#AFORISMO 611/SAUDADE PUXADA INSANAMENTE POR UM JEGUE ALADO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Sou a chama, clara e viva chama de vela de sete dias que sempre balança
ao vento, não se apaga por milagre. Quiçá o vento que é leve alimente essa
chama; sinto-me, é verdade sim, íntimo da brisa que a minha chama controla.
Na colina dos insurrectos,
Célere diapasão de notas
Re-colhidas e a-colhidas
Dos sibilos dos ventos,
Afinando fantasias e esperanças...
No pico dos hereges,
Vésper dá o tom noctívago,
Taciturno das melancolias e saudades...
Outrora, idade das sendas silvestres, em cujas veredas trilhava de passo
em passo, amores e paixões na mente, utopias pulsando no peito, arfando as
querências e desejâncias, curriculum vitae da história nas mãos feitas concha,
nas retinas as imagens do amanhã, realidades, verbos de paz no coração.
Sonhos de compl-etude, sublim-idade, etude e idade, no silêncio da alma,
solidão das palavras, cujos sentidos por virem se a-nunciariam na passagem do
tempo, na continuidade das intenções e propósitos!
Outrora, idade do olhar aprisionado entre quatro paredes de tijolos simples,
da janela de madeira, lâmpada acesa atrás dela, no canto esquerdo, ao lado um
vaso de samambaia, suspenso na parede, olhando a estrela prisioneira no frio do
instante, vigiava o coração secreto que no peito trazia, a noite luzente nas
escarpas das colinas.
Quero as águas fervescentes e espelhadas de um riacho... Quero ver o céu
transbordar de acontecências di-versas, de querências em ritmos re-nascidos,
re-feitos, em líricas poiéticas nascidas de sentimentos de utopias,
trans-cendendo as meras con-ting-ências do efêmero e fugaz, em enredos e
musicalidade nascidos, em rimas inéditas, derramando seus suores face abaixo,
corpo por inteiro, por cima da terra onde sobreviver é apenas um ato de ternura
e esquecimento de vivência, onde viver outra coisa não significa, e todas as
metáforas são inúteis para mostrar a beleza da arte, a arte da poiésis em
sin-tonia com os verbos da prosa, as rimas da poesia em sin-cronia com a
sonoridade das idéias e desejos reais, senão que trilhar as estradas do sim e
do não, da verdade in-versa, da in-verdade real na sua vertic-alidade, da
mentira e da fantasia na horizont-alidade do querer e do real-izar.
Quero as estrelas brilhantes mostrando caminhos por onde trilhar à busca
da alma que assanha, eriça além dos cimos, além das serras, além dos picos.
Quero o sol que brota das rotas madrugadas, derretendo a alma, fazendo dela
esperma-cete. Quero esclarecer os planetas que falham ao decorrer do medo, no
per-curso da angústia, no de-curso do desespero, que os abafam qual olhos de
gato angorá cintilando no céu, brilhando nas suas nuvens brancas e azuis,
apesar de serem ilusão de ótica, no firmamento negro e sensível da alma humana.
Quero conciliar na córnea imagens bucólicas, não melancólicas e nostálgicas
para lembrar Davi no seu pastoreio de ovelhas, ainda adolescente, nem os poetas
do neoclassicismo compondo seus versos no pálido crepúsculo do inverno... das
longínquas perspectivas a carroça repleta de saudade puxada insanamente por um
jegue alado. E ainda continuo querendo!... Por sempre, continuarei querendo!...
A querência continuará sendo por sempre.
Atrelo sonhos no jegue indômito que dispara e zurra e me entontece, dou
rédeas às utopias dos instintos que cochicham, quando o rabo espicha, ao nada
da contingência, quando o rabo inflama, deixam-me extasiado, olhando os coices,
con-templando as ferraduras que deixam rastros em todos os solos, e ferram
todas, só os índios são capazes de identificar e reconhecer: antigamente ele
nutria escombros, restos, agora outro pasto o abastece, alimenta, nutre,
enche-lhe o estômago, sente-se satisfeito, disposto para outras caminhadas,
energias não mais se lhe esgotam, nenhuma manifestação de coice... se agora
suas crinas eriçadas de prazer, de sorrelfas e buscas da morte que a vida esplende,
que o vento e as potrancas voam em liberdade enluarada, remexendo suas
lustrosas ancas. Outrora um trote cego e o arreio era cilício na cintura: a dor
de esporas e látego e o freio.
As criaturas da noite são apaixonadas. Fazem anarquia, fazem comunismo,
fazem liberdade, fazem nonsenses e ridículos. Uma farra que descobre
sentimentos, que envela dores e sofrimentos, que omite mágoas e ressentimentos,
que eleva os fracassos e frustrações às antípodas da terra e do mundo. Que amam
a madrugada, o latido dos cães, o zurro dos jegues puxando carroças. Que cantam
com fervor, cânticos os mais di-versos na esperança de a aurora nascer,
performando novos passos de dança, à luz do corpo, constituído de carne e
ossos, de sensações e calafrios. Que somem sem deixar quaisquer vestígios.
Empalidece e cai a noite
que num murmúrio,
sussurro,
cochicho,
martiriza uma parte adormecida do UNI-VERSO,
e como cantam as aves cantam os sinos,
novamente batendo,
acordando o abismo que arregala de olhos vendados.
Se todos sonharam?
Sonharam, sim,
e neste sonho supuseram
as mais lindas histórias da escravidão
e desrespeito aos direitos humanos,
e como numa fábula resplandece a paz
que mais uma vez julga inter-mediária da conquista e do resplendor.
Ali, à face da montanha, vejo sumir-se, nos pingos dágua, expressando de
outro modo asco e náusea que me habitarão, enquanto for vivo, mesmo debaixo de
sete palmos – disse à querida-doce-companheira-e–senhora que na sepultura vou
sentir falta de nossas noites de amor e agarração -, mesmo por toda a
eternidade até a consumação dos tempos, e serão sentidos por qualquer
indivíduo, embora a sua sensibilidade seja apenas para sobreviver no mundo, a
mentalidade bem menor que o salário do egregíssimo Prof. Raimundo, o milagre da
obra humana, a magia das esperanças de algo ser construído à luz da verdade e
do amor. Na minha voz tranqüila, impérios ruíram, orgulhos e vaidades escusas
desmoronaram, ostentações de moral e ética indevassáveis quedaram sem direito a
único suspiro, até as letras, em princípio, uni-versais e eternas conheceram o
nada e o vazio do nascimento da razão, uma luta de morte pré-cede todas as
mudanças, no sil-êncio da ordem uni-versal rigor da razão cobre o tempo novo, a
fé nova que nasceu, as velhas que se transformam, mudam de fisionomia, mudam as
faces. Esse cenário, se as câmaras cinematográficas filmassem em todo o
esplendor e magia, transcenderiam a contingência de oitava maravilha do mundo,
o mundo inteiro conheceria a divinidade do espírito e sensibilidade da imagem.
Continuo escrevendo
para um mundo distante,
para mentes longínquas,
de sermos nós,
mas amplo de nossos pensamentos,
mitos,
ritos e história.
E que minhas escritas caem num lugar vazio, num abismo sem fundo, onde
este vácuo esteja imune da podridão, do odor fétido, muitas vezes ocupando a
mente e a alma... Pensando, orando, ou a cantar, encontro em mim uma
libertação, prazer que e-nuncia outros sentimentos e emoções, às vezes uma
liberdade que esconde e liberta com sua única arma de defesa: “O LAZER”.
Todo dia, faça chuva ou faça sol, há o jogo de luz e sombra, jejum
repleto de gula, o réptil sub-reptício com sua gosma de íntimo. Quem não sabe
dos buracos negros nas profundezas do poeta? Quem não conhece os vazios e nadas
nas pré-fundas do escritor? Se os homens e a humanidade, mesmo que nos olhares
de esguelha, não sentissem pena e comiseração de nós, o que seria de nossas
vidas? Em verdade, humilhe-nos e ofende-nos, somos todos dignos de dó. No
observatório do coração alucinado, perdido nas costelas das constelações, nas
costas das estrelas e da lua, de sonhos e atônitas realidades, o escritor, o
poeta são galileus no breu das inquisições, nas trevas da Idade Média. Todo
cair da tarde a toada de medo, de insegurança, poema ou prosa de droga, droga
de prosa poética!, o morrer que começa feito cócegas nos dedos.
Ouço, só, só no ser e verbos entre todas as ad-jacências do amor aos
sonhos e utopias, quimeras e fantasias, o silêncio, silêncio afogado e úmido,
longo suor frio, na medula espinhal ou no joelho que separa a perna da
anti-perna, silêncio branco e sepulcral. Quero amanhã lembrar-me que fui
embora, larguei o passado à mercê do esquecimento do tempo, da indiferença e
desprezo humanos. Jamais me esquecerei do olhar do ator John Wayne no filme
Rastros de Ódio, contracenando com seus filhos Ethan Wayne e Patrick Wayne,
numa cena de escuridão e uma luz fosca, o olhar perfeito do desprezo, só por
ele merecia um Oscar inédito na história do cinema, o Oscar do Olhar verdadeiro
e sincero, e nenhum ator senão John Wayne seria capaz de mostrar-lhe nas telas
mundiais, ele que era frio e duro por fora, mas sensível por dentro. A Academia
não dera a mínima para este filme. É com esse olhar que olho a hipocrisia
humana, a história de certo povo.
Na face das velhas casas alastram-se manchas de água, o rodar dos carros
estruge no enlameado da rua feita de pedras, o meu bafo quente coalha nos
vidros turvos – disse-o nalgum instante de minha vida, em circunstâncias e
situações de que não me lembram, mas agora expilo a fumaça do cigarro à mercê
do vento que se dirige ao leste do paraíso celestial, naquela época era a
respiração lenta e comedida que se distanciava, a diferença de sentido e
sentimentos reside aqui, hoje o éden está muito íntimo, entrelaçado em mim,
comungado a todas as dimensões de minhas re-versas razões e in-versa
sensibilidade, avessa intelectualidade e intuições do cogito ergo sum,
lembrando-me do filósofo Descartes, por quem me senti atraído na idade de minha
juventude, apesar de que não tenhamos quaisquer semelhanças nos interesses e
objetivos, nas idéias desfaço-lhe as seguranças e certezas do que há-de vir, o
por-vir tranqüilo e sereno, sem quaisquer dúvidas, a ciência pura e absoluta da
vida, acompanhada da intuição, percepção, imaginação, inspiração, enquanto que
o paraíso celestial ao leste está bem distante de mim, só mesmo na imaginação o
concebo, e o desejo é de me aproximar dele, saber-lhe, re-colher-lhe e
a-colher-lhe, no tempo, literalizado, tecer palavras que lhe id-ent-ifiquem a
essência e o ser por vir. E imerso assim em umidade, quase alcançando a
lod-icidade, com os pés frios, esmaga-me um cansaço sem tempo, um abandono
absoluto da vida e da morte.
Sempre um sepulcro sutil
debaixo do edredom e cobertor,
altas horas da madrugada,
minutos antes do canto do galo,
na arapuca de Morfeu
os pesadelos de Sísifo,
assim ou assado,
em si mesmo petrificado
– narcísifo en-si-{mesmado}.
Vomito finalmente o mito repelente, o mito indecente e indecoroso, o
mito refutável e descartável: admito ser gente, con-sinto em ser humano, estar
à mercê do tempo, estar sujeito a trans-formações, estar sujeito a ser o outro
de mim, envolvido em todos os princípios e verdades do final.
Três horas da madrugada: reclamam as asas da alma espaço para voar além
do corpo e do catre, além do bairro e da praça, além do chapadão e dos
córregos, quer a alma excitada voar além da cidade, além das florestas
silvestres, apesar dos morangos e pêssegos deliciosos e apetitosos, que tanto
aprecio, além dos mares que se perdem no infinito, confundem-se com as nuvens
brancas e azuis, deixam olhos extasiados e voluptuosos de prazer com a beleza e
magia do uni-verso, universo que des-lumbra o barroco de sua apoteose, que
a-lumbra o expressionismo dos sofrimentos e dores da alma, vice-versa-lumbra o
realismo dos pensamentos e idéias no per-curso do tempo e de suas contradições,
suas tragédias homéricas e ulisseanas. Pois que voe a desalmada, voe mais que
águia, deixando o corpo em soluços, dissolvido sonrisal, alka-seltzer num copo
de solidão. Sempre uma dose de angústia sobre o acrílico do medo no Pôr do Sol
da periferia onde, amargo, me exilo, penso e sinto o que me convém, o que está
de acordo com a minha alma e ser, as saudades indescritíveis e indizíveis de
minha querida Catuíbira se me anunciam todas, sou todo saudades, sou todo ouvidos
dos sibilos do vento, sinto-me sendo o outro de mim, e mando o resto para a
“Tonga-da-mironga-do-cabuletê” ou pentear macaco no pálido crepúsculo das
montanhas...
Sonho que vai, sonha por que vem atraindo o toque de ser tocado,
acariciado, sonho das belezas das profundezas espirituais, das buscas profundas
de felicidade e alegria; dormindo, sonhando, sonho das realezas das perfeitas
cordiais de sentir, de tocar, imanizar e curtir sem ser curtido. Sonho que leva
tudo que corre no tempo, no espaço, nos traços entre-volados e opacos sem
corrigir. Sonho de sonhar sem sentir, de interpretar, de impor, de ver e saber
aquilo...
Oh, bela terra não pode ser ingrata nem julgar suas costas cansadas inda
jovem, nem fugir a paz ser sensata, volver com príncipes milharais e no arroz
as espigas em ouro lhe envolvendo e o café... Oh, bela terra que acendeia em
terra própria vida de matéria viva, imagem de sonho, eros oníricos, o mar
aberto, ondas pequenas, ondas grandes, a liberdade em seu peito...
Oh,
solo trincado pelos raios do sol,
por entre
o matagal virgem resplandece.
(**RIO DE JANEIRO**, 04 DE MARÇO DE 2018)
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