MARIA ISABEL CUNHA ESCRITORA CRÍTICA LITERÁRIA E POETISA COMENTA O AFORISMO 669 /**IN-FIN-ITIVOS CÓRDEIS DE SAGARANAS**/
Uma alma em pura introspecção, relatando o que vê e o que sente. É mesmo
assim, somos um amontoado de ideias cruzadas, mas emparelhadas. O fio condutor
da linguagem está bem conseguido. Um texto que retrata na perfeição uma alma
inquieta que se inquieta perante as vicissitudes da vida. Um abraço. A
ilustração sempre excelente em consonância com o texto. Parabéns.
Maria Isabel Cunha
As vicissitudes habitam os homens, a humanidade. Não é porque lhes
habitam que não podem ser refletidas, meditadas, transformadas. Suficiente um
trabalho eminentemente radical, acompanhado da vontade de liberdade e
responsabilidade. Lendo os escritores, poetas, filósofos do passado,
universais, você se conscientiza de que suas obras revelam seus próprios
conflitos, dramas, suas inquietudes, e todos desejando se superar, endossam
assim a imortalidade, eternidade de seus pensamentos. Mas, se você ler os escritores,
poetas de hoje, irá perceber não estarem nem um pouco interessados em
vasculharem, investigarem suas próprias vicissitudes, pouco se lhes importa a
decadência humana, importam-lhes as obras estarem sendo lidas, os frutos que
colhem delas, a fama, o sucesso, a glória - como bem o diz Graça Fontis:
"O interesse é o rebanho, os aplausos e encômios." Isto jamais foi
Literatura, jamais o será. A Literatura, no seu eidos, traz mudanças,
transformações. Não faço parte desta Modernidade Literária, nada tem a
contribuir, não instiga o pensamento - sendo o mais sério: esta Literatura de
hoje não me interessa. Ando sozinho refletindo, meditando, pensando a
existência humana. A linguagem e o estilo foram pensados com rigor, e
felizmente as intenções estão sendo realizadas, para não deixarem pedras sobre
pedras, não importando as susceptibilidades tocadas e atingidas, dizerem com
transparência as coisas. O que penso e sinto digo-o em quaisquer
circunstâncias, sou direto.
Este texto fora escrito com a intenção de as vicissitudes, não apenas as
minhas, conheço-as e busco a liberdade, mas as dos homens, e de maneira
contundente, serem ditas com transparência. A carapuça, quem quiser assumi-la,
assuma, estimo que dê resultados promissores.
Abraços nossos!
Manoel Ferreira Neto
Manoel Ferreira Neto para Maria Isabel Cunha
8 h ·
#AFORISMO 669/IN-FIN-ITIVOS CORDÉIS DE SAGARANAS#
GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA
Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Estou sentado na cama... É sim, estou sentado na cama... Aqui estou, com
todo o tempo do mundo.
Gosto desenxabido na boca... O estômago embrulhando... Olho os dedos se
movimentando nas letras, escrevo sem rumo e sem destino... O que me vai
aparecendo na mente, letras, palavras, palavras, letras... Só tenho as palavras
em que me segurar, são as minhas companheiras... A neblina cobrindo as coisas é
densa...
Interrompi por um instante...Quando o estômago embrulha, a pressão está
baixa... Não é a pressão que baixou... Mal estar, gosto de cabo de guarda-chuva
na boca... Até quando vou continuar caindo neste buraco sem fundo... O abismo
tem fundo desde que eu queira... Nada disso de ser mais confortável e
re-confortante permanecer no vazio do que re-colher e a-colher o múltiplo. O
psiquiatra me disse, faz anos, que, no instante da crise de vazio, escrevesse,
escrevesse... Não economizasse palavras... Fluxo ininterrupto.
Ó diabo! Quê porcaria! Como é possível encher páginas com semelhantes
tolices: o vazio re-colher e a-colher o múltiplo? Dai-me um homem, não um que
haja renascido das cinzas. Quero ver um homem, preciso de um alimento que
nutra, alimente e deleite a minh´alma; ao invés disso, veem estas asnices
supremas. Viremos a página, talvez o avesso tenha mais nexo.
As palavras recuperam o mundo. A comunicação com as coisas é impossível
porque elas não tem subjetividade, a comunicação com as pessoas é impossível
porque elas tem subjetividade. Doido, louco, varrido, psicopata, esquizóide.
Mesmo sem sentido, escrevendo. Meu Deus as vistas estão escurecendo... Preciso,
preciso, preciso... De que preciso... Preciso de luz existencial? Quiçá seja
verdade! Creio haja remontado à "era medieval", onde a escuridão é
plena, é absoluta, está-se por sempre trancado a sete chaves no breu
insofismável. A era medieval haver sido de trevas? Pura ideologia, louvores aos
dogmas e preceitos. A era medieval trouxe luzes de mais fosforescentes.
No cantinho entre duas estantes, estilo clássico, agachado, emborcado
com as mãos cobrindo a face, pensamentos, idéias, utopias sarapalhados, cógnitas
in introspectivas indagações, in circunspectivas perquirições, perguntas de
nada, perguntas vazias, entregue ao infinito, ao etéreo, ao efêmero, frágil,
inseguro, houvesse vento levar-me-ia para longínquos espaços de confins...
Gritos de socorro, á-gonias e medos, gemidos de ajuda, tremores e náuseas do
vazio, esvaeceram-se, silenciaram-se, lua solidão, estrela solidão, nada de
aquém, nada de éritos das pretéritas con-ting-ências, érisis do vazio perene,
tabernáculo de étereas esperanças esvoaça no espaço poiético do celeste,
tornando-me imortal entre os mortais, mas como pode o vazio reverenciar o
silêncio do In-finito simbolicamente com o chapéu de puro feltro, quando o céu
se abre, o poeta ponteia seus novos sonhos, viajando com loucos pensamentos?
Vesti-me: calça jeans, mês e meio de uso contínuo, camisa cinza, paletó
preto acabados de chegar da lavanderia. Precisava cobrir a nudez de horas e
horas. Saí para tomar uma cerveja no Restaurante do Robson. Ouvindo músicas,
saí de mim - se é que se pode acreditar haja modo de fazê-lo: nada sou, nem
acredito mais seja o vazio, o vazio em mim, mergulhei muito mais fundo do que
no vazio da alma; tudo são trevas, tudo são escuridões. Trancado eternamente
nas trevas?
Afoito, desesperado, agoniado, retornei ao restaurante, a cerveja estava
na metade do copo. Olhei de soslaio a lua cheia. A lua é um globo tão pouco
sólido que nele não pode viver gente de modo algum; quem vive lá são apenas os
narizes. Nós justamente não vemos os próprios narizes porque eles se encontram
todos na lua. Ao refletir, meditar, elucubrar, pensar que a substância da terra
é muito pesada e pode reduzir os nossos narizes a farinha de mandioca, farinha
de rosca, sou preso a tantas inquietações que...
Mendigo sujo, cabelos desgrenhados, esfregava um chinelo no outro,
grunhia palavras ininteligíveis. Levantou-se. Gritava e pulava, gesticulava com
os braços. Os clientes assistiam à cena. Joga o par de chinelos no meio da
avenida. Grita e pula, grita e diz palavras ininteligíveis. Senta-se na
calçada, coloca as mãos no rosto, chora compulsivamente. Penso com os botões do
paletó que está sobre as minhas pernas: "O que é a loucura?!" O
mendigo louco grita e pula na calçada do restaurante, eu vazio, nas trevas de
mim, sentado, tomando uma cerveja. Qual seria a nossa diferença?
Quem sabe, quem dera amanhã acordar e encontrar as palavras certas para
sentir o galope soberano das nonadas na travessia para as místicas paisagens do
eterno nas asas leves e frágeis das verdades que se estendem e sarapalham-se ao
longo do tempo, para os místicos solstícios do sublime!
Reverenciar a criatividade que concebe... Silêncio. Solidão de
silêncios, utopias de estesias e êxtases, silêncios de solidão, viagem
in-finitiva nos cordéis de sagaranas de trevas e escuridões por todos os cantos
e re-cantos. Por que saber que o meu nome será mais feliz do que eu? A esta
verdade não se chega apenas por criar a frase, muitíssimo simples. Quanto mais
sublimes forem as verdades mais prudência, mais sabedoria exige o seu uso; senão,
de uma noite para o dia, transformam-se em lugares comuns e as pessoas nunca
mais acreditam nelas. Hei-de silenciar a razão de meu nome será mais feliz que
eu, usarei com parcimônia e diplomacia.
Feto... Agachado, emborcado em mim, ninguém a socorrer-me, ninguém a
ajudar-me, entregue ao etéreo. Lua mistérios. Estrelas incógnitas de palavras
que em mim pervagam, divagam, flanam livres, quiçá desejando volos de
sensibilidade e subjetividade, não podendo ser registradas, serem lidas, à-toa
de signos, metáforas... semânticas... Medievos os lumes de trevas, medievas
angústias e tristezas, medievas trevas do nada. Tudo isso, porém, contudo,
todavia e mas é compensado pela des-coberta que fiz, a saber, que os mistérios
da lua são as sombras que a escuridão da noite reflete nas ruas, que guardam de
por baixo das asas da coruja que canta os silêncios nas cordas do efêmero.
Tudo está rodando em derredor a mim. Salvem-me. Tirem-me daqui. Deem-me
uma troika com cavalos tão velozes como a tempestade.
Levanto-me como quem estonteado, segurando na parede, enxergo as coisas
através de um véu de seda nublado, tudo multiplicando-se, tudo
multifacelando-se, tudo multifacetando-se, dúbias visões de um quarto de dormir
com as venezianas abertas para o longínquo da noite da ausência da alma, do
espírito. Sento-me numa cadeira de balanço - existia ela neste lugar desde que
pronunciei a "palavrita", mergulhei profundo, náusea do vazio, vazio
da náusea. Recosto-me, braços sobre os braços da cadeira, mãos caindo, sinto-as
soltas no limite dos braços.
Palavras bailam, palavras dançam, independentes, livres. Lá fora,
trovôes, relâmpagos...
dilúvio de nadas
com força inestimável caindo,
pingando
nos
terrenos
baldios.
Janeiro que veio
Depois de fevereiro,
Rio que jorrou suas águas
Antes da fonte...
(**RIO DE JANEIRO**, 29 DE MARÇO DE 2018)
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