#AFORISMO 607/ANJOS DO SENHOR, OUVI OS SINOS DA CATEDRAL# - GRAÇA FONTIS: PINTURA(TÍTULO: #CÂNDIDO ANGÉLICO#0//ARTE ILUSTRATIVA//Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Anjos do Senhor, ouvi o Sinos da Catedral!...
As maneiras nobres, finas, delicadas, diplomáticas, as etiquetas das
falas e con-versas – características, aliás, em absoluto difíceis de serem
encontradas e re-conhecidas em nosso mundo; disseram-me, um antropólogo, ter
havido tempo em que a porca "terra" torcia o rabo do lado diferente,
nada entendi do diferente, conheço o comportamento da porca de torcer o rabo do
lado contrário – têm um tom conveniente e colorido, o que agrada sobremodo aos
olhos, à sensibilidade, causando satisfação e prazer à alma e espírito, e,
embora demonstrem, de quando em vez, de por vezes, os sensíveis efeitos que
podem exercer sobre os homens, sobre os indivíduos, encontram um sem-número de
ocasiões para amenizar e temperar as situações e circunstâncias através de atos
de delicado assentimento e condescendência, embora estes termos sejam
sinônimos, mas o desejo explícito é de enfatizar bem a idéia, ornamentar as
cositas do sarcasmo, ativá-las.
Um homem que não tenha tido sofrimentos, não tenha passado nenhuma
desgraça, não tenha tido as mais variadas dificuldades, pode passar pela vida
sem conhecer, pelo menos em si mesmo, qualquer coisa da possível compaixão,
solidariedade, bondade do coração humano ou um suspiro da sua possível
maleficência, arbitrariedade, gratuidade, enfim, de sua possível maldade.
Muitas pessoas pensam que alguns modos de me expressar são carregados de
uma óbvia ironia, ademais tendo elas descoberto que tenho o hábito de negar
para afirmar e afirmar para negar - a companheira num instante e momento de representação
dissera que está ficando enlouquecida com os in-versos e reversos, as re-vezes
dos ad-versos, como entender e com-preender tudo isso, está pensando em torcer
os miolos do lado contrário, os resultados serão outros, evidentemente -,
muitas vezes não sabendo se posicionarem e interpretarem o que há de por trás
deste hábito, e se recusam as mais das vezes conversar comigo, dirigir-me as
atenções, olhar-me no rosto.
Anjos do Senhor, ouvi os Sinos da Catedral!...
Não me é dado re-cusar, refutar algo de mim, acontece a todos os
instantes: pergunto-me se posso falar de um olhar voltado para o rosto, porque
o olhar é conhecimento, percepção. Penso antes que o acesso ao rosto é, num
primeiro momento, ético. Quando se vê um nariz, os olhos, uma testa, um queixo
e se podem descrever, é que nos voltamos para outrem como para um objecto. A
relação com o rosto pode, sem dúvida, ser denominada pela percepção, mas o que
é especificamente rosto é o que não se reduz a ele Aliás, pensam que deveria eu
assumir, enfim, o que penso e sinto, dizendo com todas as letras, ao invés de
ficar encarapitado em cima do muro, uma expressão muito usada por elas, assim
podendo elas endossar minhas opiniões ou simplesmente recusa-las como, além do
mais, está bem visível nos bons costumes, nos figurinos mais sofisticados da
sociedade e dos indivíduos em particular.
Interessante é que, se digo o que penso e sinto, há uma completa e
absoluta insatisfação, os esgares faciais mais estranhos e evidentes, e, de
imediato, os comentários atravessam a cidade de norte a sul, de leste a oeste,
ser eu um indivíduo irreverente, intransigente, alguém que se pensa e se julga
de nobres e finos conhecimentos, não passando de um retardado, bem este termo é
muito forte, nem mesmo elas assim o dizem, mas um inconseqüente. Interessante
porque demonstram nos olhares e nas faces o desejo de descer eu do muro, de
definir os meus termos, e, se o faço, logo demonstram insatisfação, coisa que
não entendo.
Bem provável que o desejo delas seja não que eu desça do muro, defina os
termos, mas seja de maneiras nobres e finas com as atitudes de ironias e
cinismos, com as atitudes de observação das mazelas, achaques, pitis, e outras
cositas mais, dos homens. Continuo não entendendo por não ser eu quem use de uma
linguagem chinfrim e reles, não demonstre vulgaridade, aliás, se o fizesse,
deixaria de ser ironia e cinismo para ser um ataque ou agressividade.
Outras ainda, se não muito poucas, poucas, além disso, pensam que a
seriedade de minha linguagem, de meus questionamentos, até mesmo dos meus
olhares, são devidos a motivos e razões que as fazem sorrir, às vezes
gargalhar, às vezes insinuarem um sorriso muito mal esboçado nos rostos, ou
darem pouca importância ao que digo, ao que desejo conhecer e saber, ao que penso
e sinto.
O engano da maioria das pessoas é pensar que é através dos ouvidos que
há a comunicação com as verdadeiras intenções, com os mais profundos interesses
da alma, com os abismos do espírito, e que, portanto, com algumas poucas
palavras é já possível saber o que alguém está realmente desejando dizer. A
verdade não é bem essa: é sob a reação da mente às informações apreendidas
pelos ouvidos que o prazer ou o desprazer são construídos, e assim é que as
pessoas diferem tanto em seus pontos de vista.
Digo-lhes sem medos de ferir as susceptibilidades, que a mim concederam
um Diploma de Colaborador em tablóides, escrevendo sobre as figuras folclóricas
da cidade, e no instante do agradecimento sobre os interesses da alma humana,
recebia o diploma por cortesia, mas não tive interesse de diploma por escrever
sobre os loucos, os ensandecidos, os mendigos que foram fazendo o folk-lore do
munícipio. No outro dia, não se falava noutra coisa senão a minha desfeita ao
recebimento do diploma.
Anjos do Senhor, ouvi os Sinos da Catedral!...
Parece-me que pela primeira vez me coloco à distância destas pessoas,
cujo único interesse, no meu parco ponto de vista, lembrando-me que o ponto de
vista é visto de um ponto, é que não as observe, deixe-as agir conforme lhes
aprouver, use da língua e da linguagem como bem lhes apetece, com erros os mais
crassos possíveis, com a nobreza de conhecimentos a mais sofisticada possível,
com os comportamentos e ações mais inconseqüentes e arbitrários, com os hábitos
e manias mais esplendorosos, coisas que os homens todos somos e representamos.
Como se os tumultos, insatisfações, bochichos, a observação e a perspicácia dos
olhares fossem suspensos, um prêmio para as imensidades do infinito, uma
lembrancinha para as secretas chamas da alma, um descanso dos enigmas humanos.
Não fossem as pessoas presentes, tomando os seus drinques, degustando porções
disto e naquilo, a matraca da língua ativada em todas as linguagens, vendo-me a
observá-las, diriam que estou simplesmente criando e fantasiando as coisas,
atitude de um homem ridículo. Olham-me de frente, fazem seus esgares faciais,
não lhes res-pondo a nada, não sabem o que penso e analiso, se me indagarem,
respondo a estilo, mesmo que não agradem; não indagam, não querem ouvir o que
não desejam.
No lugar de todas as ansiedades, de todas as angústias, desolações,
frustrações, fracassos, uma calma reparadora, uma tranqüilidade que não parece
fruto da inépcia e da inércia, mas do equilíbrio entre os paradoxos, entre os
antagonismos; atividades infinitas, repousos infinitos.
Anjos do Senhor, ouvi os Sinos da Catedral!...
Creio que com esta atitude de me colocar á distância destas pessoas,
apenas olhá-las de soslaio e esguelha, olhá-las no rosto, convoco as falsas
testemunhas ao tribunal dos sonhos e das quimeras, para triunfo da inocência
imolada. Confundo o perjúrio e revogo as sentenças dos juízes iníquos. Construo
no caminho de luz nas trevas, com os materiais imaginários do cérebro, templos
e tabernáculos que superam o esplendor de Babilônia. Evoco à luz do sol os rostos
de belezas sepultadas há milênios, purificadas dos ultrajes da tumba.
Até mesmo com o sino da Catedral estou agora em paz: ele soa, badala,
badala, badala, suponho, da mesma maneira, nas horas de missa aos domingos, por
ocasião da viagem de alguém para a eternidade, para o enlace matrimonial de um
casal...
(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE FEVEREIRO DE 2018)
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