Maria Isabel Cunha ESCRITORA E POETISA COMENTA O AFORISMO 359 /**SAMAMBAIAS DO OCASO, ORQUÍDEAS AO ACASO**/
FABULOSO texto! Uma verdadeira pérola, um tratado de Língua Portuguesa,
onde o autor realça a verdadeira beleza que deve nortear o escritor, a pureza
das flores, das nuvens, dos mares, de toda a natureza que nos ensina a ser
simples e belos simultaneamente, é na natureza que procura a verdade "
Colho apenas do pé de maçã". A sua alma sedenta do inexplicável mergulha
sempre no que observa " nas nuvens brancas do céu", quer iluminar-se
com o observável na fonte. Extraordinário texto. Adorei ler. A imagem é de uma
beleza inconfundível com as suas cores bem fortes, simbolizando a segurança do
escritor na mensagem que nos quer transmitir, contrastando com a posição
alquebrada do corpo, porque cabisbaixo com o que depara em certa literatura.
PARABÉNS.
Maria Isabel Cunha
#AFORISMO 359/SAMAMBAIAS DO OCASO, ORQUÍDEAS AO ACASO#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Rios sagrados remontam à nascente. Os homens tramam pérfidas
conspirações, e a fé nos deuses já não tem raízes nos corações, os querubins
não tem já asas nas imaginações férteis. Em breve, a fama mudará de linguagem,
e não terá conosco louvores suficientes. O delírio da paixão arrasta-se por
sobre os mares, através das duplas rochas. O próprio pudor já levantou voo ao
céu.
Nenhum segundo, ainda que ínfimo, se passou desde a solidão de meus
idílios compactos, desde o silêncio da alma que refletiu no espelho a imagem da
razão/vida, desde o exílio que projectou na superfície do espelho a imagem do
des-consolo e anonimato. Nenhum pingo de chuva, ainda que pequeno, molhou o
chapéu posto de viés na minha cabeça, a mente sem nenhum pensamento, in totum
vazia - toda mente busca ser, ser é viver, viver é compreender, a compreensão
alimenta-se da beleza e da verdade. Longínquas paragens, através do profundo
mar, pela estreita passagem que abre a planície sem limite das ondas. Nenhum
vento úmido, nenhum orvalho de ternura e afeição, nenhuma chuva por mais rápida
seja - uma terra de só ensimesmado dia... fissuradas agonias e desesperos,
melancolia de trincar os ossos. Agora clamo, rogo e peço à minha ignorância,
analfabetismo que não se tornem inauditos nesse deserto insosso: derramai vós
mesmos a última gota de tristeza, gotejai vosso orvalho nas minhas vestes
miseráveis, sede vós mesmos garoa para a minha caverna ensombrecida, neblina
para lançar seus flocos na janela aberta ao tédio do céu luarado e estrelado.
Outrora mandei as montanhas distanciarem-se o mais possível de minhas
sendas perdidas, veredas esgarçadas, esfiapadas - outrora sussurrei aos meus
ouvidos "mais raios de sol, ó sombras!" Hoje as seduzo, para que se
aproximem de mim, sentem-se ao meu lado e murmurem palavras de esperança: fazei
luz ao meu redor com vossos úteros de sentidos!
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! - todas as noções
esvaeceram-se, todos os conceitos eterizaram-se, realizei todos não passaram de
ledos enganos, equívocos. O único mistério é haver quem pense, in-vestigue o
mistério, é haver questionamento sobre ele. A luz do sol é sine qua non, mais
que os pensamentos, o som da canção é fundamental, mais que a clareza das
idéias. Por mais que por mim enverede, todos os atalhos do meu sonho vão dar a
clareiras de angústias, náuseas. Que mal fiz eu a todos os deuses? Tirem-me as
metafísicas.
Gozo o orvalho que me legam, a neblina que me dão, a neve que me cedem,
a garoa que me con-sentem, a alma que me deixaram nas mãos feita concha, e nada
mais questiono, nem elucubro. O que deixar escrito no livro dos peregrinos
puder, relido um dia por outros, diverti-los também na travessia, está bem. Se
não o lerem, será bem também. Quisera fosse quotidiana esta macunaíma de humor,
muito além da preguiça, estado sentimental, emocional, psíquico lerdo, lento, o
que importam as coisas?
Desejo ordenhar-vos, ó vacas das profundezas abismáticas do nada!
Conhecimento morno como leite, deliciosa garoa do clímax do amor estendo eu
sobre o tapete silvestre do solo.
Fora, fora, absolutas verdades abertas que insistem perpassar-me as
entranhas da alma, afora os ismos que sapateiam no solo, características
píticas, mazelas que o mesmo cristaliza! Não quero enxergar em meus picos
verdades íngremes e insolentes. Diamantizada de sorrisos e gargalhadas chegue
hoje a mim a verdade, pelos raios do sol melada de suor, pelo sentimento de êxtase
e volúpia, uma verdade madura... colho apenas do pé de maçã.
Hoje estendo os braços para as samambaias do ocaso, para as orquídeas ao
acaso, para os crisântemos das coincidências, prudente apenas para tripudiar,
para enganar o inaudito como um moleque de rua deserta, jogando
"figurinha" ou bola de gude com o companheiro das pintações do sete.
Hoje desejo ser solidário com o que me dá náuseas, com o próprio destino não
quero ser avarento. Só existe uma única sabedoria com um poder infinito: a
divina sabedoria da criação.
Minha alma sedenta do ininteligível, desconhecido, com língua insaciável
de nonsenses e vulgaridades, já lambeu em todas as coisas insossas e
ingustáveis, em todas as pre-fundidades já mergulhou, mas sempre nada de novo
para as nuvens brancas do céu, por causa dessa alma chamam-me Pobre de Fé.
(**RIO DE JANEIRO**, 02 DE NOVEMBRO DE 2017)
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