**GRANDE BANQUETE DE FESTA** - Manoel Ferreira
Todas as vezes que me ponho a falar da busca de
levar uma taça à água das fontes – onde com um apelo profético ou evangélico
viso conquistar um caminho aberto para a alma, sem contrapor nem sobrepor a
esse amor quaisquer esperanças do futuro – que emana do próprio solo a cada
passo que dou no campo, em direção ao secular e milenar de mim, onde tem raiz todas
as árvores frondosas – cujos frutos são os sonhos que afago e amo, sinto que
alguém olha-me de soslaio, de esguelha, um sorriso muito mal esboçado no rosto,
mostrando e identificando um questionamento, uma pergunta, acerca do que estou
desejando significar com estas palavras, pois que também sou homem e, portanto,
estou sujeito a todas as utopias possíveis, mas a mim não é dado censurar ou
reprimir aqueles que simplesmente se entregam ao mundo.
Todas as vezes que levanto a voz, e, sem dúvida,
ressoa bem aos ouvidos, pois que é rouca e altissonante, mostrando que sem
amor, abominaria o verbo que se faz carne – esse amor é travessia serena por
mais desesperança que eu abrigue, sinto que alguém se sente em absoluto
indisposto e insatisfeito com as minhas palavras, com o meu tom arrogante, com
a minha irreverência, considerando-me um homem desequilibrado, um homem em
desequilíbrio; teria sim de assumir o mais importante no mundo são os bens
materiais, são as pedras e jóias preciosas ostentadas no pescoço, nas orelhas,
nos dedos de ambas as mãos.
Oferecem-me estes homens a possibilidade de
aniquilar o tempo, de contemplar, simultaneamente, toda a vida passada,
presente e futura. Nos seus dedos, nas suas mãos, fazer eu a experiência de
quanto careço do pecado, da volúpia, da cobiça de bens materiais, da vaidade,
de quanto preciso até do mais abjeto desespero, para que consiga aprender a
desistir da minha compulsividade, impulsividade.
Todas as vezes que clamo contra a hipocrisia, a
maleficência, a falsidade, aí, sim, todos se levantam e me olham com olhos
brilhosos de raiva e indignação. Enfim, quem sou eu para lhes questionar as
atitudes, as ações, as mazelas, pitis, achaques?; quem sou eu para lhes dizer
que estão eminentemente errados, que estão sendo arbitrários consigo mesmos, e
que irão se arrepender, aquando perceberem que diante de si não haverá um
ínfimo de solo a ser pisado?
Não sou ninguém. Em verdade, dizem eles, também
tenho as minhas hipocrisias. Não as quero assumir em mim, então, em sinal de
defesa própria, identifico-as nos outros. Se não procuro conviver com a
realidade frente a frente, se não procuro afastar as dores mais contundentes, é
por pura fuga – quem diz que julgo ser uma fuga?
Não, Não julgo isto. Um mover de olhos faz
desmanchar as máscaras, cair um inimigo, exerce estratégia pronta, com algum
acréscimo dos ouvidos que, se não ouvem a longa distância sussurrar de vozes,
murmúrios de lamentos, desnorteiam juízes e promotores, os mesmos olhos
perspicazes seriam compadecidos, e correm a rir aos débeis, a gargalhar aos
ofendidos e sibaritas.
Este mistério de viver, de ser homem, de
encontrar-me feliz e satisfeito, sente o desejo de conhecer no curso da jornada
a vagarosa caminhada. Por um lance de dados, quando acredito que nada pode
causar-me surpresa ou construir instantes de suspensão, sem nenhuma arrogância,
de sentido, de interpretação, uma janela mostra outra imagem de um homem com a
brecha de seu desejo impossível, para ser o lugar concreto nas encruzilhadas
recorrentes de tempo e espaço.
A minha alma será saciada, como em grande banquete
de festa. Os jardins de rosas brancas, de todas as flores as mais variadas
possíveis, as lágrimas (quando contidas), as partidas e as lutas são para
amanhã. No âmago do dia, quando o céu abre suas fontes de luz no espaço imenso
e sonoro, todas as alegrias se assemelham a sonhos e utopias.
Será que estou cedendo ao tempo avaro, às árvores
nuas, ao inverno do mundo? Mas é precisamente a nostalgia da palavra,
melancolia do verbo, que emocionam o coração e faz o espírito vibrar de emoção
e júbilo que me dá razão: fala-me de outro mundo, meu verdadeiro reino.
O segredo que procuro descobrir está enterrado no
vale de oliveiras, sob a relva e as violetas frias, em volta de uma choupana
que cheira a tinta fresca. Noite e dia, falo, levanto a voz, clamo, e tudo se
inclina diante de mim, quem não se inclina diante de nada: surdo a todas as
vozes que me querem silencioso, que me desejam calado.
Talvez, quando estiver prestes a morrer de fadiga,
de esgotamento, e por que não de cansaço e ignorância, eu possa renunciar ao
túmulo espalhafatoso dos néscios para ir deitar-me no vale sob a mesma luz, e
possa aprender pela última vez que um fogo ardente penetrou-me no corpo
inteiro, e, quase sem forças para suportar, não houve outra alternativa senão
rasgar os verbos, dizer o que habita o mais íntimo de minha alma, de meu
espírito.
Com efeito, muitas das dores sentidas por mim
amenizaram-se, dando início a um outro modo de existir, e sinceramente sinto-me
bem. Uma alegria calma, humilde e, todavia, excessiva, invade-me como um
sangue, eleva-me sobre mim, sobre a minha tristeza, transfere-me a uma
evidência dominadora que eu respiro como um ar de alturas.
Penso e imagino que uma das tarefas humanas é
fechar e apertar muito os olhos, e ver se continua pela escuridão do quarto de
dormir o sonho avesso da ambição e da rivalidade.
Manoel Ferreira Neto
(Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2016)
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