À LAREIRA DO FOGO, A PROVA DAS CHAMAS DO MISTÉRIO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Nerto: METAFÍSICA DO FOGO
EPÍGRAFE:
"Uma
verdade madura... colho apenas das chamas do mistério, à lareira do
fogo!"(Manoel Ferreira Neto)
Hoje estendo
os braços para as samambaias do ocaso, para as orquídeas ao acaso, para os
crisântemos das coincidências, prudente apenas para tripudiar, para enganar o
inaudito como um moleque de rua deserta, jogando "figurinha" ou bola
de gude com o companheiro das pintações do sete. Hoje desejo ser solidário com
o que me dá náuseas, com o próprio destino não quero ser avarento. Só existe
uma única sabedoria com um poder infinito: a divina sabedoria da criação.
Minha alma
sedenta do ininteligível, desconhecido, com língua insaciável de nonsenses e
vulgaridades, já lambeu em todas as coisas insossas e ingustáveis, em todas as
pre-fundidades já mergulhou, mas sempre nada de novo para as nuvens brancas do
céu, por causa dessa alma chamam-me Pobre de Fé, Viperino das Utopias,
Miserável das Esperanças. Admiram-me tantos epítetos: não havia chegado a
tantas presunções, embora o pernóstico seja uma das características eidéticas e
aidéticas.
Rios
sagrados remontam à nascente. Os homens tramam pérfidas conspirações, e a fé
nos deuses já não tem raízes nos corações, os querubins não tem já asas, nas
imaginações férteis, os mitos clamem por uma in-vestigação da Verdade nos
âmbitos da Consciência e Liberdade. Em breve, a fama mudará de linguagem, e não
terá conosco louvores suficientes. O delírio da paixão arrasta-se por sobre os
mares, através das duplas rochas. O próprio pudor já levantou voo ao céu.
Nenhum
segundo, ainda que ínfimo, se passou desde a solidão de meus idílios compactos,
desde o silêncio da alma que refletiu no espelho a imagem da razão/vida, desde
o exílio que projectou na superfície do espelho a imagem do des-consolo e
anonimato. Nenhum pingo de chuva, ainda que pequeno, molhou o chapéu posto de
viés na minha cabeça, a mente sem nenhum pensamento, in totum vazia - toda
mente busca ser, ser é viver, viver é compreender, a compreensão alimenta-se da
beleza e da verdade. Longínquas paragens, através do profundo mar, pela
estreita passagem que abre a planície sem limite das ondas. Nenhum vento úmido,
nenhum orvalho de ternura e afeição, nenhuma chuva por mais rápida seja - uma
terra de só ensimesmado dia... fissuradas agonias e desesperos, melancolia de
trincar os ossos. Agora clamo, rogo e peço à minha ignorância, analfabetismo
que não se tornem inauditos nesse deserto insosso: derramai vós mesmos a última
gota de tristeza, gotejai vosso orvalho nas minhas vestes miseráveis, sede vós
mesmos garoa para a minha caverna ensombrecida, neblina para lançar seus flocos
na janela aberta ao tédio do céu luarado e estrelado.
Outrora
mandei as montanhas distanciarem-se o mais possível de minhas sendas perdidas,
veredas esgarçadas, esfiapadas - outrora sussurrei aos meus ouvidos "mais
raios de sol, ó sombras!" Hoje as seduzo, para que se aproximem de mim,
sentem-se ao meu lado e murmurem palavras de esperança: fazei luz ao meu redor
com vossos úteros de sentidos!
O mistério
das cousas? Sei lá o que é mistério! - todas as noções esvaeceram-se, todos os
conceitos eterizaram-se, realizei todos, não passaram de ledos enganos,
equívocos. O único mistério é haver quem pense, in-vestigue o mistério, é haver
questionamento sobre ele. A luz do sol é sine qua non, mais que os pensamentos,
o som da canção é fundamental, mais que a clareza das idéias. Por mais que por
mim enverede, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústias,
náuseas. Que mal fiz eu a todos os deuses? Tirem-me as metafísicas, o sued das
coisas vãs, o sotim das tramóias e inteligências das corrupções.
Gozo o
orvalho que me legam, a neblina que me dão, a neve que me cedem, a garoa que me
con-sentem, a alma que me deixaram nas mãos feitas concha, e nada mais
questiono, nem elucubro, nem urubuservo. O que deixar escrito no livro dos
peregrinos puder, relido um dia por outros, diverti-los também na travessia,
está bem. Se não o lerem, será bem também. Quisera fosse quotidiana esta
macunaíma de humor, muito além da preguiça, estado sentimental, emocional,
psíquico lerdo, lento, o que importam as coisas?
Desejo
ordenhar-vos, ó vacas das profundezas abismáticas do nada, ó mulas das
superfíceis da caverna no vale dos cáctus! Conhecimento morno como leite,
deliciosa garoa do clímax do amor estendo eu sobre o tapete silvestre do solo.
Fora, fora,
absolutas verdades abertas que insistem perpassar-me as entranhas da alma,
afora os ismos que sapateiam no solo, características píticas, mazelas que o
mesmo cristaliza! Não quero enxergar em meus picos verdades íngremes e
insolentes. Diamantizada de sorrisos e gargalhadas chegue hoje a mim a verdade,
pelos raios do sol melada de suor, pelo sentimento de êxtase e volúpia...
Uma verdade
madura... colho apenas das chamas do mistério, à lareira do fogo!
#RIODEJANEIRO#,
04 DE NOVEMBRO DE 2018)
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