**FONTES DE IN-VERSO VERBO** - Manoel Ferreira
Se vos dizem que único gole de vossa própria bílis vos deve ser mais importante
que toda a humanidade reunida em ato de fé, diante de iluminado tabernáculo; se
vos provam que único de vosso olhar é suficientemente capaz de tornar algo ou
alguém em pedra; se vos mostram que única gota de vossa própria gordura vos
deve ser mais cara que alguns milhares de vossos semelhantes; e que por tudo
isso, creio não haver mais o que acrescentar, encheria lingüiça ou estaria
desejando convencer os gênios da força do verbo que me habita, florescem e
desabrocham todos os valores, virtudes, responsabilidades e obrigações, outras
quimeras e fantasias, desejos e vontades outros, pré-conceitos, não há o que
contestar, não há o que ser feito, deveis admitir e aceitar, porque na natureza
nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, é de força da química. Talvez
não queirais, mais não seria algo a ser considerado e discutido?
Causa única da consciência é o sofrimento! Nem tampouco recorda a mim
haver declarado que a consciência, no meu ponto de vista, é verdade, deveria
tê-lo feito desde o início, é um dos maiores males do homem, o intelecto é o
mais prejudicial; sei que amais a consciência, venerais o intelecto, adorais a
razão, e por nada deste mundo ireis fazer barganha qualquer, ireis desejar
trocar a consciência, intelecto, razão, por satisfação, alegrias outras, por
interesse algum, seja qual for, por intenção nenhuma.
Tudo neste mundo se dirige para as mesmas mediocridades e mesquinharias;
e aquele que, para agradar aos que estão ao seu redor, com ou sem interesse,
tomado de amor infinito ou de falsidade eterna, não importa citar este ou
aquele como mais importante, e não por paixão ou necessidade íntima, se esgota
no trabalhar para ganhar dinheiro, honrarias, reconhecimentos, ou o que quer
que deseje ele, aquele que agir desse modo, diga o que disserem, há até um
agradecimento por dizerem, pelo menos dele estão a lembrar-se, é um louco.
A consciência é infinitamente menor que duas moléculas de hidrogênio e
uma de oxigênio, que formam a água, e o intelecto é infinitamente maior que
duas linhas paralelas que só se encontram no infinito.
Não adianta que homem razoável e de sangue frio se compenetre da
situação do infeliz, fracassado, inútil, desgraçado, e o exorte, se bem que
tendo sempre visões fugitivas, verdadeiros quadros que se esvaecem na alma e
espírito, antes de adormecer; seria o mesmo que um homem em pleno vigor de suas
faculdades mentais, junto a um insano, tentar fazer-lhe ver, tentar
identificar-lhe, enfim, transmitir-lhe, comunicar-lhe uma dimensão, mínima que
seja, de seu equilíbrio mental.
Considerai, senhores, muito embora isto vos possa sugerir algo de mui
absurdo, quando o espírito do homem é limitado, e como suas idéias e
pensamentos nele se fixam até que, atingindo o nível da paixão, lhe retiram por
inteiro a tranqüilidade, a faculdade de perceber e refletir, de intuir e
meditar, e o levam à perdição total.
A questão não é saber, pois, se um homem é equilibrado ou
desequilibrado, mas se pode aturar, suportar a medida de suas dores, conflitos,
traumas, medos, resistências, transferências, a medida de seu sofrimento, moral
ou físico, não importa.
Não sei se possa dizer dúvida ou o que acrescente mais, verdade é que
terminando o parágrafo anterior “não importa” havia escrito poucochinho mais
“que lhe é imposto”, remetendo-me à leitura. “Que lhe é imposto”, “que lhe são
impostos”? Concorda com o verbo aturar? Concorda com “aturar e suportar”? Não
soube responder. Preferi retirar, mas para não perder a anunciação do instante,
preferi tecer algum comentário chinfrim sobre a nossa tão querida e estimada
Língua Portuguesa, as picuinhas da gramática normativa.
Podeis dizer a intenção seja a de esbanjar conhecimento e intuição,
inteligência e sabedoria. Podeis dizer da prepotência e arrogância com que
digo, parece que estais querendo nos ensinar, para vós somos “analfas de pai,
mãe e Beto”. Posso aturar, suportar estas dores, as dúvidas da língua, as
desconfianças de vós sobre o que venho para. Não importa mais, se me fogem as
certezas, lanço mão de estratégias, ficando até mais saudável o nosso colóquio.
Os homens existimos para nos contrapormos, criticarmos, odiarmos. Isto é
mais retrógrado que a humanidade, mais antigo que ela. Quem sabe originário dos
papiros e hierógrifos? Pode ser. Às vezes as coisas são tão ilegíveis, dando
margem a outras interpretações e visões de mundo bem ruças de sentido e
significado. Assim, se não estava isto escrito nos hierógrifos, entendeu-se
assim, continuamos a nossa jornada. Não sabemos para onde. Se bem que sabemos
sim.
Percebeis o leve e sutil toque de ironia e cinismo, por haverdes
interpretado algumas “colocações”, não concordamos e nos é de direito a
réplica. A interpretação fora errônea, própria de vossos interesses e desejos
particulares. Preferirdes nos ensinar primeiro a falar, depois contrapor, por
os vossos ouvidos serem muito afiados. Atrás disso, lê-se palavras bem duras,
frias, grosseiras.
Se ainda sois quem não tendes dúvida alguma de nossa língua, posso
entender isto, os limites são meus, é-me bastante difícil falar em todos os
sentidos corretamente, aquela linguagem clássica e erudita. Não tive qualquer
intenção de uma lição nas entrelinhas. São recursos de que me utilizo sendo
necessário, e que posso ainda mais enriquecer o colóquio convosco.
Como se fosseis dizer a vós mesmos e a mim e a Deus precisasse de muito
cuidado:: porque o que dizeis pode comprometer muito os princípios e
dignidades. Às vezes, me parece que estou perdendo tempo com este colóquio, às
vezes me parece que pelo contrário, não há modo mais perfeito, embora inquieto,
de usar o tempo: dirigir-vos algumas palavras.
Esperar que entendeis, compreendeis...
Manoel Ferreira Neto.
(Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2016)
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