#AFORISMO 600/OKIE FROM MUSKOGEE: SILÉSIAS DE ETERNIDADES LÍQUIDAS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA(TÍTULO: #UTOPIAS DO OLHAR#)//ARTE ILUSTRATIVA//Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Branda e doce como um amanhecer num bosque, nasce a inspiração. Invento
o que deveria dizer. Re-presento o que haveria de ser. Os olhos fechados,
entregue, digo baixinho palavras nascidas no instante, nunca antes ouvidas por
alguém, ainda tenras da criação, ainda viçosas do orvalho das utopias. Palavras
vindas de antes da linguagem, da fonte, da própria fonte originária. Sinto-me,
no entanto, pleno como se tivesse sorvido um mundo inteiro.
Se sou eu quem tira a água do fosso, também sou eu quem a bebe ou dá de
beber a alguém sedento. Se sou eu quem está se referindo com constância ao que
lhe aborrece, também sou eu quem ouve falas e comentários, dizeres e falácias.
Se sou quem não fuma Marijuana na varanda de trás da casa, não tomo LSD no
silêncio da alcova, sou quem também não componho versos alucinógenos, adoro a
Banda do Coração Solitário do Sargento Pimenta. Aprendi de uma vez por todas
que se todos concordam com algo, alimentam de leite e mamadeiras de mingau o
que sorrelfiam à verdade plena e absoluta, e sou eu o único que não concorda,
melhor para mim próprio, posso estar quietinho no meu canto seduzido pelas
silésias de miríades do infinito, imaginando o meu espírito performando
eternidades liquídas.
Não endosso as opiniões de todos, e isto posso fazer sentindo-me livre e
tranqüilo. Posso, com efeito, recusar o que todos aceitam com alegria, fazem da
coisa o tesouro supremo do estar-no-mundo, sentem-se alegres e saltitantes,
jamais olvidados, jamais danados pelas línguas de trapo. Não preciso de estrelas
dependuradas no peito, não necessito de ornamentos, enfim compreendi que estilo
não é questão de apenas arranjo, não careço de ostentações, linguagem não é
questão de fluxos da alma que prescinde de si revelada, seja sentida nos
interstícios do sensível. Também não peço que concordem comigo, não sou nada
humilde para não afirmar que não estou a necessitar de concordâncias nem de
regências para os verbos proscritos e prescritos, infinitivos hereges de fé e
esperança. São meus, assumo-os no frio de todas as sepulturas, destas
sepulturas de apelos tantos. Suspiros e perguntas gemem, afogam-se, consomem-se
e lamentam-se dia e noite. Não me esqueço de ouvir a voluptuosidade que
respiram esses queixumes, estas lamúrias, extasias que inspiram rogos e suspiros.
Continuo recusando, e se duvidar sou capaz de recusar por todo o sempre, mesmo
que seja eu o único a dizer isto e aquilo. Ouço as falas e comentários, mas não
ponho fogo na palha, restará em cinza, não faço o vinho transbordar na taça de
cristal. Recusei, recuso. Poderia muito bem haver aceite. Se houvesse aceite,
estou tentado a dizer que nada teria se tornado possível. Afianço que nunca me
senti culpado com uma decisão por mais absurda que tenha sido. Ao redor de tudo
o que se diz e se escuta, a natureza brutal adorna-se com seus encantos
adustos. Faço rebrilhar o cenário ad-verso que re-cobre a natureza e lanço os
olhos de todas as línguas por entre as casas, por cima de todos os tetos, à
distância na poeira das estradas.
Subindo um dos caminhos no flanco da montanha, o que vejo surgir em
primeiro lugar são os grandes turbilhões de sol, o vento se alastrar, arejando
a cidade desalinhada, dispersa pelos quatro cantos de uma paisagem montanhosa,
e fundindo-se com ela. Tudo isso faz com que se eleve em direção ao caminho que
segue o flanco da encosta um perfume de vida.
(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE FEVEREIRO DE 2018)
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