SONS DAS ÁGUAS OCEÂNICAS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@
Aquando me não era inda insossa
Cada impressão da vida outrora,
Cada sensação pretérita de existir
- rumor do bosque
canção de chapinhas na alvorada
espectáculo de micos brincando
nos fios de alta-tensão –
E quando a liberdade, o amor,
Glória, artes,
O melhor da inspiração e altas idéias,
Exímios pensamentos
Turvaram-me o sangue nas veias,
Certo espírito nefando,
Trazendo-me angústia, anuviando-me,
Horas confiantes de prazer, luxúria, gozo
Passou, em sigilo a ver-me.
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Qualquer coisa a prender-me
Por algema, por corrente,
Prendo-me a ela, talvez,
Alio-me a ela, talvez
Adiro-me a ela, talvez.
A língua não se cala,
Afia-se inda mais.
Também não estou largado,
Não me larguei
Por não estar em união com tudo.
A pessoa não é tudo
É sacrifício
Por não se carregar nos ombros
Há-de se carregar o vazio nas mãos,
Nos braços
Há-de vivenciar, conviver
Com o vazio nos olhos,
Na alma, na língua.
É-se o vazio.
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De tanto morrer quero a morte morrida
Quer traga consigo as trevas,
Quer a envolva uma auréola diáfana,
Destina-se a contribuir misteriosamente
Com o ser da vida, verbos da contingência.
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Tenho certo medo de mim,
Desconfia-me o falso poder;
Querer o absurdo para justificar a
Ausência da paixão.
Não quero alcançar a perfeição
A perfeição é imperfeita de perfeições,
Não quero alcançar a verdade,
A verdade não é verdadeira
De/nas verdades,
É verdadeira de dogmas, preceitos, ideologias
Interesses adversos aos princípios,
Não quero alcançar o céu:
No céu não há labirintos,
Cavernas de estalactites,
Terrenos baldios, becos imundos,
Bocas de lobo ao longo das ruas, avenidas,
Não quero alcançar o inferno,
Não vou penar nas chamas ardentes,
Lá não há fogo. Francisco, o que é isto?
Quê disparate!
Não quero alcançar o universo:
O universo é longínquo,
Não tenho penas tantas para as asas voarem,
Não quero alcançar o sublime,
Nas suas sublim-idades não são sublimes.
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Não quero compor poema
De versos metrificados
Não tenho fita métrica para medi-los. Não quero sentar-me à soleira da porta, contemplar a lua e as estrelas. Estou deitado num sofá-cama, olhando para o teto. Se for descrever a esguelha do olhar, verteria lágrimas a deus-dará, só letrando o silêncio da morte. Não quero amor que alegre o meu viver: quero amor que desfaça as alegrias, faça-me triste, angustiado. Não quero sentir o sabor do vazio. Quero o saber do sabor do vazio. Quero beber o nada em cálice francês para sentir-lhe preenchendo as ausências e forclusions. Quero os sons das águas oceânicas, oceanizando-me os lapsos de memória e a liberdade.
RIO DE JANEIRO(RJ), 04 DE MARÇO DE 2021, 04:57 a.m.
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