PENSADOR E POETA QUE PENSAM A ESSÊNCIA DA POESIA# Manoel Ferreira Neto: DESENHO/GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: FILOSOFIA
EPÍGRAFE:
"A
poesia se faz entre palavras e silêncios. É belo de doer" (Chang-Dong Lee)
Mas como é
que se caminha pela essência do caminho?
Silva é uma
palavra antiga para floresta. Na floresta há caminhos que, cerrados de
vegetação, quase sempre se perdem de chofre no intransitado.
São os
caminhos silvestres. Caminhos silvestres são aqueles que, nos passos ordinários
de cada dia, nos abrem silenciosamente passagens extraordinárias para a selva
selvagem do pensamento, por onde o mistério de ser sempre nos faz passar, quer
com passos de filosofia quer com passos de teologia quer com passos de ciência.
Com as
dicotomias das seguranças e certezas, a funcionalidade havia reduzido tudo às
correlações de sujeito e objeto. Todos julgávamos já saber tudo de tudo: a
floresta, o atalho, o chão, o ponto de partida e o ponto de chegada, o porto, o
caminho, a caminhada, o caminhar, o caminhante, tudo não passava de meio para
um fim a serviço da atividade de um sujeito visando alcançar um objetivo.
O esquema
funcional, de atividade, meio e fim, escondia-nos a essência do caminho, que
vem do mistério e vai para o mistério da realidade. Agora tudo mudou. E não só
se fez novo, tudo se apresenta cada vez com a novidade da primeira vez. Todo
passo é uma aventura de originalidade; passeando pela essência do real, nossos
passos caminham pela originariedade de caminho, caminhar e caminhada. A
incerteza já não é somente ameaça. É também surpresa. E é esta ambiguidade que
nos faz nascer, com tudo que um verdadeiro nascimento traz consigo de
insegurança, medo, obscuridade, ousadia, surpresa e aventura. Aparece, então,
todo um mundo de coisas que antes nem podíamos ver.
O caminho
essencial será mesmo o caminho verdadeiro? É que a trilha conhecida se perdeu
no cerrado da vegetação. Estamos num caminho silvestre. O esquema de segurança
da funcionalidade desapareceu no intransitado da selva selvagem do pensamento.
Ao tatear em
busca de esteio para os pés e arrimo para as mãos, fazemos uma experiência
pretensamente excluída nos esquemas da funcionalidade, a experiência do nada e
do não saber. O desconhecido é um poço sem fundo. Quanto mais andamos, quanto
mais tentamos, tanto mais nos perdemos na perdição do intransitado.
O mistério
silencioso da floresta nos envolve numa paisagem inesperada, a paisagem do
verdor. É a essência da floresta que nos visita com a paixão da natividade.
Mas quem nos
dirá a dimensão temporal da Floresta? Seria preciso saber como a Floresta vive
sua idade avançada, porque não há, no reino da imaginação, florestas jovens. No
vasto mundo do não-eu, o não-eu dos campos não é o mesmo que o não-eu das
florestas. A floresta é um antes-de-mim, um antes-de-nós.. Meus sonhos e minhas
lembranças acompanham os campos e as pradarias durante todo o tempo da lavoura
e das colheitas. Quando se abranda a dialética do eu e do não-eu, sinto as
pradarias e os campos comigo, no comigo, o conosco.
No dizer de
Chang-Dong Lee "A poesia se faz entre as palavras e o silêncio..."...
Se no abrandamento da dialética do eu e do não eu, sinto as pradarias e os
campos comigo, no comigo, o conosco, a sin-cronia, sin-tonia, harmonia entre as
palavras e o silêncio faz-me re-colher, a-colher a paisagem na viagem da
tragédia do nada ao in-finito, A si mesmo encontra-se o homem tanto no soar da
palavra e na compreensão, que, com a rapidez do vento, tudo abarca, quanto no
silêncio que é a morada da palavra, as palavras têm o objetivo de revelar o
mistério do silêncio do qual elas se originam. A palavra que não está enraizada
no silêncio é palavra fraca e impotente como "um metal que ressoa, um
címbalo retumbante" (1Cor 13,I). Tudo isso só é verdade quando o silêncio
que dá origem à palavra não é o silêncio humano do embaraço, da vergonha ou da
culpa, mas o silêncio divino no qual o amor repousa em segurança. De seu eterno
silêncio, Deus expressou sua Palavra e por meio dela criou e recriou o mundo. A
palavra não rompe o silêncio, e sim revela a imensurável riqueza do silêncio
divino. Neste sentido, entre a palavra e o silêncio flora a poesia na sua
própria floração.
Na linguagem
e pela linguagem podem encontrar-se o poeta e o pensador, melhor ainda podem
encontrar-se o pensador e o poeta que pensam a essência da poesia. Esta, porém,
leva ao encontra do silêncio: não só o silêncio do poeta, mas do poeta que
encontra no próprio vazio e no silêncio a essência negativa da poesia, a
essência que não pode ser dita nem feita.
#RIODEJANEIRO#,
20 DE OUTUBRO DE 2018)
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