MARIA ISABEL CUNHA, ESCRITORA, POETISA COMENTA O AFORISMO /**ÁDITO DA ENTRADA**/
Em perfeita e completa harmonia com o seu estado de alma e a vida que se apresenta calma, o escritor sente que atingiu o rumo certo do seu objetivo nas letras e, como tal, desprende-se do que o cerca e das gentes para degustar a sua solidão do sublime encontrado. Não se importa com os juízos do mundo e pensa até " edificar um lar para distinta génese " isto é agremiar-se aos que com ele se identificam nas letras. Agora , sente-se em estado de graça, que o cerca, estética e divinamente. Excelente. Parabéns. Um abraço, escritor, poeta e crítico Manoel Ferreira Neto.
Maria Isabel Cunha
En passant, Maria Isabel Cunha, este texto leva-me ao passado, sonhando encontrar a minha Simone Beauvoir, estarem as letras me escrevendo, escrevendo as letras. Estar escrevendo com a minha linguagem, estilo, a minha filosofia. Há trinta e três, e naquela época estar procurando, buscando, era um sonho. Podia ser realizado, podia não sê-lo. Trinta e três anos depois, eis-me trilhando exactamente a estrada que havia sonhado. O que pode parecer sonho em verdade é uma realidade a ser concretizada, suficiente ornamentar com os devidos arrebiques os modos de ser. De mãos dadas com a companheira das Artes, as letras em mãos. Em verdade, em verdade, esta agremiação aos que comigo se identificam nas letras já está na estrada.
Sinto-me quem sou, sou quem sinto me ser. Letras e as cores da pintura seguindo, seguindo, seguindo, a consciência-estética-ética.
Manoel Ferreira Neto
#ÁDITO DA ENTRADA#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Meu modo de agora, de instantânea dita, presenteia-me um deleite
indomesticável como se apanhasse um escol de esquiva formosura, brotada em loco
inconsolável, ao gosto da ventosidade. Meu estilo atual, de metafísicos
dizeres, doa-me um refestelamento indescritível como se colhesse uma erudição
de adjacentes esplendores, ao saber de chuviscos. Minha linguagem atual, de
suspeitas falas, lega-me verbos suspensos no tempo, e com eles vou tecendo
sentimentos e ideias do que precede a essência, a existência. O sigilo,
enquanto assim possa ser designado, conceituado, retem-me num gênero de
extasio, num isolamento entre os homens, num divórcio tão perfaço como o de um
algar no meio da serrania.
O mundo me avalia esquivo, pérfido e adverso, errado, re-verso,
in-verso, alheio, avesso. O meu transcorrido, isolado e sombrio. O vindouro,
uma melancolia tosca que incumbia delinear em formatos toldados. Ultrapasso o
ádito da entrada, importando fé, canícula e júbilo, exportando náuseas, vazios
e nada. O instante travo converte-se, imediatamente, num instante
bem-aventurado, num momento de júbilo.
A luz engolfa-se, condensa-se na borda fronteira do relógio - o
mostrador escoa-se. No escuro, disco suspenso no nada. Caos. Som imerso no
primitivo. Alucinante. Ritmos que não podem ser pensados, verbalizados.
Ando a vagar. Ventos percebidos no espírito. Palpitação de asas
sobrevive no mistério, enigma. Dilatado. Esquecido de mim. Olvidado de
lembranças, visões. Logo, não além da eternidade, sim aquém da contingência.
O universo imputa todo o seu progresso a sujeitos des-venturados. Os
ditosos limitaram-se dentro de modelos clássicos, regressivos. Postam as mãos à
terra, os pés ao céu, agradecendo a sublime inteligência e sensibilidade com
que foram dotados. Possuo a intuição de que, daqui por defronte, a minha
legação será cultivar sémenes de diferentes mastros, confeccionar vedações, e,
quiçá mesmo no tempo propício, edificar um lar para distinta gênese, e, numa
locução, conciliar-me aos preceitos e às praxes pacatas da agremiação. Meu
comedimento será mais pujante do que qualquer propensão titubeante da minha
parte.
Nesta hora tão repleta de receios e perplexidades, verifica-se o
portento sem o qual toda existência humana é um vazio. A graça, que converte
tudo real, divino e estético, descai sobre mim.
(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE MAIO DE 2017)
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