sua morte estava figurando numa obra sobre si.
 Seria disparate, despautério, mentira descarada dizer que com esta atitude de “namorar” as fotos do imortal escritor russo também desejasse ver a minha imagem representada numa peça pintada por artista-plástico famoso? Nem imaginava que algum dia seria sim o escritor que desejava, que iria ser reconhecido e considerado pelos leitores, tudo eram fantasias, quimeras naqueles anos de outrora. Dezessete anos mais tarde, num encontro com Paulo César Lopes, em minha residência, havia ido com a família passear, deu-me um cartão de aniversário, a foto do cartão era de Van Gogh, dizendo-me ele: “Seria que você fosse o Van Gogh das Letras, só publicou um livro em vida”, respondendo-lhe que não desejava isso para mim, não demorou muito saiu o meu segundo livro, Ópera do Silêncio. Senão o artista-plástico Fernando Cunha, de quem era amigo, não conhecia outro, e ele não iria pedir-me para pousar-me para um quadro póstero – jamais pousaria para ninguém, não sei ficar quieto segundo apenas -  nem me pediria um retrato para tornar-lhe uma peça, não lhe pediria eu para fazê-lo, nem podia pagar para que fizesse isto para mim. Pagar para ser pintado, para ser imortal e póstero, quê coisa mais ridícula e imbecil! Há quem o faça, ama e venera as aparências. Dinheiro não revela valores e méritos senão os especificamente materiais, a materialidade nada significa. Dinheiro não compra dons, talentos, sensibilidade artísticos, morais e éticos. Seria o mesmo que pagar para receber medalha de honra ao mérito, reserva de mesa no clube, gastos com as despesas, e tudo o mais. Conheço muitos em Curvelo que têm tais medalhas, comprou-as, méritos não têm nenhum. Ademais, o artista pinta o para quê fora pago, a imagem nua e crua, sem dimensões sensíveis e espirituais. Seria uma vaidade ridícula de minha parte, não tinha mérito algum para ter um quadro pintado por artista-plástico renomado pela crítica, reconhecido e considerado por todos.
 Os anos passaram. Sempre que pegava o livro sobre a vida e obra de Dostoiévski, não me esquecia de “namorar” a peça que o artista pintou, em verdade o que desejava era captar-lhe o ser na imagem, captar-lhe características que se encontravam bem profundas na obra, queria conhecer-lhe por inteiro – em edições de Razão In-versa publiquei a tese escrita sobre Dostoiévski e a sua obra, mostrando e identificando os conhecimentos profundos que da vida e obra dele adquiri ao longo de tantos anos de leitura e pesquisa -, e já tendo algumas obras publicadas em jornais e tablóides, algumas pessoas já me reconhecerem. Tudo eram ainda ilusões, sonhos, quimeras, fantasias na minha cabeça, não pensava que iria alcançar o que tanto desejava na minha vida, ser escritor renomado, reconhecido, considerado. E verdadeiramente devo tudo isso em primeira instância à amizade e amor sempre sinceros e verdadeiros de meus amigos Paulo César e Ângelo Antônio, que em mim acreditaram e sempre incentivaram, e à minha doce-companheira-e-esposa Marize Lemos Silva, que me dera a segurança e tranqüilidade para produzir a minha obra, aos leitores de Razão In-versa que a cada edição puxa a cadeira o Olimpo para eu sentar e refestelar-me.  
 Apaixonei-me pela fotografia, tendo um grande acervo de fotos no computador. Muitas vezes pedi as pessoas na rua para tirarem foto minha numa praça pública, igreja, restaurante ou botequim, enquanto estava fazendo as minhas anotações para obras, estas jamais foram publicadas no meu suplemento-caderno literário-filosófico. Numa livraria, tive em mãos um livro de Clarice Lispector, Aprendendo a Viver, com suas fotos de várias épocas de sua vida, foto numa página, pensamento ou frase noutra, que talvez algum dia faça o mesmo numa edição de Razão In-versa. Aquando o secretário do tablóide em que escrevia tirou uma foto para figurar na coluna Cultura, depois no meu suplemento-caderno literário-filosófico, que, diga-se en passant, ficou muito boa, senti-me bem satisfeito, alegre. Questão de sorte por parte dele, não tinha talentos artísticos para a fotografia. Uma coisa é tirar retrato com fotógrafo em todos os níveis profissional e sensível, ficando a peça uma obra de arte, outra é artista pintar um quadro, seja com foto, seja pousando para ele. Esta foto não mais fora usada, desde que saí do tablóide. Fora publicada só em algumas edições de Cultura e de meu suplemento-caderno.
 Deixemos as hipocrisias de lado, desde que fui subindo os meus degraus na carreira literária desejei ter um quadro meu pintado por artista-plástico, para todas as vezes que o olhasse lembrasse de minhas ilusões, fantasias, quimeras e sonhos de outrora, com muita luta, persistência, força de vontade, saber que o mais desejado por mim havia sido realizado. Por vezes, imaginava no futuro leitores tomassem de algum livro sobre a minha vida e obra e deparassem com uma peça, foto da peça, pintada por artista-plástico de renome, sentia-me orgulhoso, feliz, satisfeito, lisonjeado, sentia a vida mais que presente em mim. Sentia-me, rasguemos os verbos todos, vaidoso, sentia-me póstero, póstumo, imortal, eterno. Ainda que este desejo da eternidade ao longo dos anos se torne mais forte e presente, questiono-me bastante se isto não é apenas a não-aceitação da morte, os medos dela que em mim trago dentro, isto porque a eternidade não tem qualquer sentido, a única coisa que fica de mim são as lembranças de íntimos, amigos, a obra que realizei no mundo. Confesso que nos últimos meses de minha vida o medo da morte está muito presente e forte, estou com medo de morrer e não conseguir escrever o que ainda há a sê-lo feito. Não é falta dos amigos e leitores me chamarem a atenção, deixe eu de besteira, ainda vou viver muito, vou escrever muito ainda. É mesmo aquela coisa que todos dizem: “Para que o reconhecimento depois de minha morte? Não estou aqui para assistir a isto e sentir-lhe as alegrias e vaidades!” A grande maioria dos imortais foram e são reconhecidos depois da morte, desde os primórdios das artes e da cultura fora assim, sê-lo-á por sempre. Explicar isto? Impossível.  
 Conhecia já a minha amiga e artista-plástica Martha Moura, reconhecida pela crítica não apenas brasileira, mas mundial, tendo já feito exposição de suas peças na Europa, de quem sou amigo há onze anos, com quem venho aprendendo muitas coisas, não apenas como artista, como homem mesmo. Não lhe iria sugerir que pousasse para ela para pintar um quadro meu, teria de pagar-lhe boa quantia, e isso eu não podia fazer, ademais seria vaidade sem limites de minha parte. Ela não iria se oferecer para que pousasse para ela, nem pediria retrato meu para pintar a peça.
 A cada degrau que subia na minha carreira de escritor, já sendo reconhecido e considerado pelos leitores, Razão In-versa estar no auge de sua ec-sistência, mais eu desejava ter suspenso na parede de meu escritório um quadro meu, mais eu sonhava com o futuro, os leitores ao tomarem algum livro sobre a minha vida e obra virem um quadro pintado por artista-plástico famoso. Na estante de minha alcova, minha esposa tem umas fotos minhas criança de colo, sentado numa cadeira de palha, aquela pose de orgulhoso, criança de três anos, montado numa zebra no Parque Municipal de Belo Horizonte, de terninho e gravata, a mesma pose de orgulhoso, sempre fui orgulhoso, algumas outras de minha juventude, de eventos sociais a que estivemos presentes, eu próprio não tenho fotos minhas no escritório sobre a mesa de trabalho, nas fotos que tenho de Dostoiévski não há uma sequer sobre sua mesa de trabalho, há um quadro suspenso na parede frente à sua mesa, uma peça de Madona Sixtina, de Rafael. Tenho eu suspenso na parede de meu escritório um quadro do Sagrado Coração de Maria, presente de uma de minhas mães, Amélia. Um artista ter um quadro pintado é ser muito importante, é ser imortal, é ser eterno.
 Não sou homem de negar as minhas coisas, de escondê-las a sete chaves, por medo de ser criticado, ridicularizado. As satisfações que tenho a dar, que tiver de fazê-las, é só mesmo a mim próprio, sou quem sou, serei o que serei, não tenho que me explicar para ninguém. Sou sim muito vaidoso, o medo que tive de mostrar esta vaidade se fundava em não ser algo verdadeiro, ser aparência, ser mentira, nos curvelanos impera a aparência, jamais admiti tal coisa para mim, isto sim é censurável, não sentiria a menor alegria por ser vaidoso, por ser aparência, seria ser cretino e imbecil comigo próprio, antes nada ser do que ser somente aparência em tudo. Ser vaidoso por merecimento e por virtudes e valores dá aquele tom de felicidade e orgulho. Por que não ser vaidoso? Desde que as vaidades mostrem os valores, virtudes e feitos, é algo delicioso, é estar dando valor a si mesmo, é estar reconhecendo-se. Leitores já dizem que eu deveria ser mais orgulhoso, aparecer mais, mereço isto, mas aí seria criação minha, não está em minha índole isto, se fosse mesmo para fazê-lo, poria uma melancia no pescoço. Se desde que nasci sou orgulhoso, tenho os meus motivos reais e verdadeiros para isso, a mim foram doados dons e talentos das letras, da intelectualidade. Como diz mesmo o amigo e músico Ivo Pereira: “Dinheiro nós não temos, pelo menos que sejamos vaidosos e orgulhosos com a nossa arte”.
 A artista-plástica, Martha Moura, adquiriu algumas edições de meu Razão In-versa, sempre gostou muito de minha obra, teceu as considerações mais sinceras e reais sobre os seus valores e virtudes, reconhecia-me um grande artista, o que me deixava muito orgulhoso e lisonjeado, ser elogiado por alguém de seu porte, de seus valores artísticos é muito bom, dá impulsos para sempre criar e para sempre amadurecer e crescer. Já tinha adquirido os meus livros mesmos, alguns textos separados. Tomei coragem. Propus-lhe uma barganha: dar-lhe-ia num pen-drive todas as edições de meu Razão In-versa, se ela pintasse um quadro meu, dar-lhe-ia um retrato meu, o que aceitou de imediato. Tal proposta de barganha fora feita num dia em que estava na sala de sua residência e ela executou uma peça no piano, não me lembra qual fora o compositor universal. Gravei no pen-drive não apenas as edições de Razão In-versa, mas quase a obra reunida, entregando-lhe juntamente com um retrato.
 O retrato escolhido fora de minha juventude, estaria eu com os meus vinte e sete, vinte e oito anos. Escolhi-o por ser o tempo de minhas fantasias, ilusões, quimeras e sonhos da carreira de escritor, por ser quando “namorava” as fotos de meu mestre Dostoiévski, queria conhecer-lhe e à obra profundamente, e também por ser havido tirado na época que conheci os meus queridos amigos Paulo César Lopes e Ângelo Antônio Lopes. Sonho que se sonha sozinho é apenas um sonho, sonho que se sonha com alguém é uma realidade, pode se lhe tornar, e foi o que aconteceu. Naquela época eu ainda tinha cabelo, não era “careca”, o que não me toca em nada, aliás orgulha-me sê-lo. Desejava lembrar-me de todas estas coisas, ter um objeto em que pudesse elencar os meus anos de luta, persistência, desejos e vontades, as minhas lembranças do início da amizade com os amigos, sendo eu hoje considerado da família. Retrato de como sou hoje não surtiria o mesmo efeito, para isto tirei foto com profissional consagrado, dos tempos de hoje, para no futuro lembrar-me de minhas alegrias e felicidades, com todos os reconhecimentos e considerações que recebo de meus queridos leitores e amigos, dos contentamentos que Razão In-versa nestes três anos estar a proporcionar-me, e também para figurar numa página de início deste suplemento, como se encontra nos livros de Guimarães Rosa, a sua foto figura logo na primeira página. Esta foto saíra em apenas uma edição. Agora que tenho o quadro pintado por Martha Moura, será esta imagem a oficial que figurará nas edições daqui para frente.
 Já faz uns seis meses que fiz a barganha com a amiga Martha Moura, não mais toquei no assunto sobre a peça. Algum dia ela me entregaria. Tem outras prioridades em sua vida, há projetos de novas peças, de outros trabalhos. Quando fosse a hora certa de receber o quadro, iria acontecer inevitavelmente. Aliás, muitas poucas vezes me lembrei disso, as responsabilidades com Razão In-versa crescem a deus-dará, em verdade falta-me tempo até mesmo para mim e a esposa.
 Ontem, Sexta-feira da Paixão, minha doce-companheira-e-esposa chegou a casa, após ter ido assistir às comemorações religiosas da Crucifixão de Cristo, dizendo-me que a amiga Martha Moura lhe dissera que iria deixar na Boutique Cyrillo, de suas irmãs Mércia e Mariinha, a minha peça, fosse apanhá-la.  Recebi o recado, sentindo-me curioso e ansioso por ver o quadro, por me ver pela primeira vez pintado por artista-plástica de renome mundial. Aliás, a minha própria doce-companheira-e-esposa dissera que deveria me sentir muito vaidoso, lisonjeado, orgulhoso por ter uma peça de alguém tão famoso, isto é para poucos, citou ela algumas personalidades da cultura e das artes que tiveram seu retrato pintado por artista-plástico de renome, mais uma vez podia sentir-me famoso, sentir-me imortal, eterno. Era eu imortal, eterno, caí na gargalhada, e não fora por me sentir vaidoso, orgulhoso, o questionamento do sentido real disto veio-me à mente de imediato. 
 Pensara, desde que o recado da amiga Martha Moura chegara até mim, que a artista teria de identificar algo em sua pintura que me imortalizasse, eternizasse, um traço, uma característica, coisa que as letras não mostravam, estavam nas entre-linhas, e retirá-las de lá seria o mais difícil e complexo, de alguma forma haveria mudanças e transformações. Tinha certeza de que isto iria acontecer, Martha Moura iria mostrar isso com todas as categorias de seus talentos e dons, de sua arte, de sua sensibilidade, intuição, percepção, com todas as profundidades de seu ser, seria um quadro inesquecível e profundo, verdadeira obra de arte.
 Não posso afirmar mesmo que devido a isso tenha eu sonhado com um dos meus filhos, Sacha Lucien, que desde a infância não havia quem o visse não dizia ser a minha cara, de modo carinhoso e terno haver sido comentado por seu padrinho Paulo César Lopes, ser a “segunda edição melhorada”, como nós escritores dizemos de segundas edições. No sonho, Sacha estava com a idade que tem na realidade, dezesseis para dezessete anos, quem visse nós dois, se não percebesse ser ele adolescente, na idade da flor, eu, cinqüentão, na idade da realidade nua e crua, não saberia distinguir quem era quem, se ele era eu, se eu era ele.
 Pela manhã, deste Sábado de Aleluia, após terminar um texto, dirigi-me à Boutique Cyrillo para apanhar a peça de minha querida amiga Martha Moura, pensando como ela iria identificar-me, qual o traço, qual a característica, qual a dimensão de meu ser que ela iria identificar na sua peça.
 Na noite de Domingo de Páscoa para segunda-feira, após haver recebido um telefonema de minha comadre Nívea Maria, esposa de Paulo César Lopes, comunicando-me que Ângelo Antônio estava em Curvelo, desejava ver-me, desejava eu vê-lo, estávamos distantes apenas por alguns poucos quilômetros, fazia oito anos que não nos encontrávamos, sonhei que havia chegado ao hotel e um rapazinho me cumprimentara, olhei-o bem, não o reconheci, mas por parecer muito com Nívea Maria, perguntei-lhe se não era Lucas, dizendo-me que sim, vi-o quando ainda estava com sete anos, está com quase dezoito, abraçamo-nos, estava ele com os seus amiguinhos, perguntei-lhe de seu tio, dissera-me que estava no apartamento, fui lá, mas não o encontrei. Pergunto-me é a razão de estar sonhando com Sacha Lucien e Lucas, adolescentes, e não sonhar comigo mesmo na adolescência ou juventude? Há alguma razão para isso que não me é dado saber, pelo menos até então. 
 Não entendo de pintura, não sei analisar pintura, como artista sei sentir, intuir, perceber. Há quem diga que a verdadeira crítica não é o conhecimento acadêmico, de linguagem e estilo específicos, mas a sensibilidade. Mas quando tive a peça em mãos, observei-a com todos os possíveis linces de meu olhar, e de imediato sem muitos esforços percebi Martha Moura haver com perfeição e arte, engenhosidade e arrebiques, mostrado o sonhador, quem em si traz fantasias, quimeras, idílios, sorrelfas, sonhos e utopias, ainda traz em si caráter e personalidade incisivos, traz em si conhecimentos profundos – sinceramente, jamais imaginei que fosse assim, que eu mostrava tudo isso -, traz em si dores e sofrimentos os mais contundentes e pujantes, o aspecto dos olhos isto identifica, traz em si um orgulho daqueles, orgulho da raça e da estirpe, e acima de tudo isso, traz em si uma sensibilidade enorme, há uma espiritualidade, esperança e fé habitando o ser. Daquele simples retrato tirado há vinte e sete anos, aquando ainda sonhava com o escritor, com o artista, com os louvores da arte e das letras, nem sabia se algum dia iria realizar tantos sonhos e utopias, a amiga mergulhou no artista, revelou o artista, o “ser” da arte que me habita, a minha essência de escritor, Martha Moura pintou o artista, o intelectual, o homem, o indivíduo. O artista é a essência, o eidos, o núcleo de sua peça. Num olhar de esguelha, algumas pinceladas em branco, intui ser uma aura que ela representou, mais suaves e ternas, sobre a cabeça umas pinceladas mais fortes que entendi serem as idéias e os pensamentos do artista. Nesta aura, reconheço, sensível e intuitivamente, algumas coisas que já aconteceram, alfim a artista-plástica pintou o jovem escritor, estas coisas já estão presentes em minha vida, são os frutos colhidos ao longo destes vinte e sete anos, mas outras coisas não as posso reconhecer ainda, estão por acontecer, que, aliás, numa conversa que tivemos ontem, no Domingo de Páscoa, quando nos encontramos e lhe agradeci a amizade, o carinho, o amor, a esplendorosa peça que pintara, disse-me ela que estava certo na análise das pinceladas simples, em tinta branca, algumas coisas ainda iriam acontecer, ela sentia que se tornarão verdadeiras. 
 Chegando a casa, mostrando a minha doce-companheira-e-esposa a peça, a primeira coisa a ser comentada por ela fora, e não poderia deixar de ser, coisa que qualquer pessoa observa só de me ver pelas ruas, o meu orgulho, a incisividade de meu caráter e personalidade. Não há como negar: sou orgulhoso de estirpe e raça, por que não tenho nenhum sentimento de ridículo, de pernosticidade, é o que me identifica, e é com este orgulho que faço os caminhos de minha vida como homem, as veredas de minha vida como artista, como intelectual.
 De imediato, desci para o meu escritório, iria escolher um local para suspender a peça na parede. Escolhido o lugar, pensei em escrever um texto sobre este presente que recebi de minha amiga exatamente no Sábado de Aleluia, véspera da Páscoa, não apenas por mim, satisfazer todas as minhas vaidades, endossar a minha posteridade, imortalidade, eternidade, esta peça agora estar na minha história, no futuro ser objeto de “namoros” de meus leitores, de “críticas”, daqui a uns quinhentos anos, de buscas e mais buscas de arrancar-me de dentro para identificar mais profundamente as minhas letras, mas para tornar Martha Moura não apenas a minha grande e eterna amiga, mas para reconhecer-lhe os méritos de me aprofundar mais e mais nos conhecimentos de minhas intimidades e pré-fundas, de agradecer-lhe o seu carinho e ternura em pintar o meu retrato, e mais ainda por reconhecer-lhe a arte de mergulhar tão fundo no meu ser, “ser” que só seria mesmo revelado vinte e sete anos depois de tirada a foto, de mostrar tão intimamente as dimensões de meu espírito, de minha alma.
 As felicidades e alegrias são muitas, os orgulhos e vaidades não menos, mas a peça ainda mostra coisas que acredito só no futuro serão possíveis de serem vistas, de serem realidades insofismáveis, é uma obra de dimensão eterna, muito há a ser nela des-coberto e mostrado, e eu tenho de trilhar muitos caminhos e veredas até que o “ser” mostrado por Martha Moura seja identificado. De uma coisa eu tenho certeza, não me refiro a ser eterno, póstero, póstumo com a sua peça, mas que através de minha arte irei sim tornar realidade tudo o que a artista neste quadro mostra, que ainda estou começando a minha carreira, estou começando a minha verdadeira vida, dizendo de minhas verdades e realidades.
 Só tenho de dar um beijo muito carinhoso e terno em minha amiga, sem palavras, para lhe mostrar o quanto lhe sou grato não apenas pela maravilhosa e lindíssima peça, mas por todos os sentimentos que por mim nutre, por sua confiança em meus valores e virtudes, por acreditar tanto em mim, enquanto homem e artista, por todos os seus incentivos em todos estes anos de nossas relações íntimas e pessoais. “Muito obrigado, querida”, por esta peça tão maravilhosa e esplendida, estará sempre suspensa na parede de meu escritório, frente ao meu computador, à minha mesa de trabalho e artes.     

Manoel Ferreira Neto.

(28 de janeiro de 2016)

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