VERSO-UNO DE IMAGENS E DEVANEIOS: VIAGEM - Graça Fontis/Manoel Ferreira Neto.
Alguns olhos, não diretamente, por a luz do sol ser intensa neste início
de tarde, os raios fortes e amarelados, ofuscarem-lhes, mas de esguelha,
vislumbram da superfície das águas límpidas o céu de nuvens brancas e azuis, a
imensidão do universo. Não são olhos tristes, trazendo nas pupilas e retinas
seus sofrimentos mais íntimos, suas dores incrustadas no peito, clamando pelas
graças misericordiosas de Deus, possam eles contemplar as alegrias e
contentamentos, mesmo que por um ínfimo minuto, mesmo que vistos pelas frinchas
da eternidade, encobertas por algumas folhas de galhos dispersos.
Da superfície das águas limpidas
O céu de nuvens brancas
Tempo nublado, maresia
Frinchas da eternidade...
São olhos que brilham de felicidade, enfim sentem o que é isto de
estarem realizando seus sonhos, ideais desejados, queridos, sonhados, esperados
por todo o ímpeto e calor das entranhas e do coração, aliás surpresos por eles
haverem superado o que era esperado.
Contemplando o céu de nuvens brancas, a imensidão do universo, agradecem
as dádivas recebidas, um presente que nem sabem se merecem, se sentem
merecedores, não sabem como explicar. Sentem-se orgulhosos por haverem
compreendido que a proximidade e envolvimento com as águas, sentindo nos
corações a continuidade simples e harmoniosa delas em direção ao mar, no
absoluto das ondas e calmarias, restituiu-lhes a esperança necessária e
essencial para a tradução e compreensão do mundo e da vida.
Interessante é que algumas horas antes, sentado à grama à beira deste
mesmo rio de águas límpidas e nítidas, presenciei a vários rostos à superfície
destas águas, expondo os mais variados sofrimentos, dores, conflitos, devido a
inúmeras situações angustiantes e desesperadoras, eram rostos sem esperança,
sem fé de as águas passando por debaixo deles, através deles,
modificassem-lhes, tornando-lhes esperançosos, fazendo-lhes acreditar que, após
as tempestades, as ondas furiosas e ressacadas do mar, as águas tranqüilas
refletem as esperanças do abismo e das profundidades.
De imediato à contemplação dos rostos à superfície das águas,
levantei-me da grama e, caminhando com os braços cruzados às costas, com leveza
e simplicidade, ousando até dar chutes nos gravetos e galhos miúdos ao longo do
caminho-da-roça, de cabeça baixa, por me sentir em verdade triste e
desconsolado por aquelas águas outrora serem sagradas para mim, refletirem os
sonhos e esperanças da espiritualidade, do espírito da vida, da paz, da
misericórdia, e, acima de tudo, da limpidez do sentimento de que o amor só vive
de entregas e doações e, de repente, tudo se modificou, tudo se transformou,
tornou-se imagens de melancolia, nostalgia, de sofrimentos, de que a humanidade
empreende seus passos na escuridão, nas trevas, a luz à soleira dos ventos que
chegam de leste e oeste é apenas um modo de continuar a andança, o que é
sobremodo triste; o que contemplei foram rostos sofrimentos, olhos dispersos
nas névoas de todos os séculos, na neblina de todas as décadas, na garoa de
todos os milênios, clamando, clamando, e ninguém ouve o seu grito e pedido de
misericórdia...
Ah, humanidade, só lhes peço o mais íntimo perdão por as palavras só os
séculos mostrarem as verdades que nelas habitam, mas o desejo a cada indivíduo
no meio dela a felicidade, a paz, a proximidade com Maria, a Maria a quem
oramos em todas as igrejas, embora não saibamos, perdemo-nos no labirinto
efígies sagradas das promessas e nunca realidades, mas em que sabemos podemos
deitar as cabeças em seu Peito, a misericórdia e o merecimento são de Seus
filhos, a quem seu Divino Filho amou, entregou-se inteiro, o sacrifício da
Cruz, após andar sobre as águas.
Sentei-me, então, em outro lugar, à beira do mesmo rio de águas
límpidas, este rio que não tem margens, que não tem pressa, se as tivesse, não
seria mais um rio simples em direção ao mar, ao absoluto, mas um rio envolvido
na oratória das hipóteses, interesses, investigações de nada, e não na
escutatória das verdades que se aproximam da Verdade, pois quase muito poucos
saber falar, e ainda poucos destes são dignos de ouvir a voz do silêncio que
habita o peito de cada indivíduo, um rio envolvido de filosofias, de idéias
construídas pela mente e pela razão.
As afeições plenas de universais carícias
Surgem da carne,
Sou levado ao clímax da contingência,
Onde as elaborações todas consumam
A individualidade íntima do amor.
As tristezas vão dançando o ritmo suave
Das melodias das resistências de deixar
O caminho livre para as manifestações interiores.
A alegria passeia lenta e nítida
Nos sentimentos duradouros:
O homem segue o itinerário de sua realização.
Vem surgindo, em princípio, no fundo de uma neblina leve e transparente,
o gosto de ser afetivo e humano. Uma aparição em nível do universal limite do
sensível. E já não só um gosto. Uma afetividade delicada e gentil que alcança a
antípoda do viver. Uma humanidade generosa e polida que atinge os auspícios da
vida.
Segue suave e límpida o itinerário das instituições sensíveis: o amor
sente a ternura simples de estar sereno e tranqüilo para o futuro. A emoção
terna do instante presente olha o gramado verde, o sol quente, o dia claro e
nítido: passeia por toda a sua imensidão e infinitude. Caminha firme e seguro.
Olhando para trás, só a imensidão continua. Interessa-lhe saber que é o
infinito que realiza e concretiza os sonhos.
Sinto a leveza no espírito; desejo-me perambular e aventurar os momentos
de tristeza e melancolia. Sou uma afetividade de arestas sensíveis; os
investimentos vão burilando o viver. Prazer é uma sensação de estar divertindo
a correr leve à beira-mar, a água molhando os pés, os olhos faiscando
tergiversa-se por todos os cantos do horizonte. A música suave de eternidade
vai tecendo os límpidos sentimentos de viver a sintonia do ritmo dos instantes.
Correndo de braços abertos de lados contrários para o abraço terno e
afetuoso.
O ritmo das sensações plenas de ardor e carícias vai desfilando no amor
suavidades, derramando nele lágrimas contundentes de paz. O itinerário do ritmo
vai de um paradoxo à profundidade essencial. As partituras da felicidade são as
alegrias desfilando à mercê das nuances do espírito de amar e ser um indivíduo
que segue o seu rumo em busca de realizar sua intimidade. Na moldura do tempo,
a imagem desenhada, pintada do arco-íris no céu, uma mulher ascendendo-se em
direção aquele instante de cores e brilhos.
O som de uma suavidade
Vai eternizando e afagando todas as emoções
De estar passeando no interior do amor,
Amor de fórum intimo.
O íntimo pleno e repleto de limites,
Os mais gostosos e deliciosos,
Caminha em passos simples, quase em câmera lenta,
Em direção à plenitude de ser singular.
Amar segue paulatino as nuanças de sentimentos paradoxais, investimentos
sensíveis, reações emocionais. Sou um sentimento lívido, viajando nas
realidades do íntimo, perfazendo as veredas das sensações. A alegria habita no
peito; perpassa o buraco de agulha da sensibilidade. As meiguices plenas de
eternidade sensível tornam a vida um simples ato de sentir.
Já bem tarde
Quando a noite desce
Sobre cumes, montes,
Relvas e pantanais,
Vejo-me envolvida
Aos aromas silvestres
Dos campos e planícies
Ouvindo terno prelúdio
E um longínquo e solitário som
Da queda d´água na cachoeira.
Admirável!...
Invejáveis as proezas da natureza!
Quisera adormecer sob o luar
Imaginar como numa flor
Pudesse transformar-me
Ou mesmo na gota de orvalho
Que umedece a grama tenra
Transformada em leito
Em plena noite de luar.
Na penumbra observo estrelas
Desnudo minha alma
Mergulho-me no átimo poético
Grito eufórica num misto
De felicidade e alegria
Quiça espécie exótica
Revelando-se a mais bela
Neste quase habitat afrodisíaco
Ali... Longe de obstáculos,
Dogmas e preconceitos
Voei... Viagem cósmica
E sem regresso
Levando na minh´alma
Toda beleza e o amor sintetizados
Neste mundo imaginário
Sem fronteiras.
A temperatura modificou-se por completo. Antes, pela madrugada, o vento
estava bem agitado, ouvia-se nítido o sibilo que trazia em seus redemoinhos na
passagem entre as montanhas e serras, ouvia-se nítido um vento frio, o sibilo
dele; pela manhã, estava um vento frio, o dia ensimesmado, deste que se anda
com as lembranças e memórias à superfície do corpo, dos ossos que nunca
emagrecem, das cinzas, dos sonhos que se revelam destas cinzas e se tornam a
semente de todos os ventos e de todas as brisas suaves, das realizações e
sentimentos reais de merecimento e de eternidades.
Por que os dias de inverno passam como um instante, a noite se aproxima
leve e tranqüila, numa alegria e numa ventura inesgotáveis, e, quando a aurora
lança pelas janelas seus raios cor-de-rosa e a madrugada clareia o quarto com
fantástica e luminosa luz, porque o olhar sonhador, fatigado, exaurido se atira
nos horizontes longínquos, e adormece com os haustos da respiração pelo
entusiasmo e com um sofrimento tão langorosamente delicioso no coração.
Se a minha mão alguma vez misturou o mais antigo com o mais recente, a
água com o trabalho, o fogo com a arte, como não hei de estar ansioso pela
liberdade, sôfrego pelo brilho resplandecente do anel de ouro: como não hei de
sentir correr por mim como um rio por seu leito, e lá fora um grande silêncio
como um deus que faz a sua sesta?
Abro as mãos ao tempo oportuno, e procuro, sem cessar, a misericórdia
que me envolva para sempre. Esta alegria e resplendor que trago na alma, no
espírito, desde há séculos, percorre cada centímetro do longo vale sobre o qual
vão o corpo e a mente em sintonia com os passos caminhos do eterno. Também
agito segredos e enigmas da minha imagem, e o sibilo do vento, que as folhas
cobrem de som, despe-me do pensamento. Vagas de sol, despencando-se no vôo da
Águia Celeste, ricocheteiam brutalmente sobre o campo circundante.
Tudo se cala perante o som; lá em baixo, reduz-se a imensa massa de
silêncio, que ouço sem cessar. Fico atento, alguém corre em direção a mim na
distância, minha alegria cresce, a mesma de antigamente. Uma vez mais um mistério
abençoado ajuda-me a compreender o sentido de todas as coisas. Pensar é
essencialmente errar. Certamente não o sentido de nossas tristezas, nem sempre
muito acalentadoras. Certamente não o sentido de nossas dúvidas, nem sempre
capazes de nos levar à esperança livre. Certamente não o sentido de nossos
medos, nem sempre capazes de tornar topia as nossas utopias. O espelho reflete
certo, não erra porque não pensa. Errar é essencialmente estar cego e surdo.
A luz do sol iniciou-se a insinuar-se nas efígies sagradas de outrora,
estremecendo de loucura, mas a promessa de lucidez resplandecia de suas
essências e esperanças, e no silêncio se revelam plena de verdades que se
dirigem à Verdade, de manso e, em pouco tempo, os raios luminosos evidenciaram
as cores e tonalidades da natureza.
Outros olhos, diretamente, por a luz do sol não lhes ferirem,
tornaram-se insensíveis devido às inúmeras e sofríveis imagens e realidades do
sofrimento e das dores e angústias, de frente, olham da superfície das águas
límpidas o céu carregado de nuvens plúmbeas, algumas ensombrecidas. São olhos
que trazem nas pupilas e nas retinas seus sofrimentos mais do âmago, clamando
pela compaixão de todos os homens e da humanidade, possam eles contemplar a luz
que se reflete nos espelhos nítidos e límpidos,
as cores que se multiplicam, esplendor e brilhos e cintilâncias,possam
sorrir por mínimo que seja o esboço nas maçãs do rosto. São olhos de esguelha,
de soslaio, olhos sem brilho, olhos que envelam os profundos abismos da alma.
Aliás, os olhos que de quando em vez brilham mais intensamente,
apresentando passo a passo intensidades diferentes, tonalidades outras, fixando
as palavras na tela do computador, tão expressivamente, traduzem sentimentos,
emoções, intuições, desejos, vontades, ambições, quimeras, sonhos, traduzem
alguma coisa que brilha lá dentro, lá muito ao fundo de outra que não sei como
diga, para exprimir uma dimensão de uma imagem que é esplendor, que é
resplendor, que é instante de entrega plena à ascenção, a busca das cores
íntimas que habitam os sentimentos, emoções, e as razões não não senão que o
resplendor habita a imagem, a poesia, a prosa esplendem o resplendor da imagem,
verso-uno, os sonhos dentro das esperanças, dentro de outras esperanças, dentro
de outras esperanças.
Beleza e amor sintetizados.
Comentários
Postar um comentário