#AFORISMO 560/NASCE UMA ÓPERA SEM SILÊNCIO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Letras velhas, sons milenares, e as migalhas de pão seco, por caírem
todas juntas no solo, antes que as pudessem segurar por um minuto mais, cairiam
nas águas, fazendo o barulho que não consigo expressar em palavras, mesmo
recorrendo a todas as intuições de poemas; ouço o cair de todas juntas no chão,
disse antes “solo”, e isto não tem qualquer importância, imaginariamente que
seja,
quando os
pingos de lágrimas
enegrecem
os caminhos de pedras,
enternecem a
areia da praia...
e onde a velhice que vem para
mostrar
as energias não serão as
mesmas?
e onde a velhice de
letras
a tornar-me palavras
eivadas, sentidos
inestimáveis?
Seria isto, em verdade, o que estou buscando expressar desde a
eternidade e até este minuto em que me vieram à mente idéias e sentimentos por
os ter intuído, percebido, sentido? (Fundamental para a compreensão o que é
este mero vínculo de sentimentos que me afloram espontaneamente, por mais
incrível que possa parecer, e todos os argumentos nada mais têm a dizer senão
que é a verdade, incrível que, se me revelam o único mistério, este que sei lá
o que é, rio-lhe nas faces, perguntando se é o único, que outro então lhe
legaria este poder, de ser o único...), cheguei à firme convicção de que a
vaidade é a base de tudo, e de que finalmente o que chamamos de consciência é
apenas a vaidade interior. Sossego do profundo sono, a anestesia, é para os
doentes o bem supremo, o valor por excelência, o mais positivo.
Os poetas dizem as estrelas brilham para velar o ossuário da terra...
Digo, quem sabe até plagiando, encontrando outras palavras que conservem a
idéia, o mero vínculo de sentimentos, dado ao sossego das folhas de árvore
qualquer nas serras, brilha ao sol de minhas alegrias, embora um pouco
contidas, por esperarem outras noites que virão, envolvendo-me como a visão
nítida de letras quaisquer numa folha de papel molhado, que fosse
misteriosamente minha. O estilo está sob as palavras como no interior delas. É
igualmente a alma e a carne de uma obra.
Neste instante de mero vínculo de sentimentos com as coisas, sinto
necessidade de poder tirar das coisas uma espécie de proveito próprio, e
repelir como inútil tudo aquilo que não contribuísse para a alegria imediata do
coração, alegria sensaborona, porque tenho um temperamento mais sentimental que
artístico, procurando emoções e não paisagens, prazeres e não panoramas,
ademais a cardiopatia que influencia nos comportamentos, cerceio o extremo das
emoções, causar-me-ia o fenecimento.
Não desejo versos no céu. Seria esquisito ler palavras nas alturas,
dentro de formas diversas, escritas a gosto e estilo dos poetas, de rimas ou
não. Diriam até que a árvore das letras estava dando às pencas palavra. Com
certeza, não levantaria mais os olhos à noite, fora de casa, não me seria
possível ler uma palavra sequer. Ademais, sentir-me-ia perdido e confuso com a
ausência das estrelas todas, a lua a iluminarem os cantos inúmeros do mundo, a
velarem o ossuário da terra. Das estrelas sabemos com certeza que tem cinco
pontas, e seria possível contar a quantidade de metáforas num único verso?
Não sigo à risca o silêncio que faz gritar as não-palavras da perdida
sensatez, da vaidosa dignidade, da pernóstica honradez. Não sigo à risca, para
explicar a dosagem conveniente, o desejo do sentimento de embaraçar os
entremeios de uma ilusão, quimera, o mero vínculo de sentimentos. Medidas
faltam para encontrar os extremos.Tenho procurado por mim, sem ousadia alguma
em tecer quimeras, em ignorar que só saberei do dominó que vesti, noutros
tempos diferentes a este em que me encontro agora, ouvindo o riso do vento
diante de mim.
Gênio, nem pensar... Feliz demais para sê-lo. Nem é preciso que a
História “capracheie” o registro de mim. Não julgo palavras inúteis estas que
estou a falar comigo, enquanto sentado a uma mesa de barzinho, tomando uma
cerveja e uma “branquinha”, e todos dizem que insano fiquei, estas seriam o
destino que os céus escolheram para mim, não houve como me furtar a esta triste
condição. Não julgo inúteis nem as que digo nem as que me inspiraram o espelho
e o raio de luz incidindo nele.
Escuto o riso da ampulheta, diante do tempo – o vento invade-me a voz
que é sonho, desejo da mente que é imensidão. O espelho procura por mim,
buscando aprimorar sem ousadia a imagem de mim – desço pela janela do que se
tornou inevitável, como a taça que se estiola no chão e eu não quero ajuntar os
pedaços, do que se tornou inefável, como a pluma esvoaça incentivada pelo
vento, livre. Não posso me escusar do que fiz de mim, noutros tempos a lucidez
que preparava a consciência.
Conjugo no tempo o verbo no infinito da primeira pessoa, no in-finitivo
das outras pessoas desde o "tu" segunda pessoa do singular ao
"eles", terceira pessoa do plural. O espelho mostra o contorno de
saudades, o bocejo de ansiedades que fizeram o retrato da noite. Driblo o
tremor que avassala o sono engomado.
Qual a licitude dessas palavras? – não disse antes que eram letras
velhas. Eu no amor que carrega o vento, na alegria que brinca de
esconde-esconde no céu que mesmo perto fica tão longe... Eu subalterno do meu
eu, às vezes inteligível, por vezes incompreensível. Sou também cobiça que
busca inquietação no desajuste entre a metafísica que não angustia, apesar da
dor, e cada sorriso matinal. O encanto da novidade, este é a utopia dos sonhos,
caindo pouco a pouco com uma peça de roupa, punha a nu a eterna monotonia da
paixão, que tem sempre as mesmas formas e a mesma linguagem.
Qualquer mero
vínculo de sentimentos
é pedaço
do vazio que o tempo
sela na eternidade,
inebriando um ponto
vivo diante da imensidão,
des-cobrindo
que o efêmero
é
também do eterno,
des-velando-lhe
o mistério
que
é a luz da verdade,
excepto as
quimeras e devaneios,
a
canção da glória.
Sentimentos puros que não embaraçam a marcha da vida, que se conservam porque são raros, cuja perda ocasionaria dor maior que o regojizo da posse. Tudo será intervalo necessário a menos que os relógios interrompam os segundos acocorados no tempo, ignorados em sonhos, pasmados dos risos incondicionais que nas esculturas choram o amor eximido de enxergar a felicidade ingênua.
É a montagem da vida no papel que consome o verbo, ficando sempre a
incógnita da intuição que vai completar a presença imponente que faz as voltas
do tempo. No outono, antes de primavera outra, o olhar não intimidava nem retorcia
no tempo conjugado do verbo, preenchendo o vazio das respostas às perguntas que
perpassam o espelhar os projetos superpostos na indagação.
Verbalizo a verdade por traduzir presença.
O rumor do
silêncio
começara a
invadir
o limitado
ínterim
do
tiquetaque.
Estava ocupando os
espaços
intercalados
entre
o tique e o
taque.
Nasce uma ópera sem silêncio, preenchendo, dominando, ocupando o espaço
que é por direito do rumor dos desejos e vontades atravancados no peito. Não
adianta tapar os ouvidos. São os pingos da tempestade que caem nas telhas. Qual
seria a infelicidade para quem julga compreender estas palavras velhas? Não
sei. Algumas pessoas se afogam em rios de águas cristalinas? Estou tentando
chegar à superfície.
(**RIO DE JANEIRO**, 28 DE JANEIRO DE 2018)
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