#AFORISMO 562/VÓRTICE DE SOMBRAS A ENGENDRAREM OS ECOS ILUSÓRIOS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Teço a teia de idéias, pensamentos, surgindo-me vãos.
Sobre ela, a teia de idéias, pensamentos, há milhões de gotas de orvalho brilhantes como o diamante. Todas as cores do céu refletem-se deslumbrantes no tapete cinza que teço. O que espero ressurgir em todo o seu esplendor não são lembranças ou esquecimentos de tempos anteriores a quaisquer outros. Saberia dizer o que espero ressurgir?
Vem para aqui, porém, se em mim atenta, um dia ao longe ouviu os meus
agouros, e de alguma mansão então ausenta com carro de ouro, que você mesma
atrelou, e à terra escura as breves aves vão me conduzindo, asas batendo ao
céu, o éter censuram, no ar vêm vindo, e pousam logo, e indagam-me co’a face
eterna em risos: Que mal de novo eu tinha, eu ansiado aos seus avisos?
Embora as muitas tonalidades do cinza, uma peculiar transição entre uma
e outra, entre elas, ilude as paredes e crateras com a parca luz da manhã
obliterada por vórtice de sombras a engendrarem os ecos ilusórios de sons de
palavras perdidas desde o momento em que se me anunciou uma intuição, tecer as
paredes rochosas das crateras, um tapete a ser ostentado na parede de meu
quarto.
Por que nalguns instantes do tecimento das paredes rochosas das crateras
me perturbou o espírito de prudência que me albergava no peito? Tivesse
interrompido o suficiente para saber o que me perturbava, teria ora que termino
o dia de trabalho, só cessando ao se aproximar a noite, quando as vistas não me
permitem continuar, uma visão nítida de todas as preocupações de meu coração,
todos os males que suportei, o orgulho de haver sido iluminado por dom
gratuito. Voz deliciosa, de perto, escuto, inclinando o rosto e meu riso
luminoso que acorda desejos – ah! eu juro, o coração no peito estremece de
pavor, no instante em que me vejo: dizer não posso mais uma só palavra.
Então minha lascívia me delicia mais do que o usual e meu movimento
ininterrupto e as palavras adaptadas ao jogo e o fato de que, quando havia
derramado a volúpia de ambos, restava no corpo cansado um imenso langor.
Deveria ter vivido feliz entre os homens, mas me deixei ser levado por
angústias, medos, temores, deixando arrebatar pela imaginação fértil, nos
liames de impetuosos pensamentos e sensações! Defendo-me com o tecido de
estratégias e artimanhas, não permitindo que tão difíceis dores me tomem por
inteiro, acabando-me por enfastiar de tantas lamúrias com as lágrimas a
correrem-me sobre as faces. Mantenho os olhos enxutos e imóveis nas pálpebras,
como se fossem insensíveis, recalcando as lágrimas, por assim me convir ao
ardil.
Não interrompi um só segundo para des-cobrir, des-acobertar o que estava
a perturbar-me, o porquê de o espírito de prudência incomodar-me. Olhando o
tapete, os pontos em que o espírito de prudência se anunciou, e, por alguma
hesitação ou medo, preferi não dar atenção, e só agora percebo estão presentes
ainda mais que antes, são todos os instantes reunidos, não podendo discernir os
caracteres diferentes de uns e outros, acompanhados de nuanças sensoriais.
Se houvesse deixado as lágrimas caírem, roçarem-me os lábios, diante das lembranças e desejos me tomaram por inteiro, não estivesse olhando os pontos tecidos das crateras, não estivesse a sentir-me em falta com o que hoje teci desde o amanhecer, só parando para as necessidades fundamentais do corpo e do espírito. Ao longo do dia, armazenando o espírito de prudência aqui e ali, esperava súbito se esvaecessem e pudesse com serenidade continuar construindo a imagem das paredes rochosas das crateras, duas, divididas por um caminho árido até ao encontro imaginário da terra e das nuvens.
Não me fora possível realizar a esperança e ao término do dia, restando
poucos minutos para cair plena a noite, quando nada mais há a fazer senão
deitar na rede no alpendre, com o som ligado ouvir músicas ou ler algum livro,
nada há que amenize as dores que me perpassam a alma.
Se, ao terminar, ostentando na parede do quarto, lembrando-me das dores e sofrimentos enquanto tecia, seja tudo quanto pode originar desgraça, se se quiser calamidade, não o sei dizer, por estarem presentes em cada ponto dado, mostrando-me a imagem nítida da alma sedenta e faminta.
(**RIO DE JANEIRO**, 29 DE JANEIRO DE 2018)
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