ANA JÚLIA MACHADO ESCRITORA CRÍTICA LITERÁRIA E POETISA ENSAIA A ORIGEM DO "VIR-A-SER" NO AFORISMO 642 /**SIMETRIAS**/
O aforismo do escritor Manoel Ferreira Neto, “ Simetrias", no fundo
fala no vir-a-ser… a sua paixão e os eus abismos… não sei se bem ou mal
interpreto este aforismo com base em alguns eruditos como por exemplo no pré
socrático Anaximandro, entre outros, finalizando com um poema.
No meio da escuridão devota em que encontrava-se enrolado o enigma do
vir-a-ser, de Anaximandro, veio Heráclito de Éfeso e iluminou-a com um clarão
divinal. "Avisto o vir- a-ser”, brada, e ninguém contemplou tão
prudentemente esse perene britar de vagas e esse compasso das realidades. Desse
instinto Heráclito depreendeu duas contestações entrosadas, que meramente pela
confrontação com as teses instrutivas de seus antepassados são colocadas em
alva luminosidade.
Inicialmente, denegou a duplicidade de universos integralmente
dissemelhantes, que Anaximandro tinha sido obrigado a aceitar; não afastava
mais um universo corpóreo de um abstracto, um rejo das particularidades
estabelecidas de um rejo da indecisão indefinida. Hoje, depois desse primeiro
passo, já não podia ser interdito de uma audácia muito superior da contestação:
contestou, em geral, o ser. Pois esse universo ímpar, que lhe sobejou – rodeado
e amparado por perenes preceitos não registados, brotando e retrocedendo em
inflexíveis pancadas de periodicidade –, não aponta, em parte alguma, uma estada,
uma indestrutibilidade, um reduto na correnteza. Mais elevado do que
Anaximandro, Heráclito declarou: Não avisto ninharia para lá do vir-a-ser. Não
vos cedais burlar! É vossa exígua vista, não a natureza das coisas, que vos
causa confiar contemplar terra escorada onde quer que seja na imensidão do
vir-a-ser e fenecer. Empregais apelidos dos factos, como se estes possuíssem
uma durabilidade estaca: mas mesmo o flúmen, em que penetrais pela segunda
ocasião, não é o igual da primeira ocasião.
Luminosidade da escuridão,
Prata anil lunar
nas retaguardas escuras de teu semblante.
Brechas luminosas
interpõem nossas desinteligências.
Vigores, forças rígidas,
Sinais apaixonados---
Somos agora prova
para a casualidade que nos agrega,
defesa simples do chão
que boia no fluxo luminoso.
Somente verbos proíbas
(fundamentos encetados à chama)
poderiam verbalizar tais factos,
e por isso sou um naufragante
dessa independência, a destruição
no marasmo de indivíduos vulgares.
Saber superior após o fecho,
recordar de reinos duplos,
agarrar sorvedouros em meta,
Dilacerar a atrocidade dos cursos,
expurgar úlceras com novos cânticos.
Invertem assim tuas fainas.
Ana Júlia Machado
Assim reza o meu STATUS AFORÍSTICO sobre a Crítica: "Criticar é
ampliar as dimensões do outro, o inter-dito a habitar no silêncio; a obra deve
representar o verbo da solidão." A dimensão do outro no Aforismo 642 é o
"vir-a-ser" que necessitava do "verbo" de sua
"solidão" para ser sensível, e este verbo é justamente a Inspiração,
mister revelá-lo: inspirei-me sim no enigma do "vir-a-ser" de
Anaximandro que Heráclito de Éfeso iluminou. Do mesmo modo, ficaria o meu
aforismo, um enigma, se não o identificasse: "amor-singular-e-único"
veio a ser e iluminou os caminhos, sendas e veredas. O vir-a-ser, na
continuidade do tempo, não se mostra o mesmo, apresenta suas faces, pois que
busca o Ser, o Ser se faz na continuidade do tempo.
Você é "Mestra", Aninha Júlia, Ana Júlia Machado, em
des-velar, des-vendar os mistérios e enigmas de minha obra, a sua crítica, como
das demais críticas de minha obra, Graça Fontis, Sonia Gonçalves, Maria Isabel
Cunha, cada uma conforme a presença de sua sensibilidade, re-vela a
"solidão" do "eu-poético" do escritor Manoel Ferreira Neto.
Beijos nossos, querida!
#AFORISMO 642/SIMETRIAS#
GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA
Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Estou tão amplo, tão pleno.
Sou coerente:
meu cântico de vida e verbos é profundo.
Há melodia de amor
e eu nada posso senão nascer,
des-{cobrir} o que é nascer
e estar dis-ponível para a Vida
em todas as suas dimensões.
Estou tão completo, tão eterno
Na compl-etude de mim,
Busco, por vezes, os vazios in-colores,
Gélidos, frios para contrastarem com as
Múltiplas solidões, dar-lhes substância,
Consistência, percuciência,
Arrimo a brilhança da lua, assino na
Estrela Vésper a única razão
De meu existir:
Encantar-me com as utopias dos verbos
Que revelam os tempos de minh´alma,
Arrimo a cintilância das estrelas,
Assino na placa da taberna da esquina
A categoria dos bons ventos que sopram
De leste e oeste as metafísicas da fé.
Tudo atrás do ser,
tudo atrás do pensamento e idéias,
tudo atrás das intuições,
percepções,
inspirações.
Se tudo isso ec-siste,
então, eu sou, sou-me.
Viver a vida é mais um recordar-se dela do que um viver direto, reto. A
vida oblíqua é íntima. Parece uma convalescença macia de algo que, no entanto,
poderia haver sido in-inteligível. Convalescença de um prazer... de um prazer
frívolo? Não sei o que diga: creio de modo ímpio, e não me questionem os doutos
dessa impiedade, quero apenas enfatizar o modo, mas o termo melhor é frígido,
comunga mais com a idéia que venho desenvolvendo para expressar a minha
ausência de talento para escrever a vida. Só para iniciados, a quem ainda a
pena não revelou seus limites, vive nas nuvens do orgulho e da lisonja, das
saltitâncias do sucesso e dos rebolados da fama, a vida se torna fragilmente
verdadeira. Será que não sei mais do que estou falando, o que digo, perdi-me
nos veios dos sentidos, agora é escrever sem metas e diretrizes, sem propósitos
e campos do caminho, deixar a pena deslizar na linha sem eiras e beiras, ler
quando terminar e intuir o que provavelmente intuí, o que provavelmente quis
significar. Quê hipocrisia deslavada acabo de registrar! Terminado o escrito,
jamais releio, a jornada das letras continua o itinerário. Tudo se me escapou
sem eu sentir. Escapou-me a razão que direciona os interesses e razões, as
intenções e propósitos. Escapou-me a sensibilidade que mostra os sentimentos
que me habitam do vivido e do desejado viver. Escapou-me o intelecto que tece
as idéias e os pensamentos com as linhas dos sentimentos, emoções que habitam
os sonhos e as utopias. No rosto in-concreto do sonho, na face i-(r)-real da
utopia, varando o espaço da mente, sento-me na quina de um pensamento
destemido, ousado, noutra palavra mais condizente, valente. Aniquilo a
transitória, mas poderosa matéria, e detenho-me pena! Não é a mesma coisa
sincera, séria, descrever com sangue os sentimentos que escrevo com tinta, a
alma que delineio com a acuidade da caligrafia, o espírito que ins-piro além do
bem e do mal, além das intempestivas considerações do quotidiano e de suas
sinuosidades da verdade e da in-verdade.
A lâmpada vive iluminando
os caminhos de espinhos a quem passar
nas noites escuras a se penetrar
Quando ec-sistir o sin-istro acompanhamento.
Faltou-me a inspiração, faltou-me a intuição, faltou-me a percepção para
delinear o estilo e linguagem, para burilar as idéias latentes e manifestas.
Sei sim, sei do que estou falando: a pena, a partir do instante em que
registra, a palavra esboçada pela alma, sentida pelo espírito, sofrimentos e
dores, problemas e conflitos, não deixam certezas, deixam questionamentos os
mais profundos e perspicazes, responder-lhes dura toda a eternidade e algumas
miríades de séculos e milênios além – mas com muito cuidado porque senão por um
triz nada sei mais. Alimento-me delicadamente, finesse jamais havida na
história dos princípios e exceções, do cotidiano trivial e tomo café na
cozinha, ao lado de minha doce-companheira-e-esposa, de meu
amor-singular-e-único, de quem se entregou inteira para a minha felicidade,
real-ização de meus sonhos e utopias, e eu, amando-a e agradecendo-a, teço
essas linhas em sua homenagem, uma saudação de meu ser no limiar da aurora que
parece suave e tranquila porque chovera a cântaros por toda a madrugada, porque
é doce e sensível ouvir a chuva caindo, os pingos dágua deslizarem no vidro da
janela, e os meus olhos deslizarem neles numa eterna nostalgia e melancolia,
numa imortal ambiguidade entre a realidade e os sonhos do ser, entre as
quimeras, ilusões, fantasias e os verbos do encontro e des-encontro.
Na simetria humana, há de se diferenciar,
procurando várias formas de amar para se criar;
só fica o desejo sedento de acariciar
e essas duas extremidades por fim se encontrarem,
mas torna-se utópico o desejo de se acharem.
A simetria atual virou linhas sinuosas,
onde em cada curvatura, cuidado se segura...
Estou aflito, os olhos piscam continuamente, sem intervalo. Mudei o
cinzeiro de lugar, da esquerda para a direita, nos últimos instantes, várias
vezes, acendi outro cigarro na guimba do outro. Sou capaz de dizer “agora, é o
fim”. Mais uma tentativa fracassada de escrever a vida, de torná-la o absoluto
do tempo. Mesmo para os descrentes, há o instante do desespero que é divino: se
tanto amor dentro de mim recebi, se tantas letras pude traçar nestes tempos
felizes e realizados ao lado de minha doce-companheira-e-esposa, e ainda
continuo inquieto, é porque preciso re-velar mais e mais este amor.
A voz cai no abismo
de teu silêncio,
as palavras elevam-se no deserto
de tuas necessidades de viver
o ser dos sonhos
e dos desejos.
Tu me lês,
em silêncio.
Nesse ilimitado campo de trevas,
o desejo de luzes ainda mais forte
para que a claridade
seja esplendorosa
aos nossos olhos,
então não apenas desdobrar
as asas e voar,
mas ser a Vida.
Vamos rasgar fronteiras,
atravessar rios e oceanos,
entrar nas amplidões,
nas multiplicidades um do outro,
e desfazer a solidão
de duas procuras,
de duas buscas,
de duas vontades e desejos.
"Bramo de prazer e de desejos!" Que importa se o verbo
"Bramir" seja defectivo, é na boêmia da noite, horas de solidão e
silêncio, perscrutando a cintilância de estrelas, brilho da lua, nos vestígios
de carência de amor desmedido que re-faço caminhos, sendas e veredas, porque há
em mim um impulso de forças vivas em via de se libertar da casca. Esta
necessidade e pendor para o verdadeiro, esta sede do real, do certo...
(**RIO DE JANEIRO**, 18 DE MARÇO DE 2018)
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