#NO SILÊNCIO MORA A LINGUAGEM# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: FILOSOFIA
Antes,
todavia uma pergunta: para que incomodar-me com o silêncio e a calada dos
discursos? Não me incomodam, eles que se incomodam comigo porque me querem
des-velá-los, des-vendá-los, me querem conhecê-los, sabê-los.
O silêncio
não é algo positivo. É uma simples ausência que nega qualquer coisa. Esta
contestação não contesta nada. É um tiro pela culatra. É um murro em ponta de
faca. É que, ao determinar num dis-curso negativo o silêncio da fala, admito
implicitamente o seu vigor e concedo indiretamente a sua vigência nas línguas.
O modo de uma língua falar do silêncio é não rompê-lo e, para isso, calar-se.
Contudo, noutra instância, para calar, sem fala não posso impor silêncio.
Assim, com a
Linguagem, estamos imersos numa tensão de ser e realizar-se que não se deixa
amainar mas somente aprofundar. Sempre que uma língua busca, tenta falar de
suas possibilidades extremas de ser e não ser, é levada, forçada a recorrer ao
silêncio e a calar. Pois o discurso, que, no e com o exercício, recusa o
silêncio, dele se vale para poder vir a ser o discurso que é na fala.
Nestas
condições, admite-se o silêncio implicitamente no exercício, mas se rejeita
explicitamente no dito do discurso, assegurando-se que o silêncio é um nada
meramente negativo, a simples omissão ou ausência da fala.
Esquisitíssimo:
uma negação torna possível uma afirmação, um negativo possibilita um positivo!
Mas como isto é possível? Será mesmo que o silêncio só se dá porque se dá a
negação, o não e o negativo? Ou será, ao contrário, que só se pode negar, dizer
não e ser negativo porque o silêncio se dá, acontece e se impõe às falas?
Somos sempre
a propriedade do silêncio, embora só de quando em vez lhe pressintamos o vigor
misterioso, sem nem saber ao certo o que nos acontece. Assim, num grande
desespero, quando todo o peso parece desaparecer da existência e se obscurece
todo sentido, surge o silêncio. Numa grande esperança do coração, quando tudo
se trans-figura e parece nos rodear pela primeira vez, sufoca-nos o silêncio, a
ponto de perdermos a fala. Numa indiferença, quando distamos igualmente da
esperança e do desespero, e a monotonia das repetições estende um vazio, onde
se nos afigura dar no mesmo tanto a presença como a ausência das coisas,
impõe-se de novo o silêncio.
Desta
uni-versal-idade do silêncio dá testemunho toda experiência criadora da
condição humana. O vigor do silêncio é deixar ser o nada da realidade, em toda
realização de qualquer real. A fala encontra o viço mais originário deste
deixar ser no pensamento dos pensadores, na poesia dos poetas, na convivência
dos homens. Lao-Tsé nos reconduziu ao coração de nossas línguas, ao insinuar a
vigência do silêncio em todo discurso: "Falam-se palavras e se apalavram
falas/Mas é no silêncio que mora a linguagem."
No discurso
mora sempre uma esperança, a esperança de ser uma ponte entre os dois mundos.
Toda ponte realiza em seu ser um convite de travessia. Uma atração para passar
num sentido e no outro encoraja os passos das passagens. Não se trata de levar
os passageiros do tempo a mudar de mundo. Trata-se apenas de animá-los,
encorajá-los a não cessar de passar. E este movimento incessante não pretende
chegar a parte alguma. Nietzsche em "Assim Falava Zaratustra",
diz-nos: "O grande no homem é ser uma transição e uma passagem". Por
realizar-se no silêncio o homem é sempre um viajante. Não é para chegar que se
caminha pelos caminhos do silêncio nas falas. É simplesmente pela alegria de
saber o sabor da diferença entre o "ser e o nada" na aventura
criadora do sem-fim.
Na escolástica
medieval, sempre se discerniu entre tempus e aeternum, entre o tempo e a
eternidade. O tempo é a duração que começa, se descobre em sucessões e finda. É
segundo o tempo que dura o ser material. A eternidade realiza um outro modo de
duração. O que é eterno, nem começa, nem tem sucessão, nem finda. Sem começo,
meio e fim, é um puro agora concentrado. É o modo de duração do absoluto.
O homem fala
por não suportar o silêncio da realidade nas realizações. O senso comum diz:
"Falo para não ficar calado" É por isso que o silêncio constitui a
diferença entre ruído e fala, entre ruído e música. Um conjunto de sons, um
conjuntos de traços, um conjunto de gestos compacto e saturado, sem as pausas
nem os interstícios do silêncio, eis o ruído, sempre opaco, maciço e trancado
para dentro e para fora. Trancado para dentro e para fora! Não há saída.
A
recompensa, por se existir na ponte do tempo entre o silêncio e a fala, é
avançar sempre e nunca parar. Ninguém tem a verdade, a verdade não é ab-soluta:
ela se faz, re-faz, cria-se, recria-se, inventa-se, re-inventa-se no tempo;
então é estar sempre em busca da Verdade ao longo do tempo. Ec-stir é a
peregrinação do silêncio nas falas das realizações de um tempo originário. Não
há duvidar, sempre temos uma meta, sempre estamos no tempo, sempre seguimos uma
direção. Mas, porque está em jogo o "ser e o nada", cada passo de
nossa passagem pela ponte dos mundos atinge a meta, se dá no tempo e mantém a
direção. é a própria caminhada que constitui a meta, é o próprio caminho que se
faz direção, é o próprio limite que instala o tempo.
Existência,
caminho e ponte tornam, no silêncio, uma mesma unidade, a unidade da diferença
entre realidade e realização. Trata-se de uma unidade na diferença porque não
pode ser ou acontecer nem uma existência sozinha, nem um caminho único, nem uma
ponte só. Cada existência co-existe na construção de sua ponte e na caminhada
de seu caminho.
Se fosse
possível uma existência única, não haveria silêncio na fala das realizações nem
fidelidade nas caminhadas das diferenças. A diferença das identificações é a
coisa mais importante no silêncio da fala.
Na
perspectiva da língua, todo pensamento é um texto. Um texto é um sistema de
signos em que alguns sempre de novo recorrem numa cadência regular. Pela
regularidade os signos recursivos parecem desempenhar uma função hipotática e
por isso mesmo se nos afiguram palavras-chave de todo o sistema.
Uma leitura
poética renuncia de bom grado a "explicar" as poesias. Espera apenas
in-troduzir nas condições possíves de um encontro originário com a
trans-cendência de seu pensamento. Neste encontro a densidade da palavra
poética nos leva a superar o desnível e dualidade entre ouvido externo e ouvido
interno. A cada passo da passagem desta leitura fazemos sempre a experiência do
silêncio da fala. Nas poesias, toda palavra só fala por já não poder calar-se.
Silêncio da fala não diz, porém, ausência de palavras. Ao contrário, diz
vigência, tanto no falar como no calar, da diferença essencial entre língua e
Linguagem. Ler poeticamente a poesia significa também a-colher nas
peregrinações dos versos o vigor dessa diferença. Significa propiciar o diálogo
entre a escuta do autor e a escuta do leitor a propósito da realidade no
advento de trans-formações históricas. Trans-formações históricas, no entanto,
não constituem motivos para a poesia. A obra dos poetas não pode ser explicada
por nenhum motivo. Só se explica o que não é criador. O criador é sempre
inexplicável. Tocados pelo "coração intrépido" da poesia, todos os
motivos, quando chegam à obra, já deixaram de ser motivos, para se tornarem
versos de uma palavra poética.
Para criar,
os poetas não carecem de muito nem têm necessidade de grandeza ou de grandes
quantidades. Numa haste de relva silvestre descobrem o Infinito da Linguagem,
que logo os transporta para a Terra-do-Sem-Fim, a paisagem do pensamento e da
criação. Cada qual ao seu modo e estilo, ao seu modo e maneira, os poetas e os
pensadores, reconduzem para a Linguagem as ordens e desordens da história,
encontrando sempre a compertinência de homem e terra, mesmo num mundo de
alienações e dicotomias. Em todas as poesias e pensamentos, tentam construir vias
de analogia que aviem a festa da existência onde se combate o bom combate.
No
pensamento dos pensadores e na poesia dos poetas a presença criadora da
Linguagem, auscutando-lhe a palavra essencial no advento inesperado da verdade
na técnica.
#RIODEJANEIRO#,
13 DE NOVEMBRO DE 2018)
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