#AFORISMO 481/JOGOS DA MENTE E PERQUIRIÇÕES# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Antes que a chama dourada possa arder com um brilho firme, deve a lâmpada estar guardada num lugar livre de toda a aragem. Exposta à brisa volúvel, a chama tremerá, e, tremendo, lançará sombras enganosas, negras, e sempre variantes, sobre o sacrário branco da Alma. Antes que as miríades de faíscas de fogo se espalhem pelo ar, preciso que haja cobertura de vidro na lamparina, a claridade poucochito ensombrecida das lâminas de fogo dá-lhe um semblante expressionista.


Fluxo de sentimentos e emoções, fluxo de imagens e flashes, fluxo de desejos e vontades, fluxo de sensibilidades em demasia delicadas, senão con-templá-los com acuidade o que mais poderia real-izar, por isto deixo a vela no castiçal ir esvaecendo à medida que o fogo vive. Minha mente segue criando idéias, pensando o pensamento que pensa.


O verdadeiro conhecimento não se descreve; sente-se, e sente-se tanto melhor quanto menos se pode descrever, porque ele não resulta dum conjunto de fatos, mas de um estado permanente.


Nas águas de um rio sem margem? Águas que se deslizam em alegrias, felicidades, cristalizam-se em resplendor. Sou em caminhos sinuosos horas que soube viver na minha per-{vers}-idade, nos redutos polvilhados de nostalgia, escapadas dos tortuosos, retos, dolorosos segundos, em declive contínuo, águas não sobem montanhas ou serras ou mesmo pequenas subidas ou grandes que temos de caminhar nelas em nosso quotidiano pela cidade, as águas que seguem o seu itinerário. Quem já não viu em alguns rios em que neles já esteve a long-itude de nosso olhar ao seguir em realizações, tristezas, em saudades, em nostalgias, em sonhos, sonhos que há no amor, na entrega?! Pode-se fugir delas sem esperança de retorno, mas a curva amada tem os poderes das origens: é um apelo ao conhecimento e ao sonho de entendimento e abertura.
São olhos, mas não vêem, porque estão na luz. É tudo, em mim e à volta, tão obscuro, tão oblíquo, tão obtuso que me estupidifico com glamour, ofuscado sinto-me!... Há muito tempo que pensava em esclarecer o que há de tão in-inteligível a olhos nus, desejava enxergar através de meu "pinceneurfs", se não me engano quanto à escrita desta palavra, vi-a também escrita "pincenez". E talvez mesmo, já que a hora é propícia a con-fidências e con-fissões, me digne a res-ponder a esta pergunta: “Por que, no de-curso destes anos todos, não usei de minha inteligência para dissipar as trevas, para me libertar espiritual e intelectualmente?” Oh, não é a qualidade de minha alma, sopro brando de fragrâncias, exortação de verbos, evidência de sigilos, bafejos de peças florais suaves e balsamizadas, a narina presente colhe o aroma passado, o tempo, embalsamado, continuamente vibra, que está em causa. A minha profundidade é in-alcançável, mas fulgurante de segredos e gargalhadas, de mistérios e ouros, de enigmas e risos, de jogos da inconsciência, da mente e perquirições, sobretudo da certeza de que sofrimentos e dores são a pedra angular da busca da majestade do crepúsculo, são o que engrandece a alma e o espírito humano, são a nossa redenção, ressurreição. Sem eles, tudo é um vazio sem eiras, sem beiras.


Os deliciosos riachos, salvos dos devaneios esquecidos num canto, dos desvarios ornamentados de luxúria na moldura, ao lado da Estrela Polar – recebem a confidência daquilo que carrego de mais humilde, de mais ignorado, de mais inconsciente no fundo de mim mesmo -, penetrando na alma das coisas que fizeram a alma desta minha casa interior, somos revérberos um do outro.


A princípio, e apesar de todos os absurdos, asnices, um esplendoroso festival de paradoxos, absurdos, impossíveis, sinto-me defraudado. A ec-sistência compõe-se de verbos in-finitos, in-findos, apreciar-lhes o espírito, ad-mirar-lhes as dimensões sensíveis, o ser é o que é, o que vir a ser... Antes me havia questionado, até ameaçando os instintos frios de uns bons petelecos, se não me legassem o direito de saber porque são tão poucos os homens que conseguem viver por um ideal. Agora, aleatoriamente, percebo que todos os homens são capazes de morrer por um ideal. Mas não por um ideal seu, livremente escolhido, mas por um ideal comum e transmitido. Creio já haver ruminado isto nalgumas ocasiões, e jamais poderei saber se o dissera antes ou depois da eternidade que vai muito longe.


As mãos desenham uma nuvem, um barco aberto ao céu por sobre as florestas, um nome que o silêncio e as paredes me destinam uma estranha casa que se mantém na minha voz e que o vento habita. Sigo a vereda sob um véu de chuva, a casa parece elevar-se por sobre a gaze mais transparente, uma gaze tecida num alento que tinha expirado. Vocação de felicidade, longe de ser nociva à vida prática, alimenta-lhe os atos.


(**RIO DE JANEIRO**, 18 DE DEZEMBRO DE 2017)


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