A POESIA ESTÁ GUARDADA NA ALMA DO POETA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: FILOSOFIA
Trans-cend-ência
e acontecimento, eis as duas dimensões do belo. Numa instância, produzindo em
nós o choque da Revelação do Ser, a arte rompe o curso da vida banal, sufoca a
falsa nostalgia do absoluto e des-cobre-nos o sentido religioso do finito.
Noutra instância, a nossa ek-sistência, dirigida para a Verdade do Ser,
experiencia a origem da história: a obra bela é sempre uma inovação, a tradução
do acontecimento criador que nos confia ao Ser. Também se compreende que a
linguagem poética seja o paradigma da linguagem artística, visto que ela é a
linguagem originária do povo que reconduz o homem ao começo da sua história.
O belo é o
Jogo da Verdade no jogo do mundo. A realização estética é uma criação, porque
dá um sentido à terra, fazendo comungar o homem do acontecimento que é a
irrupção da verdade. O artista também não domina o ato da criação artística;
ele é sempre ultrapassado pela obra. A criação artística trans-cende o criador,
vai além dele. Por esta razão, não é motivo de surpresa, quando poeta ou
escritor diz não conhecer sua obra. Ao pôr a obra sob o signo da Verdade,
recusa-se a concepção da arte pela arte ou a idéia duma obra que seria a
expressão objetiva do gênio individual.
Respeitante
ao nada e a arte do escritor, a escritora e poetisa, Ana Júlia Machado,
conhecedora profunda da obra, "... verbaliza que estimar letras impõe
abnegação, afinal, a literatura não auxilia para nada. De outro modo, nem tudo
carece auxiliar para factos: há realidades que despendem finalidade, que duram
somente para aformosear a existência, para apontar a susceptibilidade de quem
não se satisfaz unicamente com aquilo que é verídico. A arte, em comum, e a
literatura, em peculiar, são acções cuja dimensão habita nessa excelsa
“ineficácia”. A literatura é usufruto, é submergir no deleite que os textos
conseguem presentear. O deleite belo que as letras facultam convertem-nos mais
concentrados àquilo que é intangível, converte–nos susceptíveis aos
padecimentos do planeta.
Nas letras,
achará distintos itens sobre o dom literário, e os componentes que a
estabelecem, cláusulas que facultarão a qualquer ser, uma jornada para um
cosmos onde só os enormes espíritos conseguem contemplar."
A obra de
arte é uma produção da Verdade, por conseguinte, um des-velamento, ela é essencialmente
poesia, no sentido amplo do termo. A linguagem, com efeito, tem o papel
principal de libertar o Ser. Segue-se que toda a obra de arte é um caso de
linguagem poética.
Duas
reflexões guiam a obra de arte. No plano objetivo, a obra é diálogo entre o
mundo e a terra e a aparição do Jogo da Verdade. Por conseguinte, não há regras
estéticas que possam controlar ou dominar a livre expressão da beleza. Ou
melhor, todas as técnicas artísticas só se justificam se são empregadas a
traduzir o Jogo da Verdade. No plano subjetivo do artista, em seguida, a arte é
mais a experiência de uma superação de si do que o lugar da projeção das
possibilidades existenciais. Aquele que aprecia a obra bela não con-templa um
espetáculo; ele está associado ao ato criador do artista e ao des-velamento
histórico da verdade. Neste sentido, para nós, o crítico literário é aquele que
se associa ao ato criador do poeta ou do escritor e des-vela o Jogo da Verdade,
a plen-itude da Verdade.
A imagem ou
a re-presentação não é o elemento essencial da obra, visto que ela é
constantemente superada no Jogo do munto. O sentido da Verdade não se dissolve
na geometria do desenho ou nas relações puramente formais entre as palavras.
Quando no
alvorecer resplandecente a Natureza suspira, ouço os ventos que, silenciosos,
despertam as vozes dos outros seres, soprando neles, de toda frincha soam altas
vozes. Vozes sussurradas. Vozes cochichadas. Vozes murmuradas. Vozes
altissonantes. Algazarra, barulheira.
Sentimentos
outros en-viados aos horizontes pelas vias da paisagem do silvestre do campo,
grama inda respingada do orvalho, neblina da madrugada, pássaros sobrevoando,
trinando nas frinchas e galhos das árvores. Ao longe, águia voando serena,
tranquila.
Con-sintamo-nos
viajar na viagem do nada ao Vazio, con-templando a paisagem do horizonte, do
uni-verso. Somos enviados ao In-finito. Deixar a viagem ser este envio por
todas as vias da paisagem é a poesia dos viajantes.
O sentir
poético é a mola propulsora para o poeta. Ele não se preocupa o fazer poético
com a gramática do escrever, mas com o sentir na infinitude do universo,
passeando sua alma nas imagens sagradas das paisagens terrenas, transcendendo o
seu estado d´alma para o além do horizonte visto e sentido.
O discurso
poético se encerra na paisagem:
A Neblina
ora esconde, ora sopra ao “Eu poético” os caminhos nebulosos do NADA, rumo ao
INFINITO das Verdades e Incertezas do Ser; a paisagem silvestre traz o poeta à
realidade do Ser e não-ser; o Vento canta a melodia que anuncia a passagem do
Tempo, caminhando entre as montanhas...
A dança
entre o Ver do poeta e o Sentir do “Eu poético”; entre o Ser e o Não-Ser; O
Nada e o Tudo, O Finito e o Infinito; são os elementos em que resultam a poesia
propriamente dita:
“O pensar
que a-colhe a palavra, o sentir que a-colhe o in-finito - tentar redizer é
poesia, pensamento originário. Relação originária entre a poesia e o
pensamento, movimentando-se no Ser como dizer, o logos no sentido heraclitiano
e fundamental do homem e a existência, entendida na forma de compreensão do
Ser.”
O escritor
descreve sobre a irremediável constatação de que não há como existir poesia, a
não ser que existam o poeta e a alma poética:
“ Assim o
"eu poético" se a-nuncia, iniciando a viagem para o seu conhecimento
que só acontece com o exercício da prática poética, o escrevinhar poesias em
harmonia com o quotidiano das con-tingências.”
A poesia
está guardada na alma do poeta e é dela (alma poética) que depende o suscitar
do Belo!
O poeta é o
instrumento essencial para fazer insurgir o “Eu poético” à revelação do verbo
Ser.
Na busca
pelo Belo poético tem de haver, então, a Katarse entre o poeta e o “Eu
poético”:
“A
realização estética é uma criação, porque dá um sentido à terra, fazendo
comungar o homem do acontecimento que é a irrupção da verdade. O artista também
não domina o ato da criação artística; ele é sempre ultrapassado pela obra”
É nessa
comunhão que reside o Sagrado: O divino se manifesta no “Eu poético” e no poeta
a transcender à lógica dos recursos lingüísticos dominados pelo poeta.
Daí,
revela-se a Verdade! Caminhando no Nada, abstraindo o Tudo: A existência
divina.
E, neste
sentido da Caminhada no Nada, a artista-plástica(pintora) e poeta, Graça
Fontis, reconhece a Verdade inerente à dialética da Katharsis entre o poeta e o
"Eu Poético: "Onde o silêncio se faz voz numa reflexão passiva;
assumindo o lugar do nada aquém do advir, transforma-se literalmente numa dialética
suave à mercê do tempo que se arrasta preguiçosamente sobre mar, campos e
melodias, devaneando, feito em asas sobrevoando o todo à procura de algo ainda
que...um mistério dentro desse universo. ..corpo...alma...Ser?...",
reflexão que acompanha o escritor na sua obra, habita-lhe a ansiedade do
"silêncio puro" que revela a estética da criação.
#RIODEJANEIRO#
19 DE OUTUBRO DE 2018#
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