**AFLORA-SE A BOCA-DE-LOBO** - Manoel Ferreira
Inteligência, sensibilidade, lógica,
percepção, visão além do imediato dado não são capazes de traçar o perfil - o
que ainda é elementar, não exige esforços inconcebíveis - dos homens. Dizer há
limites para tudo, nada consegue abarcar in totum as coisas, muito menos as
complexidades da vida, nada explica, nada justifica. Dizer a "natureza ama
re-velar-se e ocultar-se", re-vela-se para se ocultar, oculta-se para se
revelar é o óbvio. Poder-se-ia elencar inúmeras perspectivas e ângulos para
isto de não ser possível saber as razões da incapacidade de traçar o perfil dos
homens, quanto mais se mergulha mais mistérios e enigmas se manifestam,
mostram-se nitidamente.
Há quem se sinta orgulhoso, vaidoso,
superior a todos os valores sensíveis, culturais, intelectuais, como se dizem
na vulgaridade, "reis do gado", são insubstituíveis, são os Einsteins
e Newtons, seus nomes e importâncias figurarão até a consumação dos tempos,
mas, se in-vestigarmos com toda percuciência seus comportamentos e atitudes,
observaremos serem egrégios obtusos, dando margem ao pensamento e às
gargalhadas solenes e imperiosas: "Tanta inteligência e não são capazes de
uma olhadela, ainda que de esguelha, no espelho, deparando-se com a verdadeira
imagem que se lhes mostram." Eis, então, a suprema questão: "ser não
é mostrar-se".
Para enfatisar, para ilustrar isto,
poderia citar quem se julgava, pensava, sentia ser inteligência, sensibilidade,
conhecimento além dos simples mortais, insubstituível, chegando a dizer
explicitamente de suas importâncias, tendo havido situações que provaram com
excelência o contrário, não fizera a menor falta, não endossara qualquer
ausência. Aquilo de sempre: usara de subterfúgios, tramóias, tripúdios,
joguitos ridículos e medíocres para se posicionar ainda mais, para
identificar-se com mais transparência, nitidez, a inteligência e sensibilidade
não lhe mostrando tais metodologias não passavam de escusas, viperinas, só
mesmo para os adeptos, cúmplices e álibis possuírem sentidos e virtudes
incontestes, aumentando o cordão dos puxa-sacos, elevando com supremacia a fala
de Aristóteles, quando ele diz que os iguais se conhecem. As poucas
importâncias que possuía desceram pela "boca-de-lobo" a fora, nada
restando, voltando à primevidade dos nonsenses que era o seu valor inconteste.
É insensibilidade, é chinfrin-idade centrar-se num único ponto para tecer
considerações, para crochetear interpretações, análises. A inteligência e
sensibilidade consistem em não se centrar, em não considerar o único ponto, mas
trans-cendê-lo, ampliá-lo, deixar a carapuça servindo a todos, a origem da
análise no inter-dito, só mesmo a pessoa e os doutos sabendo de quem se trata,
"sabendo" é até força de expressão, tendo as suas dúvidas cartesianas
seria o melhor a dizer.
Se tal pessoa tivesse o que os
paulistanos chamam de "pedigree" para a percepção de que não são elas
que estabelecem e juramentam suas importâncias e dignidades e sim o
"outro", quando percebera com veemência não haver feito a mínima
falta, ficaria em silêncio meditando e refletindo seus modos e estilos de ser,
não usaria de metodologias escusas para angariar adeptos e cúmplices, não
fizera falta, não escrevera na tábua da contingência sua ausência, assim
manifestando a sua pura e límpida dignidade e honra. Assim são os solipsismos, os
egocentrismos, numa linguagem carregada de chinfrin-itudes, os que se acham.
Quando são destituídos de seus tabernáculos, precisam de adeptos, jogam com as
mesmas cartas do outro, as cartas da viperinidade. Não são eles, não são o
outro, são unica e exclusivamente "personas."
Seriam tais palavras - e, olhe, que
tiradas do fundo do baú - descrição inconteste do caráter e personalidade deste
"quem" se julgava, pensava e sentia ser insubstituível, o supra sumo
do conhecimento e da inteligência, tendo sido destituído de seu olimpo? Ainda
que eivado de todas as sabedorias uni-versais, tais palavras são simples e
efetivamente mesquinhas para descrever tal "quem", talvez no Hades
haja alguém que possa fazê-lo, alfim os iguais se conhecem.
Manoel Ferreira Neto.
(Rio de Janeiro, 11 de julho de 2016)
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