#AFORISMO 632/SORRELFAS DO TEMPO E DAS ÁGUAS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
A vida passa, passarelando...
Em transe, oscila o pêndulo mental,
Tique-taque, tic-tac, tique-taque,
Do obstinado boêmio,
Viajante, sendeiro,
Peregrino.
Tempo e coisas.
Tempo e palavras.
Palavras e as coisas...
Não cabem mais no poema,
Métrica e rima,
Não se lhe aderem, sintetizam, comungam.
Não são luvas e dedos.
Vez única permanecerei
Entre a pergunta e a res-posta,
Pouco se me confere a resposta,
Saberia dizer se a pergunta vem inclusa?
Serei silêncio
Des-provido de ornamentos e arrebiques
Des-tituído de toques e retoques,
Des-encarnado de molduras,
Des-ossado de pinceladas,
Pela nudez dos símbolos,
Pelo nu dos signos,
Pelas "peladas" das metáforas e sin-estesias,
Ficarei in-cógnito entre as evidências,
Ficarei in-audito entre as de-monstrações,
Ficarei inter-dito entre as clarividências,
Ficarei in-visível entre as trans-parências
Des-encadeadas as forças elementais,
Estruturais, mesmo a dialéctica da existência dialéctica,
O espetáculo cumpre-se,
O show real-iza-se.
O espaço con-sente espaço à melancolia, nostalgia.
Sensação de sono, des-proteção,
Preguiça, insegurança
Deveria assolar corações,
Adentrar as almas,
Mesmo os mais resistentes,
Insolentes, irreverentes.
Imagem fantástica:
O teu corpo translúcido, reluzente,
Claro cristal rebelado
Das grutas.
Desejo ir, além do conhecido, do sabido, do cognoscível, quero
ultrapassar o tempo e a luz, o ser e o nada, num momento de começo ou de fim,
num instante de tudo ou nada, contudo estou estático, sou a vil matéria, sou
resíduo, sou vestígio, sou memórias de um tempo de coronéis, jagunços, de
assassinatos para que o sangue fosse visto correndo vivo e quente, de
princípios radicais e insensíveis, sou in-conseqüente em mim mesmo, sou
destemido frente às ameaças, pressões, frente aos preconceitos e discriminações
sou a lâmina do machado que corta a lenha, não bato de lado, pelas costas, bato
de frente, noutras palavras, não como angu quente pelas beiradas, enfio a
colher no meio, sopro antes de levá-la à boca, não sou imbecil para queimar a
boca e a língua, e quando sopro destilo nos ares da crítica a realidade de
todas as hipocrisias conhecidas e inconscientes – “o artista é a origem da obra
e a obra é a origem do artista” dissera filósofo alemão, com quem aprendi a
separar os sufixos das palavras com hífen, a trans-gredir as normas da
separação de sílabas em busca de categorias e pó-esia, de pó-iésis e trans-cendências,
o que apreendi e aprendi levo a critério, auxilia-me nos mergulhos profundos de
verbos e essências, de in-fin-itivos e eidos, de gerúndios e núcleos.
Perco-me no ponto que sou: de partida ou de fim, metamorfoseando-me na
busca do ser, da auto-explicação. Trilharei apenas as mesmas pegadas, os mesmos
rastros que me legaram, que me conduzirão impreterivelmente ao mesmo NADA? Se
ad-mito haver vindo do nada e ao nada re-tornarei, esse questionamento a priori
já está respondido, mas a máxima diz: “Antes o nada, depois o cosmos”. O cosmos
se faz na continuidade das buscas, realizações, encontros e des-encontros, é a
realidade da vida, é o real da exis-“t”-~ência, nem Deus diz que não devo, não
me é permitido, sentir o simples de minha vida. O cosmo é concebido de tal modo
e estilo que eu próprio não sei o que sucede em todo lugar. O cosmo não é
perfeição, embora, naturalmente, Eu o seja.
Todo tempo só em ser-tempo é fim não começo. O tempo engendra a morte, e
a morte gera os deuses e, plenos de esperança e medo, oficiamos rituais,
inventamos palavras mágicas, criamos idéias esplendorosas, fazemos poemas,
ridículos poemas que o vento mistura, confunde e dispersa no ar... O tempo é
uma invenção da morte: não o conhece a vida – a verdadeira – em que basta um
instante de versos e estrofes para nos dar a eternidade inteira, a infinitude
plena, a efemeridade do re-nascer cheio de outras ilusões e verdades. Inteira,
sim, porque essa vida eterna somente por si mesma é dividida, dividida entre as
contingências e os ideais.
Evidência de alegria final nos limites da condição, nitidez de posturas
e gestos que re-nascem das cinzas das utopias de consciência e sabedoria. O
nada inimaginável, a impensável destruição do absoluto que sei, do efêmero que
desconheço, quem sabe conheça, não o saiba, simplesmente re-presente o fogo, as
chamas do verbo “ser” nas imanências dos desejos, de minhas mãos que se elevam
aos céus de todas as paisagens e panoramas, rogando a plen-itude e subl-imidade
do eterno “enquanto dure”, tendo mais bem sido, se o conhecer viesse primeiro
que o saber de estrelas e paisagens que fecundam o espírito de outros amanhãs e
outras noites, de outras madrugadas e alvoreceres, que inundam a alma de outras
querências, de águas iluminadas pelos raios do sol que nelas incidem, enquanto
seguem o seu itinerário, abrindo espaços e caminhos, de outros arrebiques do
belo em barrocas tardes de chuva fininha ou de sol incandescente, de outros
confins e arribas a abrirem plen-amente as nuvens brancas dos desejos, azuis
das esperanças, amarelas das utopias, verdes da fé, o que não é in-diferente e
se me impõe como a única verdade que de mim irrompe, o que me afirma uma
totalidade de ser, o que me coloca numa posição bem confortável de in-finitude
e im-ortalidade, o que me define e é a própria realidade de ser sendo,
estar-sendo, penso eu, é consciência de meus caminhos do campo e é busca de
outros versos do sim e do não.
A vida passa, passarelando...
Ficar ao léu das tempestade, bonanças
Ficar à mercê da neblina, orvalho,
Ficar à sombra da montanha, da caverna,
Ficar à luz das tabernas nas estradas noctívagas,
Entre a consciência
E a in-consciência,
Entre o cognoscível
E o in-cognoscível.
Reter o instante,
Colher o momento,
Re-colher o agora,
Afagar o aqui,
Deixar que os sentimentos per-sigam os desejos,
As emoções, os volos,
As sensações, as sorrelfas do tempo e das águas
Livremente...
Livremente...
Livremente...
Abandonar os grilhões,
Ceifar os obstáculos, fronteiras,
E ser
O apaziguado.
Chega-se a um estágio,
Entre as estratégias do sublime
E os trambiques do absoluto,
Em que são dispensáveis as palavras,
São recusáveis os sintagmas
São refutáveis as dialécticas estilísticas
E o menor gesto, exíguo olhar o tempo,
Pró-move o entendimento,
Compreensão, inteligibilidade,
Aí inter-penetram-se as solidões,
O amor a outrem,
O pensamento-sentimento,
Vice-versa, vis-à-vis,
Nas nuanças,
por inter-médio das sinuosidades,
Do eterno e efêmero,
Con-duzindo a ascensão
Das dúvidas e mistérios,
Cais fictício da memória
Liberta da gaiola, o pretérito.
Os olhos sentem os instantes de tristeza: servem-lhe de modo profundo na
atitude de vislumbramento e entre-visão. O sensual greta-se com o suave como
para dar melhor acolhida à nobreza dos sentimentos, à excelência das emoções e
desejos conubiados. Na esteira da face, chega o tempo em que uma deliciosa
quantidade de pitoresco afirma uma dis-fonia de re-toques ou uma fonia de
dis-res de toques. Encontro o sentido do amor e da amizade. Nenhuma forma de
vida detém a totalidade mais tempo do que lhe é necessária para se dizer.
Numa re-fração de ouro claro, surge o momento em que palpitam as asas de
uma águia re-colhendo a sin-fonia de águas re-vestidas de silêncio.
A face dos ventos arrasta e dispersa as nuvens, e faz sair um brilho nos
olhos, que experimenta a vereda, que evoca com as asas ensopadas, com o rosto
terrível coberto de uma barba pesada como a chuva, a água escorre de meus
cabelos brancos, a névoa me cobre a fronte, desprendem umidade minhas asas e
meu peito. Apresenta-se-me a olhos nus. Como o sensível vai ao encontro da
intimidade do outro, como a intuição exterioriza-se no outro, como o emotivo
penetra no outro. Tenho a sensação, muitas vezes, de estar a andar pela
periferia, Alto do Tote, Passaginha, Vila de Lourdes, Cobra D´Água, a tal ponto
o ar luminoso e quente me cobre e lentamente me ergue, ergue-me aos hinos de
esperança e fé no tempo de nosso ser será pedra angular de utopias cristãs.
Mostrar-me a todos, inteirar-lhes de minha individualidade,
manifestar-me inteiro, reconhecer as virtudes e valores. Perco-me numa
des-organizada perseguição a coisas fugidias, a coisas etéreas, a coisas
esfumaçadas.
Quero marcar ponto na ec-sistência, quero pontuar a alma dos pastos de
meu regresso passado, quero marcar boitempo, quero as-{s}-inalar e sublimar o
tempo-boi, acontecendo no acontecer que me criva de balas e me retalha a
sabres. O espaço-tempo do ficcional se introduz entre o verdadeiro e o falso. O
que não entra em nossa expectativa deixa de ser real. O boi-tempo me dá uma
lição de coisas: tenho alguma poesia e o sentimento do mundo, tenho versos e a
visão da vida, tenho palavras e ausência de vocábulos. O tempo-boi me deixa
vazio: tenho de criar palavras para na forma, estilo e linguagem colocar versos
na prosa, comungar sentimentos e idéias em busca das verdades que me habitam a
alma, reunir sonhos e in-verdades em busca de in-finitas inspirações que
residem em minha sensibilidade, a jornada é longa e sem fim, a caminhada é sem
princípios, meios e términos. A vida passa e o vento ainda me leva para bem
longe, para o in-finito... in-finito do nada, nada de ser tudo, tudo
en-si-{mesmado}, re-verse a mesm-idade desta imagem, in-verse a nonsens-idade
destas pers-pectivas do tudo escuro, as voltas pelo balanço incansável de
corrigir, re-levar as batidas que cada palavra sussurra, que cada sentido e
viagem nas asas do transcendente murmura e mostra nítido e límpido. Viagem
longa, curta filmagem de ver um instante, um começo fantasiado.
A vida passa, passarelando...
Não é apenas
silêncio do desejo,
desejo do silêncio,
Nem tampouco narcisismo,
Egocentrismo, solipsismo.
Construção de muros não é.
Algo solicita intimidade.
Não é simplesmente
Sede de metáforas
Que o sol fecunda
com a centelha da vida futura.
A mão,
acostumada à aridez desta superfície,
abandona a lógica, os colilóquios,
in-submissa, apalpa a sombra
modelando um corpo de estridente contorno.
O trans-cendente
em demasia longo
paira por vezes
Rio subterrâneo, o que tu és
a distanciar-se de mim
para um mar que, quiçá,
jamais alcance?
O que re-torna como res-posta
É minha própria voz
Encarcerada no eco da gruta
Este eco ressoa em minha mente
com timbre laminado,
Apenas lembrança.
Longe é a voz,
O alaúde soa numa terra
de alados habitantes,
Faces estioladas misturam-se
às estruturais formas
do tempo
perpassando a soleira dos limites.
Algo solicita intimidade
Lugar onde o tempo
Não pesa mais que o tempo
Sobre o tempo do vazio.
A correnteza é tão veloz
E o corpo tão frágil
Que se vai ficando à margem
Da segunda margem, da terceira margem,
Tal barco sem cais,
Tal silêncio-resposta
Tal verdade sentida.
Entendo a linguagem dos sonhos... Os sonhos passam re-festelando as
agonias.
Há uma hora no céu, não sei dizer, sinto-me feliz por assim sentir e
pensar, se quando amanhece, se quando entardece, em que até Deus fica triste,
quer vir, quer passear pelas ruas e avenidas, quer curtir as belezas do início
do sertão, fazendas e gados, passear tranqüilo e sereno pelas alamedas, becos e
ruas arborizadas, sentar-se na escadaria da Praça da Cultura, con-templar o
maravilhoso Pôr do Sol, com os velhinhos aposentados na Praça Benedito
Valadares, trocar dedos de prosa com os boêmios, com as donzelas des-pertadas
para a busca do amor e do carinho em abraços e beijos no Nice´s 2, “good old
times” de minha juventude em companhia de amigo íntimo e espiritual, quando
ficávamos até a plena madrugada, o garçom fechava as portas, continuávamos
dentro, falando de literatura e filosofia, discutindo idéias, pro-jetando o
futuro de nossas vidas como artistas, com os homens que têm rumos e destinos a
serem cumpridos e realizados, mas o mundo é grande e pequeno, pronunciar novas
Palavras, acrescentando-as no Sermão da Montanha, o misticismo irá assimilá-las
com facilidade, serão verdades e projetos de evangel-idades, conversas
in-formais por todos os cantos e recantos da cidade.
Desejo pactuar comigo de acaso em acaso, sem caso formal de ideologias
que nem são minhas, sem fato informal de interesses de que nem sou o artífice –
não chamo o que necessito para despertar o ser em mim de interesse, chamo de
querência. Quero libertar meus mitos, meus ritos, minhas lendas do encontro e
do des-encontro, fracasso e frustrações, desilusões e ressentimentos, meu grito
de toda repressão de formas que destroem a forma na busca secular do meu
ponto-comum-limite, que aniquilam a “libertas” do “quae será tamem”, quero ser
de ser e não-ser, quero ser mineiro de sonhos e utopias cristãs, pagãs na
imanência e contingência de todas as correntes e algemas, trabucos e chibatas,
do tempo na sua roda-viva de sim e não, quê esplendida rede de nada e tudo,
efêmero e nadig-encial, quê maravilhosa teia de fios e arte de tecê-los! A idéia
de meu pensamento, angustiada, que se enclausurou no fundo de meu ser,
indizível, incomunicável, inaudito, por mais que quisesse ser expressa, ser
dita, por mais que a quisessem expressar, dizer torna-se-me sensível, por vezes
inseguro, pois que me fogem as perspicácias da concepção, criação de palavras
que a id-ent-ifique.
(**RIO DE JANEIRO**, 14 DE MARÇO DE 2018)
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