SOU A VOZ DA VIDA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: PROSA
Rouxinóis em
colóquios a intervalos, e ouço como voam sobressaltados de um lugar a outro. Um
rouxinol tentou instalar-se numa folha de mangabeira num terreno baldio frente
à minha residência, e, quando saí à porta, ouvi que se mudara para além, numa
antena de televisão, onde trinara uma vez e calara-se, igualmente em
expectativa. De que estava ele à espera?
Era em vão
que procurava acalmar-me: esperava e desejava algo, e não sabia, de antemão e
revezes, se seria realizado, até cria que havia possibilidade de não o ser, por
outras razões muito diferentes da que estava a imaginar; e isto me exasperava
sobremaneira, uma tristeza muito profunda perpassava-me as entranhas,
necessitando de algo que me despertasse a atenção para a vida, para as coisas,
para o mundo, enfim, para toda a eternidade.
Ao mármore,
pastas, sob o mármore, pasto serás, sobre o mármore, quanto tempo, não mais
sendo... quanto tempo, sob o sol, ficarás?
Entre
mármore, és, foste, serás: Com ele, por ele, nele, Os Extremos dos matizes
Esgotaste e esgotarás, Mesmo que in-vertas, Per-vertas, con-vertas... A ordem
natural das coisas...
Decorando-te
a noite o dia e enfeitando-se o dia a noite.
VERNEINUNG.
- “Ferirei o Pastor e as ovelhas se dispersarão”. - Ainda que todos se
escandalizem de ti, eu nunca me escandalizarei... - “Em verdade, eu te digo
que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, três vezes, me negarás”. -
Ainda que me seja necessário morrer contigo, de modo algum te negarei... “E, da
mesma forma, diziam todos, também!”
Querendo
negar, não negou: Verneinung.
No clímax da
saudade alegria não há, prazer não há, felicidade não há, não há sequer
miríades de ínfimas alegrias. Não há pecados, nem recados.
Sem querer
negar, negou: verleugnung.
No clímax da
saudade longínqua, num lugar que não há, sem distância se estendendo, se
esconde a razão da saudade em espaços não conhecidos, sabidos.
No
entretanto, na ausência de vento, a nuvem desce cada vez mais; tudo se torna
mais quieto, mais cheiroso, um cheiro de mato, de serras, de terra, e de
repente cai uma gota e como salta sobre a vidraça da sala de estar, onde fumo
um cigarro.
O que é
isto? Será, de verdade, a voz da vida que me questiona. Talvez não. E a voz
interior responde-me: “... sim, é verdade, sou a voz da vida...” Seja sim a voz
da vida, gostaria que me respondesse a uma única questão que me venho fazendo
desde que me entendo por um indivíduo. Responde-me: para que o sofrimento?
Olhando-me de soslaio, um sorriso nos lábios, as faces límpidas, dir-me-ia
“...à toa, sem finalidade...”. Só poderia ser ironia, sarcasmo, cinismo da
parte da vida, com certeza estava a fazer menos de minha inteligência, um
destes pitis de homens que estão prontos e acabados para qualquer
eventualidade, para as grandes coisas, mas em se tratando das pequenas são uns
fracos e covardes, sabendo de antemão que a resposta não poderia ser outra, a
vida é à toa...
Dolmens,
menires, cavernas abrigavam o homem primevo. O civilizado erigiu seu teto, de
variada forma, palácios, arranha-céus...
Valia-se o
primevo da água do mar, do lago, da lagoa, do rio, do arroio, da catarata, da
cascata, da bica. O civilizado trouxe a água
para a sua
casa...
Lá fora, de
dia, arde o sol. De noite, a lua e as estrelas, Com sua vacilante luz. O
civilizado trouxe a luz para a sua casa...
Ao amanhecer
do devir distintas pétalas brotarão flores selváticas nas sêmitas e trilhos por
onde contundir...
#RIODEJANEIRO#,
19 DE OUTUBRO DE 2018)
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