#AFORISMO 983/ À SOMBRA DA CASTANHEIRA: A EC-SISTÊNCIA DE PONTA-CABEÇA# - PROJECTO #OS 22 QUE ANTECEDEM O MILÉSIMO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Identifica-se a natureza. Calma, quieta.
Olhares inventamos para manifestar desgraças íntimas.
Outros para driblar e dissimular.
Havia o declive das avenidas
Favorecendo nossos passos comedidos.
O aclive para amortecer um pouco a prepotência.
Havia o beco estreito por onde passar,
Cortando caminho para a escola,
Havia a avenida a atravessar
Melancólico, nostálgico, pensamentos alhures,
In-vestigando os vestígios dos manque-d´êtres...
Re-vela-se a manhã. Neblina embaciando a visão.
Sonhos, esperanças, inspirações re-criamos e criamos.
Estando os galhos inertes, o vento balança-lhes, dando harmonia às
folhas verdes, molhadas pelo orvalho, engolfado de opacidade. O céu, com nuvens
brancas de perto e, ao longe, no que é conseguido ver da montanha, algumas
nuvens obscurecidas. Árvores impedem de saber se são contínuas. À janela –
cabeça de fora, - não é verdade. Claras. Nítido nulo. Mudança irreal/real.
Emoção sentida.
Dor incrustada no peito.
Somos uns tristes e desamparados.
Somos uns loucos e dispersos.
Dias de verão. Lugar em tédio deixado. De tudo, sentimento vivido. A
renúncia encontrada em nós desta liberdade. Olhar de frente as coisas lineares
renascidas nas veias oblíquas, nas verves obtusas. Vem a imagem de que
necessito retornar à sombra de uma árvore, a cabeça sobre sua raiz, e olhei
para cima, um vazio sem limites, mas esta lembrança permaneceu em mim desde
sempre, embora não tenha sentido ou intuído antes. Fazenda.
Assim, realizo com alegria intensa no peito aquilo de deixar impressas
as memórias das palavras, flashes de passagens, momentos, angústias, pastagens
de outras quimeras.
Era tarde, o sol queimava o corpo a qualquer toque, um calor infernal,
fui lá eu sentar-me por baixo de uma árvore, para descansar à sua sombra, fora
quando senti um vazio enorme, e quando desejei ter ao meu lado todos os homens,
de qualquer credo ou raça. Desejava trocar dedos de prosas, bater papo com
todos eles, mas não sabia fazê-lo, as palavras envelariam esta ausência, e
estaria conversando com eles.
A terra sugere levantar-se, o céu descer. O verão vai chocar guinchos
cerimoniosos nas vertigens. Transcorre-se ambíguo.
Absurdo plúmbeo e clorificado.
Oscila entre sombras, tédio, obscurecimento.
O duplo transcorre-se.
Oscila entre o pessimismo, nostalgia, paz. Somos miséria, desgraça. A
liberdade, luz estrídula: presente e futuro. Presente mesquinho, medíocre,
vivido insuportavelmente. Não vislumbro nele senão um estranho e inexplicável
mostruário de paixões e desejos reprimidos, de tradições e idéias maquinais,
tudo mal misturado e ao acaso no rosto débil e lustroso de um homem que orça
pelos trinta e oito anos, tão irresoluto e indeciso agora como o fora na
mocidade.
Esquizofrenia, psicopatia, alienação mental. Menino louro, olhos azuis,
rosto magro, quatro anos de idade. Olhos de sobrenatural demência. Aspecto de
quem observa as coisas e não as vê. Lugar vazio. Mostram ali terem estado
várias coisas. Tiradas e nunca devolvidas. Acusando-se por sinais visíveis,
feitos à custa do tempo. Perdeu o contato direto com o mundo, este empreende
viagem, além das retinas. Assistem a mulheres, encostadas à porta das lojas,
esperando a vez de se entregarem. Defendem a sobrevivência – cama nua e crua.
Fingem gozo. Não sentem o momento de tudo ter qualquer revelação e voltar ao
normal. Se o tempo houvesse sido outro e não o que foi. Instantes sucedem-se e,
sucedendo-se, param segundos.
É verdade sim que os homens desejamos viver alguns momentos que vivemos,
mas com a visão-de-mundo que possuímos hoje, com certeza, descobriríamos
verdades inestimáveis, e foram as que não sentimos. Sensibilidade não tem
tempo, nem idade. Há experiências mais lúcidas. Sei-o Quanto o sei neste
segundo em que não há palavras para definir o que quer que seja, e tão só penso
e sinto, ou busco sentir. Os sentimentos... Tudo vem à tona, à superfície, após
um reencontro com alguém a quem amamos e desejamos tudo, o mundo.
É muito fácil explicar os paradoxos, as contradições. Falo de duas
coisas diferentes: por um lado, daquilo que a verdade estabelece, e por outro,
daquilo que eu chego a saber por experiência pessoal. Certamente que não li em
nenhum compêndio, embora naturalmente deve estar estabelecido aqui que o
inocente deve ser absolvido, portanto, não se estabelece nela que se possa
influir sobre os homens por meio de relações pessoais.
O menino não grita. Não chora. Chama por alguém. Ali, parado, olhando as
coisas sem nada enxergar. Limita-se à posição estática, chupando o dedo. Não
tem consciência de tudo estar emergindo e dando espaço a outras coisas que vão
imergir até que nada haja. Ali, sozinho. Nada surge. Os acontecimentos estão
diante dele a exigirem participação. Mostrando-lhe tudo. Atitude instantânea.
Embora não o seja tanto. A demência não lhe permite. Levanta-se. Dirige-se à
beira da lagoa. Próximo ao banco em que estava sentado. Tira a calcinha. Segura
o sexo. Jorra água aos poucos. Tudo, parado. Observa a ação. A mãe olha. Pasmo
e terror. Somos os únicos que presenciam. Nada diz.
Havia acabado de descer de um cavalinho, com toda pose, vestido à
categoria de um menino prodígio, vestes combinando com o passeio, para uma
foto, à sombra de uma castanheira, e vendo uma cena dessa, a idade de seis anos
sentiu-se tocada pelas perguntas por que a sandice, a loucura?, e os dementes,
quê condição irrepreensível, a condição humana...
Saio. Caminho. Nada para fazer. Rua da Consolação.
Com certeza, houve modificações, mas metamorfose alguma. Nada além que
irresolução e indecisão. Que inventário maravilhoso!
O conhecimento da beleza incumbe-se em ir construindo-se. A afeição
transbordante de calor. Passo pelo tempo, conhecendo. Não fora Sócrates quem
disse, “Homem, conhece-te a ti mesmo...” A imortalidade viva e perspicaz de
ternura. Se aqui, “ad absurdum”, o conhecimento da beleza torna-se ainda mais
doloroso, uma empresa de longo fôlego. Se lá, “ad infinitum”, o conhecimento da
beleza será apenas idéias de mim. Só eu sei o que isto significa. Estar à
procura de uma realização, não sabendo onde se encontra: a ausência de compreensão
e entendimento. É muito mais profundo.
Resta-me agora a tarefa mais difícil para mim, mas também a mais
necessária: falar-vos brevemente a meu respeito sem pudor nem vergonha, a fim
de dar consistência ao pouco que exponho aos senhores até agora. Porque vos
poderíeis ter sido exposto por qualquer outra pessoa, mas, para adquirir um
mínimo de valor, deve estar, por assim dizer, encarnado em uma experiência
concreta vivida. Melhor dizendo, é preciso mostrar que foi “pago”, porque não
foi gratuito, nem, muito menos substituível ou suplantável, ou seja, anônimo e
anódino.
Se eu entendo, se eu com[preendo]. Se há na verdade com que idealizo? É
a manhã que desvela tudo, exaustões e amores. Ignaros cochilam, encarcerados
também. A terra afundada, a universalidade imagina destemor e volúpia. Único
objeto, numa rocha de treva circulada de tudo, é este sítio que anuvia, vazio
de seus mistérios. Amores, ódios não nos são ditos. Aliás, itens... Emudeceram
vontades e histerias.
O arvoredo sombrio de além confunde-se na generalidade das trevas. E, no
meio deste negrume universal, distingo apenas luzes disseminadas, que são
convidadas. À distância, na superfície de tudo, há reflexos de fogo descorados,
verdes, vermelhos, amarelos.
Não fosse o convite, assim tão rápido e compulsivo de atenção, desejando
fazer as cenas, como seria este arvoredo sombrio de além? Estivesse sim diante
de uma árvore e fosse tomado por estes pensamentos?
Deva de ser mui lindo e charmoso!...
(#RIODEJANEIRO#, 28 DE JULHO DE 2018)
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