**FRONTISPÍCIO GÓTICO DA LUZ - III PARTE** - Manoel Ferreira
Epígrafe:
"Cada alma desesperada possui um útero de esperança que está pronto
a lutar pela realização dos desejos e sonhos, pela sobrevivência e
imortalidade..." (Manoel Ferreira Neto)...
Calo-me. Silencio-me. Emudeço-me.
No emudecer do silêncio,
Calo-me.
No calar do emudecer,
Silencio-me.
No silêncio do calar-me,
Emudeço-me
Levo um grito sufocado encravado num sentir emudecido. Impossível
“re”-tê-lo, “re”-presá-lo por mais tempo: domá-lo. Estilhaço-me. A palavra, se
em represa, é um murmúrio de arribas, compactos mistérios surrados de confins,
sussurro de confins, cochicho de alhures; se correnteza, brado, estampido.
Ando para a luz levando o fardo de desejos, esperanças de ver-me “ser” nas
linhas do espírito e eterno, esforço-me para não ruir, seco e falido. Fracas
possibilidades de letras reais nos sentimentos verdadeiros, de vozes
imaginárias nas emoções re-criadas, in-ventadas, esboçam-se e des-aparecem –
quase verto lágrimas pujantes! -, roendo entranhas, re-vezando mordaça, e a
escuridão em que tateio o trajeto arrasta correntes, mas sigo na busca
des-esperada de me ver sendo. Cada dia debulho uma letra de minha fala, perco-a
nos sonhos, e dou um passo para a distância. Breve me perderei no horizonte.
Emudeço-me no silêncio de calar-me.
Silencio-me no calar do emudecer.
Calo-me no emudecer do silêncio.
Uma sílaba do que digo se des-garra, rolando pelo chão que não é de giz,
mas de grafites em pó, gota de sangue de-(r)-ramado que não voltará à veia.
Verter lágrimas pelo sangue derramado?Imagino-me numa estelar distância no
branco da lua longínqua, nos raios fortes do sol. Ensaio o som uni-versal de um
sorriso.
Sou voz de olhares, ímpeto de pensamentos de ser, liberdade, de
espírito. Sou desejos de encontro, de sonhos e utopias do eterno do espírito
das linhas. Sou esperança de amor, entrega, do verbo no espírito das linhas
eternas. Sou espera, movimento, gota de chuva, lufada de vento, lua boiando na
noite, risco de estrela cadente. Sou a mão que delineia e burila letras,
sílabas, sons, que desenha os símbolos com esmero, signos com acuidade. Sou
tear na madrugada fabricando desejos plenos de espírito, de linhas eternas. Sou
eterno prisioneiro das linhas brancas que desejo preencher com letras de
esperanças, dores e sofrimentos, de verbos de fé, felicidade. E alguém me diz
sussurrando-me nos ouvidos: "Você é a medida de uma letra delineada e a
palavra que se id-ent-ificará depois. Sempre a medida. Continuamente..."
Sou a idéia de uma águia pairando sobre um abismo. E quando sou a idéia, sou a
águia. Sou pernas varando o tempo. Sol no rosto e um fardo colorido, a hora que
chega e se perde, mas re-torna com nova força. Sou o barro de minha terra na
sola de meus sapatos, poeira no peito deles. Sou nos recantos e auroras, cantos
e crepúsculos, sítios e alvoreceres, o composto de marcas sombrias.
Emudeço-me. Calo-me. Silencio-me.
No calar do silêncio, emudeço-me.
No emudecer de calar o silêncio, silencio-me.
Silencio-me. Emudeço-me. Calo-me.
Ando em busca da estrela que brilha na madrugada, do sol que raia na
manhã de nuvens brancas e azuis. Caminho pisando campos, trilhando veredas e
planto em cada canto que passo a verde esperança da flor de cactos. Nos
múltiplos úteros do chão, apanho o cristal que germina. As mãos unidas em
concha colhem água em qualquer fonte e afagam o broto que nasce nesta fixa
floração.
Escuto o cantar do galo, o cão ganindo no escuro, pio de pássaro nas
moitas. Descubro no boi berrando, no relincho dos cavalos, no zurro dos jegues,
no coaxar dos sapos, num lobo uivando na serra, um som recente, neste tempo que
varia como vento mudando o rumo quando a chuva se a-nuncia. Vou aprender no
campo o ofício das mãos que lavram as letras e verbos e vão perpetuando os
desejos do sublime, a vontade do eterno, a esperança do imortal.
Vou à procura da estrela que brilha na madrugada.
O poeta borda a palavra, verso a verso, alinhavando as estrofes de
sonhos, utopias, quimeras e fantasias, os ritmos de sentimentos de esperança,
amor, fé, a musicalidade dos desejos e da liberdade de ser, do ser-com-o-outro,
do ser-para-o-outro, do si-mesmo. O escritor tece com o amor do tecelão os fios
no tear dos sonhos e das utopias, numa inventiva criação de idéias e
pensamentos. Trabalho eu, poeta/escritor, o sonho imortal que me faz transeunte
sem peias da livre caligrafia. O poeta pesca a palavra da própria entranha como
se o corpo fosse o açude, e o peixe, o verso. O escritor expele a palavra a
todo sentimento e idéia de uni-versos de liberdade, a toda emoção e pensamentos
de horizontes de encontro com a Vida e Amor. A palavra e o poeta germinam da
mesma cova, e, juntos, vão no mesmo passo, às vezes em veredas diferentes, às
vezes em caminhos mesmos, porque um no outro se completam, multiplicam-se,
esvaziam-se.
Calo-me. Emudeço-me. Silencio-me.
Silencio-me no emudecimento do verbo calar.
Calo-me no silenciar do verbo/carne do emudecer.
Emudeço-me no verbo do silêncio.
Caminho nos pensamentos, esbarrando-me remotos dias. Reagrupo-me às
sombras; retrilho uma cena qualquer, viajo nos detalhes dos trajes, cores,
conversas, a eternidade das mãos troteando o corpo... Desvairado, rendo-me à
ficção da noite, perdida no irreversível. Enlouquecido, remedio-me das mentiras
da escuridão à luz dos postes. Disperso, rendo-me à realidade da aurora nas
entranhas de uni-versos a serem construídos.
Veredas... Fogo de bala, travessia, curiangos, aves pretas, flor de pau,
cascalho solto, faísca de ferradura. A noite é só tocaia, um descuido é
perdição, cachorro late-mordendo, cobra dá bote e esconde, burro coiceia e
refuga: “Viver é muito perigoso”. Grito, perdido na morte, doce riso, amargo
fim, viver é pré-liminar à cova. Passo curto, passo certo: Travessia.
O que me pergunto é: quem em mim é que está fora do eterno prisioneiro
das linhas? quem em mim é que está fora até de pensar? Se indago com tanta
efusividade é que, com sorriso nos lábios, olhos faiscando, alguém me dissera
sou eu a inversão, melhor ainda, a inversão sou eu nas re-versas ad-versidades
das ipseidades e facticidades.
A ressonância da pá-lavra per-corre soberana, con-tornando muros e
montanhas, escoando em ondas. Risco, arranho, demulo, penetrando alvos.
No miolo da noite, outra noite acontece, e o que era transluzente, aos
poucos escurece como ondas nebulosas, sufocando, envenenando, roubando o nascer
do dia, o re-nascer de outras palavras, horizontes e uni-versos. Meu passo é
ponto, meu corpo, fonte. Em que estrela aportará meu sonho?
Viajo no tempo que voa nas asas da imaginação. No momento presente, sei
o que foi, o que era, o que vai ser, o que será. Só não descubro o artifício
que me contorce nesse ponto/uni-verso onde me encontro passageiro das quimeras,
sonhos, fantasias, utopias. O próprio ser que me con-figura sangra ferido:
“viro longe no mundo, piso nos espaços, faço todas as estradas”. Num passo de
magia a terra vira, torna-se vida nas mãos de lira das linhas e espírito
eternos.
Restaram-me equívocas pétalas das palavras, diariamente nascentes, para
o nada obliterante do não-visível. O tempo se faz devagar, tateando símbolos.
Roucos ruídos, sugerindo amor às linhas eternas do espírito e das páginas de
sonhos e quimeras, penetram meu silêncio. E a flor de meus sonhos de ser segue
transcolorindo a tela vácua do horizonte, sem saber que ingratos olhos
distorcidos na distância são labaredas extintas, avesso riso, in-verso amor nas
versificadas sedes de encontro e vida, metrificadas fomes de liberdade e
ressurreição, ritmadas ilusões de con-templar o ser à luz do verbo, in-versa
distância nos des-lustres de ausência: (in)afeição que crio e nela própria
des-orvalho o re-verso lado da luz.
Calo-me.
Emudeço-me.
Silencio-me.
Emudeço-me no verbo/calar.
Calo-me o verbo/emudecer.
Silencio-me no verbo/calar.
Calar o verbo.
Emudecer o verbo silenciar.
Silenciar o verbo calar.
Deixai a canção nascer dentro de vós como rumor
de águas cristalinas,
nascer o cântico do amor
como um vento despertando as folhagens...
Não vem de supetão, vem de longe e de muito tempo.
Como é que tendes de súbito esta serenidade
de quem recebesse uma hóstia sagrada em plena desgraça.
Deve ser de versos que lestes e nem vos lembrais,
de telas que vistes, de músicas que ouvistes,
de sorrisos que percebestes nos lábios de uma criança,
de brilho que vistes nos olhos de um homem
que me contemplou com sinceridade e amor
Às vezes,
No chão do rumoroso deserto em que pisais,
brota o milagre da canção
no fundo da solidão inquietante
em que vós debateis
nalguns instantes
de vossa vida
nasce a verdade do Ser.
Manoel Ferreira Neto.
(20 de setembro de 2016)
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