**REALIDADE TOTAL DO HOMO FABER E HOMO SAPIENS** - Manoel Ferreira
Epígrafe:
If you had
the luck of the Irish
You´d be
sorry and wish you were dead
You should
have the luck of the Irish
You´d wish
you was English instead. (John Lennon, The luck of the Irish)
O dia que amanhece atrás de uma beleza incrível a olhos nus; indizível,
inverossímil. Beleza muda, silenciosa: a mudez de sentimentos lindos e breves,
de emoções belas e efêmeras; o silêncio da sensibilidade que anda em câmera
lenta num campo aberto, a perder de vista, numa grama respingada de orvalho da
noite: da emotividade que se senta ao portão de uma casa e fica a olhar para o
infinito, as nuvens brancas e azuis. Uma recordação irresistível e
magnificente: a irresistibilidade de olhos que se encontram numa noite
enluarada, a luz cheia, vermelha e amarela, numa conciliação de esplendor e
maravilha, numa conjugação de infância, inocência e ingenuidade; a
magnificência de esvaimentos que se aniquilam a si mesmos; magnificência de um
viver marginal do fantástico, que inventa a lei a que se submete. A memória de
um passeio ao final da tarde, subindo a montanha, pisando nos cascalhos, vendo
poeira nas folhas das árvores, folhas e gravetos secos no chão, árvores de
troncos enormes e raízes que se afloram do fundo da terra, a água cantante de
um pequeno córrego, a grama dançante, a dança de uma evidência que se faz
necessário escovar-se todas as manhãs; as manhãs perderão as cores e a vida
saindo da água, subindo a corrente das verdades às avessas, num silêncio mudo e
seco.
O dia está para além do corcovado, silencioso, radiante, esplendoroso:
de um silêncio indisciplinado e desordeiro, um pedaço de matéria escravizada,
submetida a uma ordem óbvia, mas o significado é desordenado, invertido,
re-vertido,ad-vertido, despido de caracterização, palavra, mensagem, conteúdo.
Realidade total do Homo Faber e Homo Sapiens. A palavra exprime e
expressa o humano e o sensível. A letra registra e imprime quem somos. A frase
descreve o sentido correspondente que pode ser exposto no coração puro, na
consciência evidente, na razão que diz a si mesma, na emotividade do homem bom
e honesto. O parágrafo narra a porção de harmonia possui os homens honestos,
sinceros, espontâneos. Disserta o homem jamais renunciará e resignará ao
sofrimento e à dor, ao caos da História Universal, em detrimento da História da
Humanidade. A sentimentalidade do amar apaixonadamente amado, ao carinho tenro
e tênue, à afeição madura e em plena civilização à harmonia sonhadora, ao
primitivo e à criança. A identidade filosófica e analítica de por baixo de
feições singelas e agradáveis.
Um tempo imenso estranho e estrangeiro. Há dias em que o sol parece ir
rachar o chão; um calor insuportável, seco, sem vento, suor escorre livremente
pelo rosto, inerente à vontade, tudo aberto, escancarado, de um extremo ao
outro. Tudo irá ruir muito em breve frente aos olhos.
O sol quer firmar-se. Não o fará. A sua claridade será por pouco tempo.
Aqui dentro, faz um pouco de frio. Esta pouca frieza permanecerá por todo o
dia.
Manoel Ferreira Neto
(26 de setembro de 2016)
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