Ana Júlia Machado CRÍTICA LITERÁRIA, POETISA E ESCRITORA ANALISA O AFORISMO 335 /**MINÚCIAS DE UMA COMÉDIA, LOGO UMA FÁBULA**/
Este aforismo de Manoel Ferreira Neto, é bastante complexo de
analisar…mais uma vez à cata do Ser, sem limites….MINÚCIAS DE UMA COMÉDIA, LOGO
UMA FÁBULA…pois considero que a vida é uma insignificante farsa, um enredo…
Habitámos numa era, singularmente, atrofiada de consciência. A cultura
do controle e temor inundou o espírito no prosaísmo denso. E sem espírito
arruinamos o que existe de superior em nós: a percepção de quem somos!
A existência, ou o que percebemos como existência e ser, é uma pintura a
ser avaliada. A percepção e o espírito incumbem, no entanto, ao outro flanco
dessa pintura, incumbem ao mundo, ao cosmo, ao eterno.
A Erudição tem exibido que a substância não passa de oscilação de rasgo
em estabelecidas frequências e que tudo no interior desse chão igualado
partilha basicamente das mesmas miuçalhas, ou do mesmo campo energético. A
Erudição igualmente tem alvitrado que há mais espaço oco, ou vazio, no interior
da substância do que se considerava. Inovar os paradigmas dentro desses vazios de
esclarecimento, leva a inserir um novo esclarecimento e, assim, inovar nossa
circunstância da existência.
Parece que, para o ser humano é a realidade mais problemática de agir,
meramente encontrar-se consigo mesmo, porque nós possuímos uma repugnância
enraizada e um desagrado sobre quem realmente somos. Nós cremos que há alguma
coisa excessivamente desacertada!
Parecemos, naufragantes com esquecimento sondando e alojando o que
restou do azar aqui e ali mas sem poder recordar inteiramente quem somos ou de
onde viemos.
A verdade mais lancinante é que a humanidade foi consumada cativa de um
domínio superior. Um poder que nos ofusca para a existência do que somos e do
que é a existência. Um poder tão esplêndido e sedutor que nos causou edificar
toda uma rede arrevesada de relações corteses, um sistema sensivelmente
exemplar, chamada culteranismo, que nos aprisiona desde que emanámos a um
exclusivo modo de contemplar a existência e o planeta.
Somos conduzidos a acreditar naquilo que foi colocado defronte de nossos
olhos como ímpar explicação de existência exequível. Mais do que isso, somos
impelidos a magicar que o existente culteranismo é o aperfeiçoamento inato da
humanidade através dos tempos, elevando-se dos fojos à extensão astral por
procedimento ininterrupto e instintivo que perdura até agora e que decerto nos
acarretará a uma condição de existência superior através do aperfeiçoamento
técnico-social.
Nossa colectividade é uma dissimulação que espelha o nosso ego
extrínseco. Muitos de nós antepõem viver sob essas antefaces a existência
inteira, mas aquilo que somos efectivamente, como nos enxergamos pessoalmente,
encontra-se sob essa carranca civil. A pluralidade de nós não acha vantajoso
tirá-las e habitam toda sua existência representando nesse estrado,
rigorosamente como faziam os idosos comediantes gregos de hipocrisia,
alcunhados hipócritas.
A Realidade sobre nós, a existência e o planeta que edificamos acha-se
sob as dissimulações que arquitectámos, extraí-las, traduz encararmo-nos como
somos. Sucede, que a pluralidade de nós não suporta permanecer a sós consigo
mesmo. Alguns aprovam o mundo e sua aragem, outros, enjeitam a condição do
mundo porque enjeitam a si próprios, mesmo sem erudição.
Nossa História é uma trama bem enredada onde domínios, dirigentes, povos
e comunidades, idealismos e filosofias, seguem-se em colisão e investidas
ferozes que nos facultam a sensação de que somos conduzidos avante sempre,
direcção a um perene e implacável período progressivo das práticas e da
sociedade humana.
Mas, especificamente, para onde consistimos sendo dirigidos nesse
procedimento ou qual é a verídico disparidade que pode ser vista no ser humano
contemporâneo e aquele que despontou das obscuridades das sociedades
rudimentares?
A existência é bem mais que um método automatizado de reações
bioquímicas. A existência humana estreia-se a partir de uma alma divina. A
percepção desse sistema conduz-nos a contestar a existência física. Conduz-nos
a reconhecer a obscuridade sobre nossos olhos, barrando-nos de lobrigar a
plenitude.
E continuamos a questionar sem obtermos resposta…por isso, o escritor
Manoel Ferreira Neto termina este aforismo com toda a legitimidade
verbalizando;
O não-ser totalidade
O não-ser enigma de totalidade
O não-ser incógnito de totalidade
O não-ser inacreditável de totalidade
De totalidade o não-ser inacreditável
De totalidade o não-ser xis
De totalidade o não-ser enigma
Totalidade o não-ser.
Ana Júlia Machado
#AFORISMO 335/MINÚCIAS DE UMA COMÉDIA, LOGO UMA FÁBULA#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
ISHDRIM:
Acarreto em mim a energia descomunal de questionar, mais robustez que a
robustez de uma questão. Porque a questão é uma interpelação inferior ou casual
e a refutação, a expectativa para que a existência prossiga a sua expedição sem
limites em procura do “Ser”, à cata de suas águas transparentes e vítreas.
CORO:
Tu – quem és? Quem és – tu? És tu – quem? Quem tu – és? Quem és – quem?
O que é isso – ser tu? O que é tu – ser isso? Tu – quem isso ser? Isso – quem é
o ser?
És a esperança de fé que perpassa os tempos de amanhã, do infinito, dos
horizontes, do uni-verso, de confins, de arribas, ornamentos de arrebiques; és
a fé que suprassume as controvérsias dos desejos e vontades do eterno e
imortal; és a utopia da consciência-estética-ética, da cristianidade, da
transcendência, da divinidade, trans-elevância do absoluto; és o desejo do belo
e da beleza, de sonhos de encontro do ser, de ser o verbo do sublime e eterno
de ser a carne do perpétuo, da cáritas; és a consciência-ética-estética que
re-cria e cria outros uni-versos de sonhos e quimeras, de fantasias e vontades
da beleza resplandecente do amor e da felicidade.
ISHDRIM:
Passo a vida a questionar-me acerca do meu eu, e que cogito que até ao
fim dos meus dias jamais vou saber o que realmente pretendo. Pois não se
afigura um tema simples. E, olhando ao nosso redor cada dia ficamos com mais
dúvidas, incertezas, aquele sentimento de haver-me tornado um poço de equívocos
e enganos. Sou eu ou o outro que está certo, mesmo sendo um ser execrável, mas
que é mais apreciado do que o ser que pensa ser genuíno? Logra afigurar-se uma
questão inadequada e sem significação. Curiosamente, a réplica não se sacia com
um acessível: “Chamo-me …, e para os amigos … e profissão…”, e adicionar o
habitual “às suas disposições e às de Divo”. Quê encenação teatral de
diplomacia e etiqueta, ainda na expectativa do coro a declamar a luxúria dos
deuses. A questão é muito mais penetrante e igualmente não chega a largada
célere e “filosófica”: “Eu sou eu (e as minhas razões) ”. “E tu, quem és?” é
uma questão de muita relevância e sublimidade. Creio ser concentrada análise
sobre mim próprio, sobre as convenientes capacidades e carências. Para qualquer
circunstância que se deseje conduzir a efeito deveras na existência (isto é,
para as coisas que representam e que nos cativam) é necessário interrogar-se a
si exclusivo acerca dos expedientes de que se conciliam para alcançar o fim.
Em primeiro lugar, coerentemente, é necessário erudição em que posição
nos achamos. Entendermo-nos do “A” ao “Z”: os feedbacks, os prazeres, as
propensões, as tendências, o jeito de cogitar. “Entende-te a ti próprio” era
para os helenos da Antiguidade a máxima erudição, o rebo enviesado para a
edificação do homem incorruptível.
CORO:
És tu – quem? Tu - quem és? Quem és – tu? És – tu quem?
És o verbo que perpassa o sonho de esperança do amor que fecunda o
desejo de conhecer, concebe a sede de compreender o inaudito do espírito de
luz; és a poiésis nos interstícios das querências de alegrias que preencham o
vazio do ser; és a vontade que habita o sonho de fecundar o verbo do amor, o
verbo do ser e das quimeras, conjugando temas e temáticas nas raízes do tempo,
nas sementes dos re-versos, in-versos, avessos das querências, contramãos das
tristezas; és o amor da esperança de conhecer o que é o divino em ti, em nós,
nos homens.
ISHDRIM:
Deveras, quem quer que faça-se o feitor desta máxima, redigida no templo
de Delfos, alcançou em repleto. No princípio do feito mais afamado de Sófocles,
Édipo é-nos ostentado como rei e, ao mesmo tempo, pai apoquentado pela epidemia
que fustiga o seu povo. Partilha o seu pesar, mas não se ajusta com expelir um
berreiro infrutífero. Busca os meios para achar o recurso para as imperfeições
de Tebas. Édipo é um homem coeso que alcança concretizações incontestáveis e
não se lega capturar na mata dos “desejaria”, “apreciaria de”, “inquieta-me”.
O seu cunhado Creonte retorna do oráculo de Delfos com a resolução,
deportar o homicida de Layo (antigo rei de Tebas e esposo de Yocasta). Mas quem
era tal indivíduo? Após de questionar o agoureiro Tirésias e um emissário de
Corinto, Édipo encontra com a maior das constrições que ele é o homicida de
Layo, seu pai, e que reside em porte incestuoso com a sua mãe. Quis conhecer a
sua essência a todo o preço e remunerou custoso, mas chegou a saber-se tal como
era. Não é de admirar-se que o final de Édipo fosse funesto. Exasperado, após
de recuperar a sua cônjuge e mãe estrangulada, orfana-se deliberadamente dos
olhos, enterrando neles dois broches da sua indumentária. E idêntico desataque
conduz-nos a interrogar o que é que teria sido melhor para Édipo: se insciência
alegre, ou erudição desventurada.
O não -ser tudo imaterializa
O não -ser tudo deífico
O não- ser tudo baseia na essência
O não- ser tudo formata para ser usado
Tudo desmaterializa o não -ser
Tudo endeusa o não- ser
Tudo baseia na essência o não-ser
Tudo formata para ser usado o não- ser
O não- ser tudo desabrocha.
O não- ser tudo aromatiza.
O não- ser tudo emprenha
O não- ser tudo despetala.
Tudo fica desnudo o não-ser
Tudo emprenha o não- ser
Tudo eflúvio o não- ser
Tudo desabrocha o não- ser
O não- ser tudo enuncia.
O não- ser tudo captura conhecimento
O não- ser tudo psicológico
O não- ser tudo enternece.
Tudo enternece o não- ser.
Tudo psicológico o não- ser.
Tudo captura conhecimento o não-ser
Tudo enuncia o não-ser.
Nos nossos dias são minúcias os indivíduos que aventuram o conforto da
existência que transportam para acharem a realidade acerca de si exclusivos. A
narrativa de Édipo é uma ocorrência limite. É uma comédia, logo uma fábula. Mas
o exemplo é claro: é relevante entender-se a si próprio. É mais arriscada uma
existência de quimeras que, não é mais que um lapso que logra transportar-nos a
uma existência que não ocorre de uma vida que é uma aldrabice. Ele, ao
entender-se, ingressou em exasperação. Mas ambulando a mesma senda até à
realidade, porque não terminar com um sublime final? Conseguimos concretizar
enormes factos no decorrer da nossa vida, porque perceberemos quem somos, como
operamos, quanto conseguimos conceder. Saber-nos a reentrante, é o começo para
toda a existência que queira existir em plenidão.
CORO:
Quem – somos nós? Nós – quem somos? Somos quem – nós? Nós – quem somos?
A ausência de nós, a querência do múltiplo, o instinto do obtuso, a
busca do pleno, a vontade do absoluto, a perda, o des-encontro, o vazio, o
vácuo, o nada, as sorrelfas, os idílios, as nonadas, travessias, os olhos
voltados para o infinito, a alma no compasso do quotidiano e do real em busca
da presença das alegrias, prazeres, do eterno e imortal, mesmo no vai-e-vem do
efêmero e etéreo, mesmo na rede do sim e do não, mesmo na dança escalafobética
da contradição e das ambigüidades da consciência do presente entrelaçada à
consciência histórica.
Somos nós – quem? Somos quem – nós? Nós quem – somos?
Somos os braços para a-colher, envolver, afagar e dar o colinho do peito
ao outro, aos humildes, aos pobres, aos simples; somos o coração para amar,
somos o espírito para sensibilizar, somos a alma para desejar, somos a vontade
da paz, da felicidade, de nos encontrarmos, de nos encontrarmos em Deus, nas
emoções verdadeiras, nos sentimentos de compaixão, solidariedade, somos a
verdade à busca do Espírito Santo de nossos pecados e culpas.
Que cantamos – nós? Nós – o que cantamos? Cantamos o quê – nós?
A graça de sermos vocacionados à felicidade, à paz, ao conhecimento de
sermos quem somos; o espírito no ritmo das buscas do bem e da compaixão, nos
acordes do tempo e vivências, da solidariedade e da amizade, a alma na
musicalidade dos desejos de ser, da verdade.
De quem cantamos – a graça? A graça de quem - cantamos? Cantamos a graça
– de quem?
ISHDRIM:
O não-ser tudo abriga
O não-ser tudo alberga
O não-ser tudo reduze
O não-ser tudo dissimula
Tudo dissimula o não-ser
Tudo reduze o não-ser
Tudo abriga o não-ser
Tudo abriga o não-ser
O não-ser tudo espelha
O não-ser tudo substitui
O não-ser tudo revive
O não-ser tudo renova
O não-ser tudo conserta
Tudo conserta o não-ser
Tudo renova o não-ser
Tudo revive o não-ser
Tudo revive o não-ser
Tudo espelha o não-ser.
O não-ser totalidade
O não-ser enigma de totalidade
O não-ser incógnito de totalidade
O não-ser inacreditável de totalidade
De totalidade o não-ser inacreditável
De totalidade o não-ser xis
De totalidade o não-ser enigma
Totalidade o não-ser.
(**RIO DE JANEIRO**, 30 DE OUTUBRO DE 2017)
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