#AFORISMO 534/CRUZ DE MEU INFERNO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Um crepúsculo sempre a olvidar, uma estrela a se apagar na treva, uma
vereda entre duas sepulturas, palmeiras no canteiro central por toda a Bezerra
de Melo — por isso precisamos velar, cuidar, falar baixo, sussurrar, murmurar,
pisar leve, ver a noite dormir em silêncio, assistir à madrugada na vigília da
solidão, olhar de soslaio o fracasso de uma pessoa na poesia e o fracasso de
uma pessoa na vida. Quando se falha na poesia erra-se a vida, e quando se falha
na vida, nunca se foi concebido, gerado, nunca se nasceu. Delirante parecer
moderno, enquanto se é o mais tolo já nascido.
Houvera pretérito de lembranças nítidas e nulas, re-colhidas e
a-colhidas do momento, se se desejar, instante-limite na ponta da língua as
palavras descritas da conversação, ouvindo-as, no cume da Serra do Cabral,
alto-inverno, a neblina e as nuvens, entrelaçadas, quiça me prospectivasse,
dissesse-as ipsis litteris, passaram-se os anos, estava diante de um abismo,
evadi-me, contudo permanecendo no mesmo lugar.
Como é longo um dia. Quantos passos na avenida, que trilhei
circunspecto. E quantas coisas acumuladas no tempo.
O ipsis das metáforas da plen-itude que re-versa o além das
contingências com os confins do abismo, quando a re-novação das esperanças se
faz no entre-laçamento nupcial dos volos de verbos cujas gerências são lumes da
dialética do nada e ser, na koinonia simbólica dos latinos lácios do infinitivo
circunvagado de versos e estrofes do perpétuo nada, poiésis e poiética da
linguística pura e prática do vazio, poemática do absoluto.
Alvorecer de hoje visto sob os linces de amanhã, visão do imperfeito
subjetivo, do in-finitivo metafísico... De minha cadeira, analiso com olhar à
solapa das contingências, olhar crítico, a terno preto sem nenhum modelo,
suspenso no cabideiro, a mania que tenho de usar terno preto com gravata de nó,
lilás, o que era moda nenhuma. O canto da coruja saudando o silêncio milenar do
genesis, solidão secular do cântico dos cânticos sob a cintilância da lua nova
que perfect-erseja o sublime de miríades do verbo do infinitivo, hoje
simplesmente estivera eu sentado na rampa de meu casebre, triste, desolado,
a-nunciando o alvorecer...
Houvera felicidade e saltitância por vislumbrarem a travessia do vazio
em direção às forclusiv-itudes da esperança perfeita, dinar da ribalta do
silêncio, picadeiro da solidão.
Orvalh-itudes de quimeras tocando as páginas viradas, se amanhã houve de
imortalizar os interditos de sonhos e esperanças, melancolias e nostalgias,
pretéritos, cujos estilos de linguagem olvidei, ad-nominando e ad-verbiando o
caos do efêmero, seria hoje, após sono profundo, nem me lembra se sonhei, a
plena saudade de manhãs em que regava os canteiros de flores, amava tocar o
orvalho nas pétalas e folhas, dizendo-me estar orvalhando as palavras, sorrindo
de soslaio, a jornada era longa, sem fim. Mister criar-me, re-criar-me,
inventar-me, a verdade, as verdades me esperavam nalgum terreno baldio de
minh´alma, era engajar-me, arrancar-me de mim, destrinçar-me, a faca
afiadíssima de dois gumes do efêmero e eterno cortava-me em todas as direções,
dilacerava-me, a minha missão era o eu poético, utensílio que amenizaria as
dores da contingência, dialética da náusea e dogmas do "ser". A força
do sonho; haveria de ser quem sou, as letras não mentiriam, a verdade do
"sou" seria registrada pelos dedos das mãos. Hoje estaria sentindo e
pensando estar bem distante ainda do que sonhava realizar, são apenas garatujas
fortuitas, quanto mais eu ando mais vejo metafísicas e metáforas na poeira das
estradas.
Houvera de pretéritos éritos de lembrança, inda que ínfima, do alpendre
do interior da casa, a tampa da cisterna arrastada, o balde d´água sobre, a
manivela que re-colhia a água, aproximei-me com todo o cuidado, deitei no chão,
olhei o fundo, o que me viera naquele instante, que um pouco mais fundo, a
visão não alcançava, água, quiçá o cheiro de terra me haja tocado, o gosto,
sabor da água, após filtrada, traz em si a terra, que sabor inestimável. Olhei
a mesma cisterna com a honestidade de quem não se engana com o que olha, como
quem lavra a existência, e planta, e colhe, e vive, e morre, e olha. Mudou-se a
rua da infância, da juventude, símbolos obscuros se multiplicam, vem um sopro
que cresta-me a face e dissipa, na praia, as palavras.
As dificuldades são esquivas, tomando em consideração estarem fundadas e
estabelecidas na obtusidade do nada, nadificidade do obtuso; equívocas: as
dúvidas que se a-nunciam são unicamente uma fantasia para semente de outras
tentativas e esforços. Diante de minha adoração possessiva poderia retrair-me e
jamais voltar a cuidar delas, transformá-las em facilidades, fazê-las
curvarem-se, mostrar-lhes que não é tão fácil vencer-me, sou osso duro de roer,
sou cabeça dura. O silêncio arrogante refugiou-se no coração, a solidão prepotente
se entrelaçou nos liames do passado e presente, o deserto do ser e não-ser se
alinhou nas teias das esperanças e fracassos. Somente os ouvidos aguçados
conseguem de-cifrar o soluço de vida, o murmúrio de ser, no coração enigmático
das palavras.
Não são grupos submergidos nas geleiras da insônia e entressono, e que
deixam desnovelar-se, menos que simples palavras, menos que folha no outono, a
partícula sonora a vida em si traz.
(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE JANEIRO DE 2018)
Comentários
Postar um comentário