#AFORISMO 484/LERO-LERO SEM EIRAS E NEM BEIRAS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Por vezes, busco com-preender, entender o porquê de a razão não aceitar,
con-sentir as euforias, entusiasmos, exultações com revelar alegria e
felicidade por definir e conceituar algo como expressão da beleza, do belo, da
verdade, quiçá não con-sinta isto, fere-lhe os ouvidos, emudece-lhes, seca-lhes
a boca, a gargant, o sapo seco indubitável. A razão é exigente, prepotente,
intransigente. Para ela, pinguela é pinguela, pinga na goela é pinga na goela,
tomar uma coisa por outra e apologizá-la é atitude de tolo, é tolice de bobo. E
quando ela canta a plenos pulmões no terreno baldio da alma, dizendo o definido
e o conceituado não é o belo, não é a beleza, sinto-me lesado, negligenciado, e
rumino altissonante, até fora do mundo sou ouvido: "Quem és tu, Terezinha?
Tu não significas nada, apenas um grão de areia na praia arenosa. Só a
sensibilidade pode dizer se algo é belo, se algo é a beleza, se algo é a beleza
do belo. Seja humilde, aceite a sua pouquíssima significação." Solta ela
aquela gargalhada estridente, dizendo: "Como é tolo!". Nada
res-pondo: não sou homem que dê milho para bodes.
A Arte é a Juíza da Arte - quem mais possa sê-lo. O que se depreender,
assimilar, interiorizar, são opiniões, pontos de vista, só a Arte é o
testemunho da Beleza e do Belo, e o que isto pode trans-formar o destino da
humanidade, sendo luz, sendo perquirições.
Quanta vez pensei em dialogarmos a respeito do conceito, definição do
belo, da beleza, sendo ela a razão, sendo eu a sensibilidade, diálogo que se
tornaria póstumo pelas posturas e condutas da busca da verdade, de minha parte
as in-vestigações criterioras, a sensibilidade con-sente as dimensões sensíveis
são os juízes, os jurados, mas sempre desisti de fazê-lo, devido ao fato
inconteste de suas intransigências, megalomanias, jamais admitiria certas
perspectivas e pontos de vista, e poria em cena todas as verborréias racionais,
intelectuais, lero-lero sem eiras e nem beiras. Assim não pode haver diálogo.
Nesta manhã, assim que acordei, deparei-me com uma palavra, de imediato
dizendo: "Esta palavra é linda, deveria ser considerada uma das maravilhas
do mundo". Título de um poema. A palavra é DEAMBULAR, o título do poema é
DEAMBULANDO. Significa: VAGUEAR, PASSEAR. E a razão já gritou imperiosa:
"Não é a palavra que é linda, você definiu como linda. Foi o poema que lhe
tocou profundo!" Dei-lhe aquele sorriso amareliçado. O que a razão pensa
ou deixa de pensar pouco se me dá. Aliás, muito antes de conhecer este poema,
amei de paixão esta palavra. Definia com esplendor e excelência, digamos assim,
as características de minha existência, sempre vagueando, passeando à busca da
verdade. E desde então tornei esta palavra "Lema" de minha
existência.
A palavra tornou-se a expressão máxima do belo e da beleza para mim,
quando, no poema, o tema é o passeio, o vaguear no tudo e no nada, aspirando,
desejando, sonhando a plenitude. Há coisa mais linda, mais maravilhosa que
ambicionar chegar ao pleno, nisto de passear no tudo e no nada, sabendo, de
antemão às revezes, que se mergulha no nada? Aí está a expressão da
sensibilidade: mergulha-se no nada, mas o passeio, o vaguear, o deambular
continua irreversívelmente. A razão depôs a sua prepotência, ser ela a última
palavra da verdade, e entra em cena a sensibilidade. Rumo ao pleno é a sensibilidade
que revela, manifesta, mostra as sendas e os caminhos. Jamais a estagnação
pres-ent-ificar-se-á. Sempre deambulando estará a sensibilidade.
A palavra foi-me linda, expressão do belo e da beleza, desde o nosso
encontro, tornando-a lema, o texto veio pres-ent-ificar, esclarecer o que é
isto - deambular no tudo e no nada, no decrépito e na intelectual, à busca do
pleno.
Me não tendo sido dadas a engenhosidade e a arte, e sendo as sementes
que habitam o íntimo, os recônditos e interstícios da alma, são sine qua non no
ínício da jornada, deixá-las serem con-sentidas, comungadas, aderidas,
abraçadas, projectá-las, se não trouxerem prazeres, mais lutas para as
luxúrias, vaidades, caso contrário o rabo entre as pernas, não, passos nas
estradas, ouvidos pela noite, espectros para o vir-a-ser na manhã.
A razão re-colheu-se no seu cantinho, creio estar re-fletindo, não nas
suas intransigências, orgulhos, vaidades, pernosticidades, mas no fato
inconteste de ter de tirar o chapéu diante de mim, sou osso duro de roer,
vencer-me é preciso muita lábia, não só faço da palavra o que quero e desejo,
faço de meus sonhos a minha entrega ao deambular no mundo à busca da Verdade.
(**RIO DE JANEIRO**, 19 DE DEZEMBRO DE 2017)
Comentários
Postar um comentário