#AMAR: ESPERANÇA DA VIDA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: ENSAIO CRÍTICO
À página 102, Sentimentos da esperança, Antônio
Nilzo Duarte(Eliete Araujo Duarte) questiona, con-templando não apenas os quase
cinqüenta anos de vivência, convivência com a esposa e família tão amadas e
queridas, con-templando a vida, a partir de suas experiências, desejos,
vontades, sonhos, in-vestigando o passado, o presente, de olhos dirigidos ao
futuro, ao que há de vir, as esperanças que lhe habitam o ser. São estes os
seus questionamentos: “O que de real significa a nossa vida? Como viver bem a
vida, esta que Deus nos ofereceu sobre a terra?”.
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De imediato, no mesmo parágrafo, após haver
interrompido um pouco a pena de deslizar na folha branca de papel, olhar-se nas
duas dimensões vividas, passado e presente, olhar profundo e perquiridor, a
terceira dimensão, o “porvir”, responde, não só através de palavras, por
inter-médio das memórias tantas que já estão registradas e representadas,
seguindo-lhes a continuidade, seguindo os sentimentos e emoções que dentro traz
em si, mas espiritualmente, ou melhor, é o espírito de Antônio Nilzo Duarte que
lhe responde: “Em resposta, eu posso dizer e compreender que a vida criada por
Ele foi para viver com amor e, efetivamente, os nossos desejos, com serenidade
mas, sobretudo, com sentimento de amor, e não de outra coisa; saber amar
alguém...”
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O amor, como a fome, não pode esperar pela retribuição.
Ama por amar, como a flor que floresce por florescer. Porque possui essa
estrutura de gratuidade, o amor se caracteriza sempre por um “mais”, típico da
experiência de Jesus e tão bem expresso na Oração de São Francisco: “fazei que
eu procure mais consolar, que ser consolado; mais compreender, que ser
compreendido; mais amar que ser amado”. Nesse “mais” emerge o ser humano mais
forte do que qualquer condicionamento. Ele é capaz de continuar amando, mesmo
que não encontre cor-respondência.
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Esse “mais” revela a capacidade de auto-superação
do ser humano, um modo de ser que deixa para trás o mundo do ressentimento e da
autocentração para se lançar na direção do outro, sem perguntar quem é, como é,
de onde vem e qual é a sua condição moral. Esse é o modo de ser do Criador, que
dá o sol e a chuva a bons e maus, a justos e injustos, e que ama os ingratos e
maus (Lc 6, 35). Essa constitui uma atitude fundadora da paz divina que deve
inspirar a paz humana sem qualquer pré-condição, a paz sem inimigos.
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Nossa intenção de análise e interpretação desta
obra que representa dentre todas as quatro o húmus de suas idéias, pensamentos,
espírito e alma, obra em que mergulhou bem fundo para se re-velar, mostrar-se
verdadeiramente, dizer o seu “ser” que na continuidade das experiências do
amar, ser amado, foi sendo construído com dignidade, e nela se encontrou,
libertou-se, espiritualizou-se, é falarmos das “EXPERIÊNCIAS DO AMOR”.
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A mais forte e mais íntima relação entre pessoas
humanas é o amor. O amor, pensado espiritualmente, torna a vida digna de ser
vivida, experienciada, vivenciada, dele nasce vida nova, ele é forte como a
morte. Na história da humanidade, à luz da teologia, judaísmo e cristianismo
colocaram em seu centro o duplo mandamento do amor. De que duplicidade estamos
falando? A experiência cristã de Deus diz-nos: “Deus é amor” (1 Jo 4,16). Que
relação há entre esta experiência de Deus e a experiência humana do amor? Que é
que acontece no processo hermenêutico que transfere para a experiência de Deus
as expressões da experiência humana do amor e que desta experiência de Deus
assim retorna à experiência humana do amor? Não é verdade que não devamos, na
experiência do amor, pensar na experiência de Deus, e na experiência de Deus
pensar na experiência do amor? Seria errado, nesta instância, empregarmos a
mesma palavra para as duas experiências. As claras e cuidadosas distinções
teológicas entre eros e ágape, entre amor e caritas, entre amor sensível e amor
espiritual, tentaram reduzir, restringir a transferência dos significados. Elas
separaram uma da outra a experiência de Deus e a experiência do amor, e com
isto o duplo mandamento do amor ficou dividido. É um único amor que abrange
Deus e o próximo, como podemos ler na 1º Epístola de João é um único amor que
experimenta por Deus e pelo próximo.
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“O amor de Deus para conosco se manifestou por ter
enviado ao mundo seu Filho unigênito, a fim de vivermos por ele” (1Jo 4,9).
Sim, vivemos por ele porque por ele fomos reconciliados com Deus. Se somos
reconciliados, então havemos de amar-nos uns aos outros e de tratar-nos uns aos
outros de maneira adequada. Baseado na Encarnação do amor de Deus no envio e na
entrega de Cristo, o amor de Deus se realiza no amor do próximo, e isto de tal
forma que o próximo é amado por causa dele mesmo e não como meio para um mais
elevado.
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O amor torna-se perfeito à medida que tira as
pessoas do próprio Eu. Não é o amor próprio, mas a abnegação, não é o desejo,
mas a entrega que levam ao amor de Deus. A espiritualidade mística e a
espiritualidade franciscana estavam perpassadas disto. O esquecer-se do próprio
eu, na verdade, inclui também o deixar as outras criaturas, de modo que ama a
Deus perfeitamente aquele que existe no auto-esquecimento e no abandono do mundo.
O próximo é amado com o desejo de que também ele ame a Deus esquecido de si.
Ele não é amado por ele mesmo.
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Amar é desejar. O que é digno de ser desejado não é
simplesmente o ser, mas só o ser bom. Deus, como o ser supremo, é também o sumo
bem (summum bonum). Por isso Deus é para o homem o sumamente desejável. Como o
desejar pressupõe um sujeito que deseja, o amor de Deus é em alto grau voltado
para o Eu. O que não estiver relacionado com o Eu e com sua felicidade não pode
ser amado. A “escada do amor”, de acordo com a idéia da maioria dos teólogos
medievais, levava do amor ao próximo ao amor a si mesmo, e do amor a si mesmo
ao amor a Deus.
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Onde podemos na Bíblia meditar e refletir a
respeito da divisão do único amor em duas formas? Exemplo eloqüente da divisão
do único amor em duas formas é a interpretação figurada mística e a
interpretação literal erótica do Cântico dos Cânticos. Será que este
maravilhoso hino de amor merece figurar num livro religioso? Os que, de modo
equívoco, se escandalizam com isto interpretaram-se alegoricamente –
sobressaltar e sublinhar isto para que se possa compreender o equivoco – como o
amor de Deus na alma. Com isto eles retiram o amor de Deus do amor sensível,
empurrando a este para a categoria dos “baixos instintos”, a fim de que o amor
transcendental de Deus permaneça puro, espiritual e interior. Se a Bíblia é com
razão chamada, considerada, reconhecida como o “livro da vida”, então as
experiências vivificantes do amor merecem figurar neste livro, e então não nos
é permitido subtrair a profundidade e a transcendência a esta experiência
imanente do amor, suprimindo dela um amor mais elevado. Deus – o Espírito que
vivifica – pode ser experimentado na experiência humana do amor. Apesar de que
o seu nome não ocorra expressamente no Cântico dos Cânticos, seu esplendor,
magnificência, encontra-se em cada expressão com que a experiência do amor é
descrita, pois ele é “labaredas divinas” (8, 6). Assim se diz no antigo cântico
beneditino: “Ubi caritas et amor, Deus ibi est”.
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Teresa de Lisieux dizia: “A única coisa que me
resta fazer é amar!” A única coisa a fazer é encarnar o Logos, cotidianamente,
nos menores atos! Ele vem para o que é seu, mas os seus não o recebem: os que
falam em seu nome, os que dizem serem dele são, algumas vezes, os que menos o
encarnam... Segundo uma interpretação mais filosófica, diríamos que o Logos
está “no que é seu” no espírito (nous) do homem e que o espírito do homem pode
limitar-se, fechar-se, diante do que o supera.
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Encontrar experiências de Deus nas experiências do
amor não quer dizer divinizar a experiência do amor nem transformar o amor num
culto. Isto teria como efeito sobrecarregar os amantes e levar a decepções
destrutivas. Perceber um no outro significa saber ligar e distinguir. Duas
esferas se unem mutuamente e duas experiências se aprofundam e se protegem uma
à outra: “Quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus nele” (1 Jo, 4, 16).
Como os Santos Padres gregos, empregamos aqui como única palavra para o amor a
expressão eros, distanciando-nos de expressões como ágape e caritas para um
amor mais elevado e separado.
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A comunhão do amor é comunhão erótica; a comunhão
de amor de Deus com a criação que ele ama é erótica: a força que distingue e
une todas as suas criaturas é erótica; o encantamento dos amantes um com o
outro é erótico. O Espírito criador de Deus é ele próprio eros, pois de suas
criações e em suas criaturas resplende sua beleza, que por sua vez torna a
despertar eros. O amado é sempre o belo e o atraente, não logo o bem em si, mas
é o bem que se demonstra como belo, e o belo que se demonstra como bom, como já
o sabia Platão. Mesmo a graça divina se mostra na graça de uma figura e no
estímulo inconsciente de amor de um ser. Não foi boa idéia a de separar o moralmente
bom do esteticamente belo e colocar a moral acima da estética, como o fizeram
as doutrinas teológicos do amor da Idade Média. As irradiações do Espírito
divino a partir das criaturas despertam o eros e o eros santifica a vida
criada, ao amá-la e afirmá-la. Moral e estética são uma coisa só. É assim
também que as pessoas o experimentam umas em relação às outras: O amor é vida
que traz vida. Vita vivificans é um antigo nome para o Espírito de Deus, que
leva tudo a florir e a fecundar-se.
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Jamais tive qualquer dúvida ou desconfiança de que
a arte é inconsciente, o artista conhece muito pouco, muito pouco é consciente
de sua criação. Acredito que, quando falamos do amor inevitavelmente
transcendemos e atingimos o inconsciente divino que nos habita, queremos
conhecer o amor na espiritualidade que Deus nos fala, nos diz. Antônio Nilzo
Duarte questiona a respeito do “significado da vida”, “como viver bem a vida”,
refletindo e meditando acerca do “amor”, da “esperança da vida” que habita
nele, à luz de seu inconsciente divino, católico que é de espírito e formação,
educação, à luz do seu amor pela esposa e pela família, e é o “espírito” que
lhe responde. Vita vificans é um antigo nome para o Espírito de Deus, e é
“inconsciente-espiritual” que compreende as palavras do espírito? . Ele
com-preende – muitas vezes pensamos que a compreensão é estritamente racional,
e estamos equivocados, a com-preensão é espiritual, é a anunciação da verdade
que nos transcende, revelação do que nos habita, manifestação da vida que nos
habita; é neste sentido que com-preendo esta categoria filosófica separada pelo
hífen - o que lhe está sendo dito, e, no parágrafo seguinte, ele traduz a sua
compreensão em comunhão com os sentimentos e emoções, experiências, vivências
de sua vida, passado, presente, do “amor” que viu florescer e fecundar sua
vida, tornar-lhe homem, tornar-lhe espírito:
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A vida é uma esperança contínua, de sentirmos os
nervos vibrarem e soarem, exatamente como a música de um suave langor, que pode
se apoderar dos sonhos que, dormindo, sonhamos (Sentimentos da esperança, pág.
102).
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A esperança de que nos fala Antônio Nilzo Duarte é
justamente a esperança do amor, de amar como Deus nos pede para amarmos,
conhecer e viver o verbo “amar”, o “amor” na sua profundidade espiritual. É
vivendo, questionando, desejando, querendo, tendo vontade do encontro do
“espírito-amor” que nos vamos prolongando, é con-templando a vida em todas as
suas dimensões contingentes e espirituais que vamos saciando a nossa sede e fome
seculares e milenares de “amar” de modo sincero, real, espiritual.
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Diz-nos:
Acredito ainda existir entre nós a força de uma
intensidade espiritual que talvez não se possa explicar, mas sei tratar-se de
um poder intenso e consciente que torna possível descrever todo o segredo que
ainda me faz persuadir (Sentimentos da esperança, pág. 103)
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Nas linhas, obviamente, Antônio Nilzo Duarte está
dialogando com a esposa amada, dizendo de seu amor infinito por ela, mas este
diálogo, por ser “contingente-espiritual” transcende e muito apenas um diálogo
com a esposa, ele atinge o inconsciente divino, mergulha na “vita vivificans”.
Nas entrelinhas, o “espírito” continua lhe respondendo ao questionamento feito
por ele. Nestas palavras, Antônio Nilzo Duarte não apenas sente a comunhão
contingente-espiritual com a esposa, mas também a comunhão da sua vida com
Deus. Sente, através deste amor a comunhão com todos os homens, com a
humanidade, que, como ele, tem sede de amar, de conhecer o amor na sua
profundidade espiritual e humana. A comunhão cristã nasce da comunhão de Deus
com os homens e da comunhão dos homens entre si nesta comunhão com Deus. Ela
surge da inesgotável e por isso sempre de novo experimentada confiança que Deus
concede e que faz os homens sempre mais confiáveis. Sua palavra é a palavra da
promessa e desperta a fé, na qual nos confiamos a ele.
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No pão e no vinho ele se dá a si mesmo em nossas
mãos e confia-se a nós.
A obra de Antônio Nilzo Duarte é para ser lida,
meditada, refletida não apenas nas suas linhas memorialistas, mas à luz da
teologia, filosofia, da espiritualidade. Esta obra re-presenta in totum a
esperança da vida, que é e sempre será o “amor”, o “verbo amar”. Quando no
prefácio de Cartas inesquecíveis de amor, abri o verbo, sem pejo,
considerando-o o “principal escritor de Curvelo na atualidade”, pensava e
sentia justamente isto, dentre todas as dimensões que a obra re-presenta,
a-nuncia, re-vela, manifesta, a mais importante delas é a dimensão cristã e
humanística de seu pensamento, de suas idéias, especialmente de sua
espiritualidade. O povo curvelano essencialmente é um povo cristão, místico, e
ler a obra de Antônio Nilzo Duarte na sua profundidade despertará em todos os
seus leitores a “vita vivificans”.
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Esta obra, dentre todas, é a mais profunda, mas é
necessário que todas sejam lidas e refletidas para uma com-preensão maior de
sua espiritualidade. Já li vinte e três vezes Sentimentos da esperança, e a
cada leitura sinto mais profundamente o desejo de espiritualizar-me, sinto que
ainda estou iniciando na vida. Amar sempre foi e sempre será a esperança de
minha vida.
#riodejaneiro#, 14 de setembro de 2019#
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