ALDEIA DE LÁGRIMA DOS INSANOS - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: ROMANCE
CAPÍTULO XII
- PARTE I
Ragozina
Neves deixou o aparelho de televisão ligado, dirigindo-se à varanda para
averiguar se Ratto Neves havia adormecido. Isto acontece com ele. Tem sono
leve. Não estava. Estava deitado na rede, fumando cigarro de palha, pernas
cruzadas, braços sobre o peito, olhando fixamente para a luz do poste que
iluminava a varanda que se encontrava com a lâmpada apagada.
- Querido,
você não vai dormir?...
- Não estou
com sono, Ragozina...
- Você está
com algum problema? Desde que cheguei da reunião, percebi que está um tanto
macambúzio. Conheço você, Ratto Neves!... Posso ajudar em alguma coisa? Será
por ter mandado o pregador ir pentear macaco? Você não tem costume de perder as
estribeiras desta forma – sentou-se a um banquinho de madeira debaixo da janela
da varanda – Achei pouco e bom você ter se irritado, chegando a ponto de lhe
mandar pentear macaco. Ele é irritante com o hábito de querer que as pessoas
troquem a igreja católica pela igreja presbiteriana. Não, os crentes são
insuportáveis quando decidem converter as pessoas. E há os que caem na lábia
deles.
- Não se
trata disso...
- De que,
então? Há algum problema que esteja infernizando sua vida? São as vergonhas de
tudo e de todos que estão corroendo a alma?
-
Ragozina... A vida, Ragozina!... A vida!... Que sentido tem, meu Deus? Nenhum.
Chegue à porta da caverna de Incitatus. Está lá deitado, dormindo o sono dos
justos, após haver percebido todas as coisas ridículas que nós as criaturas de
Deus vivemos no quotidiano, máscaras, futilidades, medos, vergonhas... Com
certeza, rira a todo tempo, até sendo possível que o sono seja mais pesado,
enfim, rir tanto cansa os brios e os calafrios. E nós, nós continuamos a agir
de forma ainda mais ridícula, e pensamos que com as experiências estamos
crescendo, tornando-nos ainda mais espíritos de luz. No entanto, estamos
enchafurdados na nossa miséria, podridão. Veio isto nos miolos quando estive em
pé olhando o Senhor Crucificado. Estava aqui lembrando de muitos acontecimentos
da vida, ridículos em que estive envolvido, inocente, puro, embora os
sofrimentos e dores. A vida inteira tentando esconder as coisas com todas as
chaves possíveis, e de repente luz no fundo da caverna, a Vida. O que foi que
fiz dela? Isso de todos que chegarem perto de mim vão passar o dedo no nariz,
este cheiro de merda no corpo, alma. O que é isto? De repente, a merda é que
conduziu a carroça de minha vida.
- Você está
deprimido, Ratto Neves querido... Para estar assim tão deprimido, alguma coisa
está acontecendo.
- É por não
acontecer nada que valha a pena viver que estou deprimido. Tudo é medíocre,
mesquinho. Há quando creio que a nossa comunidade lacrimense dos insanos tem
toda a razão quando diz que “só os ímpios lambem o resto da cocada baiana na
latinha”. Sabe que até hoje não entendo como foi criar este adágio, os Ímpios
não são pessoas que não têm sentimentos. Talvez porque eles queiram sempre
tirar vantagem de desgraças e infortúnios da natureza humana. Não sei. Isto não
importa. Importa é que o adágio serve para refletir no sentido da vida. Sou
homem honesto, cumpridor dos deveres. Faço tudo que posso para conservar os
bons valores da estirpe. E de que adianta tudo isso? No fritar dos ovos, só há
um lugar para nós, os sete palmos e terra por cima.
Lembrara-se
de outro acontecimento referente à vida estudantil. Costumava ajudar a mãe na
limpeza dos fatos de boi. A mãe tivera muitos pedidos e o tanque estava cheio.
Fora ajudar na limpeza. Esqueceu-se do horário da aula. Não deu tempo para se
trocar. Apanhou os objetos, saindo correndo para chegar a tempo de o portão não
ser fechado. Chegou ao grupo, escolhendo a última carteira no fundo da sala, no
canto. Estudava à tarde. Não estava molhado, mas o cheiro de merda estava
impregnado na roupa.
Se não está
enganado, isto acontecera tão logo a mamãe ganhara de alguém barraco de três
cômodos, estava caindo aos pedaços, mas dava para morar nele bom tempo. Tão
logo chegamos, a mamãe quis saber se tinha luz. Claro. Tentou acender uma.
Estava queimada, mas ela já havia se preocupado em comprar três, não quantia
grande, mas podia ser o café da manhã com pães e bolachas. Colocou-me no ombro
para trocar a lâmpada. Não se lembra do que sentira, mas alguma coisa assim
como estar trocando a luz da casa.
Manoel
Ferreira Neto
(OUTUBRO DE
2005)
#RIODEJANEIRO#,
11 DE OUTUBRO DE 2018)
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