**LUZ PRATEADA SOBRE AS ÁGUAS** - Manoel Ferreira
Deve
ser ainda a luz a iluminar as águas, deixar-lhes à superfície as imagens
furtivas?!
Tudo
permanece em sossego, como um duplo silêncio. Se fosse indagar a fonte
originária das águas, andaria a terra inteira e acabaria no infinito; não
encontraria resposta que me satisfizesse o desejo de saber.
Num
ritmo de fascínio, assistir a luz prateada incidindo sobre as águas! Como
agradecer à luz que nos deixa os raios para iluminar o que se encontra nas
sombras ou na escuridão? Como ser fiel às águas que nos sacia a sede,
tranqüiliza-nos em instantes de angústia e tristeza, alegra-nos com a sua
caminhada serena e tranqüila rumo ao seu objetivo, encontrar o mar?
Deixo
que, à beira deste rio, caiu a noite não faz muito, a luz prateada da lua cheia
sobre as águas, me desabafe um poucochinho. Afinal de contas, quem ouve a
noite, olha a luz das estrelas, da lua, é confidente. Mais ainda. Quem reflete,
estando aqui, é mais confidente...
Não
é fácil ter algo a dizer todos os dias, todas as noites, sábados e domingos, dias
úteis e inúteis, de trabalho ou feriado... Há quando se é tomado pelo vazio,
nenhuma palavra se revela. Por isso, ao final da tarde, decidi largar tudo o
que estava dizendo na folha de papel branco, vindo ao alto da montanha,
sentar-me à beira do rio, deixar-me entregue à natureza. Antes, subindo,
pensava comigo esta atitude iria devolver-me as palavras que me faltaram,
deixando-me um nó górdio na garganta.
Você,
se me lê, tem que ter um enorme sentido no uso de sua liberdade, não deixar que
as palavras lhe penetrem o íntimo, embaralhe os seus pensamentos e idéias,
desejos e sonhos, mas lute contra elas, contra o que não está inscrito em sua
verdade, naquilo que sente ser o melhor caminho para encontrar a alegria. Pense
apenas que estas palavras são modos e estilos de caminhar, uma luz não a ser
seguida sem reflexão, mas para refletir os caminhos secretos que conduz ao
encontro com as pessoas, dispostas ao encontro com os homens.
Realmente
não há sabedoria como a do Senhor no evangelho. As palavras nele escritas são a
Verdade inconteste, e quem as segue encontrará a sua luz prateada sobre as
águas, encontrará o esplendor de sua vida. Nem há esperança, nem há
simplicidade, nem há vida como a do Senhor do evangelho.
Isto
que estou a dizer no íntimo, uma imagem de mim sentado à cadeira, diante dos
caminhos secretos que impulsionam os dedos na percurssão das teclas, são as
verdades que venho colhendo ao longo do caminho, às vezes de trevas, às vezes
de sombras, e com elas busco viver. Não são as de ninguém, de uma única pessoa
além de mim. Se me inspiro nas palavras de Deus, do evangelho, não significa
que se tornam a Verdade.
Sinto,
ouço, alegro-me, choro, revejo... todo o verbo que quiser, nessa passagem de
noite, sentado a uma pedra, olhando a luz da lua prateada incidida sobre as
águas. Desejo a única Palavra realmente “séria”, da qual todas as outras
participam, à medida em que salvam, fazem a verdade.
Não
vejo nenhum ser humano até onde minha vista alcance. Nem ao menos escuto o
vento. As folhas das árvores balançam sem som. No infinito salpicado de luzes,
no inverno, quem sabe ao in-verso dos sonhos, a noturna essência de luzes das
estrelas e da lua fornece alento ao viver, sustenta os caminhos a serem
seguidos.
Experimento
a intimidade. Antes, tendo largado tudo o que dizia na folha branca de papel,
aliás, dois parágrafos pequenos, os do início, percebendo não ser capaz de
continuar, faltavam-me as palavras, pensei que, vindo à montanha, sentando-me à
beira do rio, olhando a luz prateada da lua incidindo sobre as águas, as
palavras viriam todas vivas e presentes. Experimento a intimidade, ao invés das
palavras, e ela se torna, na verdade, o verbo de minha liberdade. Tenho, se
assim posso dizer, um “direito” sobre o íntimo, ainda que se negue, esfrie-se, fuja-se,
degenere-se, distorcione-se.
O
íntimo do verbo, uma vez vivido, não se apaga. Luz prateada que pode ser amor
que se propaga sem se consumir. Luz prateada que pode ser a vigilância e a
sentinela na dor. Luz prateada que pode ser o espirito no genesis da verdade.
Quem vive, ainda que por única vez, a luz prateada, se é na força e na
liberdade da verdade, conhece as águas que a recebem, ainda que não conheça os
caminhos por onde ela seguirá calma e serena. Águas que podem ser a graça do
batismo fazendo renascer a força da fé libertadora. Águas que podem ser o
silêncio de quem busca verdades no íntimo que, de algum modo, podem ser
anúncios de libertação do outro.
È
buscando a intimidade à luz prateada da lua, é nas águas que conheço o belo
silêncio obsessionado pela Fonte mais profunda. Onde o olhar sempre em
movimento entra em ressonância com os
mistérios da vida e morte, do universo e mundo, Deus me conduz ao desejo
fremente de tornar as palavras verbo, verbo que não sacia a fome e a sede de
ninguém, mas que faz desejar a água e o alimento para sacia-las.
As
palavras são as minhas perguntas de cada dia, sempre novas.
Daí,
é que acolho o que se me revelou enquanto estive no alto da montanha, sentado à
beira do rio – a esperança e, mais que a esperança, a certeza de que é na
intimidade que a palavra se torna verbo. Creio que a eternidade existe. Creio
que a eternidade é feita de eternidade e não de tempo. Creio que a eternidade é
estado de amor puro. Creio que a eternidade é estar sempre com e não sem. Creio
que a eternidade é só vida e nunca morte.
Daí,
é que recolho a mensagem a você, leitor,
se me lê: já refletiu, nesse mundo todo trevas, alguém lhe mostrar a luz
prateada sobre as águas, alguém lhe doar gratuitamente sentimentos de busca, de
completude, de paz.
Deixo
com você a minha paz. È paz que não é a que o mundo costuma dar. É a paz de
saber que o mais inóspito ainda se revela à luz prateada sobre as águas.
Manoel
Ferreira Neto.
(29
de janeiro de 2016)
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