#AFORISMO 646/NO FIO OBLÍQUO DE FUMAÇAS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA(TÍTULO: #OBLÍQUO DA FUMAÇA#)/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Epígrafe:

"Ando entre os homens como entre fragmentos do futuro”. (Friedrich Nietzsche)

Ao amor regressa um fora-da-lei.
Earp torna-se empresário de cassino.
James torna-se fazendeiro.
Halliday torna-se jogador.
O bom velho western.

Coração e sensibilidade
Espírito e subjetividade
Amor espiritual
Cavidade profunda
Seio de selva des-conhecida?
Almas de granizo.
Cantinho do bosque in-imaginável?
A eternidade expelida,
Estamos todos saltitantes, bailando na neblina,
Calados, completos.

O infinitivo dos verbos conjuga um proscrito.
Grafemas decidem trans-por pensamentos,
Trans-literalizar idéias.
Talvez certo olhar o tempo,
Olhar mais sério, não ardente,
Perscrutador, quiçá,
Que pousa nas coisas, e elas compreendem,
Sentem-se lisonjeadas,
É a tinta imortal que regencia os ventos
Que sopram as con-tingências.

No fio oblíquo de fumaças, asas de prata brilhando ao sol à mercê dos raios numinosos que esbatem nas pedras da montanha, ao derredor flores de orquídeas, murchando sem abrir.

Apanho da pena.
O homem, fora.
Fora das muralhas do exílio.
O homem, dentro.
Dentro da caverna da solidão,
Re-fletindo e meditando
As sombras do crepúsculo.

Tumbas a brasas eriçadas esgalgam ódios últimos, sorrindo fúnebres as derradeiras lembranças. Covas a chamas esfoladas esganiçam vinganças. A morte é, ao sol escaldante, esturricada. Goles tirados a tempo curto re-movem pós, sibil-idades cuja força é ser efêmera.

Sepultura íngreme cobre de nada as hipocrisias primeiras, ironias retiradas a esmo, cinismos  re-postulados, a falsa modéstia é nonada absurda a copos emborcados. Sete palmos, as cinzas esfalpadas abrem letras que esmiúçam tentáculos.

                                              Medusa
                                                 tece
                                              pedras
                                               cruas
                                                cujo
                                               olhar
                                          fundamenta
                                            o barro nu
                                  de nossas ansiedades.

Compreendo a estranheza. O exílio não existirá sem o corpo. No entanto, constitui um impasse. Impasse para o infinito. Viver o imortal. Pensava que as muralhas fossem a liberdade – nem mesmo o desejo de atingi-la, alcançá-la.
No exílio, sou ser sem sentido. Fora, a ausência de sentido é o sentido da ausência. Páginas de coisas dobradas, passadas, esfalfadas de con-tingências. É a mãe que está distante do filho, mesmo com ele no útero; longe dele, embora o cordão umbilical não tenha sido extirpado. Está à distância dele, após o cordão umbilical haver sido cortado.

Descobrir a liberdade. Exteriorizá-la no mundo.

Eterno. Carícias. Ilusões. Adeus, adeus.
Vou-me indo. Vou-me indo.
As nostalgias regenciaram de pretéritos
As intenções de eternidade.
As melancolias infinitivaram de volúpias
O silêncio.
A noite ameaça a eternidade. Mestre de ilusões.
Vou-me indo. Se deixo lembranças no coração...
Deixo vozes da alma vazia dobrando-se em muitos sons.
Há um êxtase de ritmos, melodias
Nas palavras que trazem o silêncio do infinito.
A voz noturna deixada nua e agonizante.
Vazante de todas as décadas.

Se sinto recordações no íntimo. Amigo, de nada sei.
“Ando entre os homens como entre fragmentos do futuro”.
Adeus, amigo.
Quem sabe?... Além das águas.
O que fazer? Leva a todos num toque. Adeus, adeus.
Milênio de história. É um afluxo de fora.

Santa Maria, Mãe de todas as ervas, pensai por nós,
os seus admiradores,
assim na eternidade como no mundo.

Caixões esmorecem tintas que apagam a incólume memória de anos rasgando a seda presa no fio oblíquo de fumaças. A cal cofia ambíguas vestes de linho, o medo de terras recalca o andar cambaio. O ressentimento de tijolos pisa os pés descalços. A amargura de cimento ressoa o silêncio.

O mundo é o exílio. Pensava encontrar um lugar em que descansar os ossos, re-festelar os ócios, ressonar as preguiças. A liberdade é para não estar fora do mundo. Livre, cadáver de uma perdiz ou de um faisão abatido por caçador furtivo. Agora que compreendo porque em paragens tão ricas de ideais e utopias o tempo não corta a fadiga da esperança. Todas as possibilidades são no sentido de o corpo estar estendido num fosso ou por trás de uma moita, os joelhos dobrados, os cabelos sujos de terra.

                                    Oh, deuses da imundície
                                    A sujeira das quimeras
                                    É mais mínima.

A existência procura inserir-se na morte para não se extinguir. A tristeza resultante da depressão é muito mais que um tipo de emoção centralizada apenas e exclusivamente na psique: afeta todo o corpo. Ela é sentida  tão agudamente e causa tanta dor quanto um apêndice supurado – talvez mais. 
Lembra-me isto... Talvez não possa denominar uma lembrança, chamar assim. Não consigo penetrar na significação deste termo, no sentido deste símbolo. Diria recordação mesmo. E deste termo tenho consciência do que intenciono dizer.

O invólucro tênue de afeição por toda forma de beleza surge de por trás da ternura frágil por todo conteúdo de perfeição. O Belo das atitudes envolve-me num ato de generosidade, elevando em nível de olhares fáceis, expressando e imprimindo em taças de cristal... Observo-me e as palavras ditas são sentidas nos interstícios de ações no mundo. Procuro salvar o viver de seus en-volvimentos supérfluos com os falsos ideais, com as hipócritas memórias pretéritas: coloco-me acima da vida, pers-crutando as sensações evidentes e trilho as veredas das atitudes.

A felicidade silenciosa, a sossegada e branda paradeza do tempo. Quando as coisas não acontecem ou acontecem vagarosamente que nem se nota, é como se não acontecessem. Quando não tinham ainda acontecido.
                             Por que apressar
                          o engenho do tempo,
                             o sumidouro voraz
                      das suas areias movediças?
Por que não se desligar do tempo e apenas gozar o puro compassado amor?  Por que mesmo pensar e dizer a palavra amor, quando podia ter continuado sem nome no silêncio do coração... para todo o sempre feliz e des-[pré]-ocupado?

(**RIO DE JANEIRO**, 20 DE FEVEREIRO DE 2018)

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