|**SEGREDO DE SENTIMENTOS DELICADOS**
[Do lat. fenu, por via erudita.]: Erva ceifada e seca, para alimento de
animais.
[Do v. gr. phaínein]: 'Brilhar', 'aparecer', 'fazer aparecer', 'fazer
ver': fenótipo.
Como podeis, excelentíssimo senhor, observar do latim, por via erudita,
ao verbo grego, há diferenças de sentidos, significações.
Quando dissestes iria almoçar na pequena cidade de Curralinho com a sua
namorada, lembrou-me do que se come no curral, dizendo-lhe: “O feno deve ser de
boa qualidade. Nunca fui lá, mas tenho notícias de que o feno é muito bom”.
Olhastes-me irreverente, replicando: “Vou levar sua mãe para almoçar comigo.
Ela adora um feno”.
Não tinha o que responder, aliás, estávamos num clima de brincadeira e
intimidade próprio dos amigos. Confesso-lhe que pensei olhar no dicionário a
origem da palavra. Nem sempre tenho vontade de fazê-lo: tenho sim desejos de
certificar-me do sentido das palavras, muito pouco as origens me interessam, o
que deveria.
Vós estais tão eufórico com a namorada, nessa idade de mais de oitenta
anos agis como se estivésseis encontrado a primeira namorada, num estado de
êxtase sublime, o primeiro amor. Aceita com prazer, volúpias e êxtases as
sonsices dela, aceita dormir com um cachorro entre vós e ela, e ainda tudo o
que ela diz é a verdade insofismável, que vós cantais em todas as óperas,
recitais. Não fala de outra coisa senão dessa namorada. Aliás, há quem comente
a sua euforia, êxtase com essa namorada. Fez ela uma festança daquela para a
comemoração de vosso aniversário, pratos muito especiais, e apareceram na festa
poucos convidados, e toda aquela iguaria alimentou-vos por mais de uma semana.
Desculpai-me a ousadia, mas não penso que estejais apaixonado. Vós não
sois homem forte como mostra a todo instante, a partir de suas irreverências,
polêmicas. No fundo, sois homem frágil – compreendeis bem o que estou dizendo:
não me refiro a ser homem fraco, isso não.
Vós estais com medo da solidão, e ela em algumas circunstâncias é
inevitável, e vós estais a viver estas circunstâncias. Muitíssimo comum, sendo
homem frágil, a solidão haver entrado pela porta da frente, sem qualquer pudor
ou pejo, encontrado uma mulher – aliás, ela é o segredo de sentimentos
delicados – estar se sentindo apaixonado, e o símbolo essencial é o desejo de
brilhar, aparecer, fazer ver, e vós, caríssimo amigo, tendes a engenhosidade e
arte de fazer ver o homem forte que sois, estais a superar com dignidade os
sofrimentos que a vida impinge sem dó nem piedade, as dores que habitam fundo
diante de algumas realidades inevitáveis – falais a todo momento nessa
namorada, mostrais o nível altíssimo de sua paixão, de sua felicidade.
Amigo, deixai-me ressaltar vez por todas que a intenção não é a de
crítica à sua personalidade, caráter, ética e moral, para finalizar, mas
mostrar o que se esconde atrás de uma brincadeira de amigos pessoais e íntimos.
Apesar de que assim vós se me revelais, não se trata de crítica. Digo-vos, até,
que estou feliz e alegre por estar tão eufórico, isso é muito bom para vós,
mas, amigo, transformai este segredo de seus sentimentos delicados, eles são
reais, e se vós permitis que se aflorem, será uma semente de muitos frutos.
Aparecei-vos... Fazei-vos aparecer, brilhai-vos... Não se esqueçais de
que já me dissestes não ser homem que adora as luzes da ribalta. Está aí algo
estranho e esquisito: dizendo tanto de haver encontrado a mulher de seus
sonhos, um novo amor de sua vida, está a transformar e mudar a vossa vida, o
desejo outro não é senão o desejo de aparecer. A fragilidade, amigo, o medo da
solidão que vos habita.
No fundo, quer e deseja de seus amigos as atenções todas. Há quem vo-las
entrega de bandeja, as mãos estão vazias de tanto doarem, entregarem,
compreendo e entendendo as necessidades, e sendo vós homem querido e estimado
por muitos recebeis a todo instante. Se há quem não vos entregais em mãos o que
estais a necessitar, isso pouco importa, se é que de alguma forma, com um
milagre, coisas nesse gênero, número e “degrau”, importa. Não interessa, em
verdade.
Fugas não existem, existem passos adiante a partir da consciência, e
quem sabe muito íntimo não esteja eu desejando mostrar-vos o que em mim habita
por vós, a vossa consciência da solidão e sofrimento, dores muito íntimas é
importante no seu processo de estar com as luzes da ribalta brilhando sobre os
seus cabelos brancos.
Somos diferentes, amigo, apesar das muitas semelhanças de caráter e
personalidade. Houve sim momentos cruciais e pujantes na minha vida, tive de
aprender a custo de muito sofrimento a conviver com a realidade que se me
anunciou e apresentou pomposa e prepotente. Decidi-me por ser quem fizesse de
mim, a partir de uma continuidade de sentimentos delicados, o cuidado pelos
sentimentos e emoções, pelas dores do corpo e da alma.
A solidão é real, independe do desejo e vontade, mas sou quem a faz, de
acordo com as minhas fugas, medos, e não era isso o que me sustentara a vida,
fizera-me viver. Não foram fugas e medos que deram continuidade a minha, foi
uma esperança de algum dia brilhar, aparecer, fazer aparecer, uma esperança sem
limites de alienismos e consciência, algo que só agora compreendo
perfeitamente, apesar de que as letras me faltem para as definir, esclarecer,
conceituar – a compreensão nítida e real de ser quem faço de mim.
Se vos dirijo a palavra nessa missiva, sendo, ora, uma e trinta e três
da manhã, estando, enquanto vos escrevo, a tomar uma ótima branquinha, é para
vos mostrar o que sinto por vós, os sentimentos e emoções que me habitam com
nossa relação, e para identificar a “interessância” – que termo esquisito e
estranho que acabo de criar, no meu analfabetismo inda não li em qualquer dos
autores que tenha lido, quem sabe não exista em nosso mais querido escritor de
todos os tempos, o Rosa, lá de Cordisburgo – disso de uma brincadeira,
Curralinho, dez minutos de carro próprio, e no curral o alimento dos animais é
feno.
Tive a curiosidade de olhar no dicionário a origem da palavra “feno”, e
o que descubro, integrado ao cristal um diamante, que se me anunciam o segredo
de sentimentos mais íntimos e espirituais, apesar de que, sendo quem vós sois,
compreendeis a questão de nas letras, como na vida, é imprescindível dizê-lo,
haverem a representação, criação, re-criação, e tudo isso que estou a dizer-vos
esconde segredo se sentimentos além desses delicados que vos confesso nesse
momento.
Aquela nossa conversa, aliás, iniciam todas com brincadeiras e terminam
com as mesmas, dera origem a algo que penso ser imprescindível: a curiosidade e
o cuidado, termos, não obstante, tema e temática de nossa teologia
pós-contemporânea, e vós, tendo voado tantas vezes por sobre mares, florestas,
selvas, podeis compreender a profundidade do que vos anuncio...
Manoel Ferreira Neto
(06 de setembro de 2016)
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