SEM METAFÍSICAS SEM POESIAS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@
Sem metafísicas... Sem poesias...
Sem palavras verbais
De que nalgum sítio do mundo
Tudo é diferente
Tudo será de outro modo...
Sem metáforas a ornamentarem
Pensamentos e idéias dos ventos e ondas
Que arrebicam verdades, sarapalham bem-aventuranças,
Sarrabiscam fábulas ao léu dos cânticos hermenêuticos,
Preenchendo o peito de vazios soberanos,
Sem visões amplas da língua eterna
Que recita as palavras nas quais habitam e residem
Os anseios da alma.
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Luz brilhante da aurora!
Aurora do nada,
Muito mais forte do que outrora fora
Em que fonte recolheu tantas energias, não o sei,
De que semente resgatou a essência da força
De se conceber, gerar, dar a luz à coragem de ser,
Muito menos o sei, e nem imaginar tenho meios plausíveis.
Havia rima com os pássaros trinando,
Havia métrica com as ondas chegando à praia,
Havia acorde com o mundo chegando aos homens,
Os homens bailando,
Comemorando a presença das contingências.
Há apenas o sentimento profuso
De que me não é dado voltar
À inocência, subiu aos céus.
Sentou-se ao lado direito de Vênus,
Sob o olhar enciumado de Apollo,
Mesmo que houvesse possibilidade de ir-lhe ao encalço,
Perderia a consciência de que à distância
Não existe pastor conduzindo
Rebanho de ovelhas com cajado,
Não há lenhador com o machado
No ombro, indo cortar uma árvore,
Não há jardineiro regando
Canteiros de rosas, orquídeas, lírios brancos,
Não existe arco-íris riscando o céu,
No fim dele, há tesouro inestimável,
Próximo, não há trabalhadores na labuta
Das glórias ou dos fracassos, frustrações,
Dos poderes ou dos conflitos, traumas,
Não há gênios laborando inéditas reflexões dos sofrimentos.
Ninguém e o mundo,
Só o mundo vazio de ninguém.
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Há o olhar para a rua Direita deserta,
Crianças não passam de mãos dadas com a mãe,
Indo à escola
Aprender as primeiras lições,
Ler e escrever,
Saber a tabuada de cor e salteado,
Para não serem passados para trás nos negócios.
Não há clientes na Cantina Baiúca,
Tomando seus drinques e falaciando as opiniões,
As verborréias de conceitos e definições,
Não há turistas na boutique Cyrillo
Comprando lembranças artesanais do folk-lore local,
Quadros de pintura de artista-plástica historicista,
Elevando aos auspícios as tradições urbanísticas,
Vira-latas não desfazem sacos de lixo,
Atrás de algo para comerem, saciarem a fome,
Mendigos não há na escadaria da Catedral Metropolitana,
Rezando por uma xícara de café, mesmo que velho,
Pão murcho.
Não há donas de casa varrendo a calçada,
Cumprimentando amigos e conhecidos que passam,
Não há turistas visitando o patrimônio das culturas diversas,
Das Histórias ad-versas às realidades sociais,
Das lendas e estorietas, causos inversos às dores existenciais,
Há o sentimento de que
De mochila nas costas, tenho de seguir a estrada,
Não nasci para esse mundo aqui,
Não vou morrer ao léu de situações e circunstâncias,
À míngua de valores e virtudes.
A razão diz-me com transparência:
- Quanto mais andar
Mais estradas verá à frente,
Sempre seguindo.
Responder à minha própria razão
Que sentido haveria?
Ninguém há a responder,
Silencio-me,
Emudeço-me.
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Quais as dúvidas da razão?
Razão é saber
Que vivemos no regaço de uma lógica,
A lógica é racional
E a razão é lógica?
Lógica sem outro sentido
Senão a verdade da vida
É estar sempre em movimento,
Sem cancelas, sem fronteiras,
Navegando em naus em pleno mar revolto,
Eliminando os trambolhos,
Resguardando nas trincheiras a labuta do pão corriqueiro.
O outro lado ao outro lado pertence,
O rio sem margem é dádiva da liberdade,
O rio sem pressa é dom e talento
De saber o sabor de que devagar é que se artificia o Ser.
Se houverem outros sentidos outros
Serão efêmeros,
Tão efêmeros que não
Haverá tempo para memorizar-lhes
Íntimos flashes de suas faces,
Mínimas nuances do semblante,
Pequenas características do modo de serem,
Estilo de se comportarem,
Linguagem de se dizerem sem nós cegos,
Sem a cegueira dos nós.
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Solidão,
A cama vazia de carências
Sem lençol de falhas e faltas que instigam
O conforto dos férteis idílios,
O travesseiro sem a fronha de fantasias,
A cabeça oca, o corpo encolhido sobre.
Mito,
Lenda mística do espírito do verbo amar.
Poeta ama as estrelas,
Ama a seresta da noite de lua cheia,
Ama o blues da madrugada,
Ama a vesperata do sol nas sacadas sombrias,
A platéia admirando de suas mesas no largo,
Bebidas e comidas exóticas a saciarem seus instantes livres,
O esplendor da representação teatral,
O jazz do anoitecer, que custa a passar...
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Aurora do nada! Respiro-lhe o aroma!
Não me recordo de nada.
Não vejo o tempo passar,
Não vislumbro o ser olvidar-se
Nas fronteiras da memória universal.
Fico olhando as coisas retinadas
De brilhos opacos,
Sentidos enviesados,
Símbolos atravessados,
Signos reversos de inversas mensagens do divino e sagrado,
Se é que possuem algum,
A falta de sentido é que faz as coisas,
Existem aos olhos de quem observa
De frente ou de soslaio,
A ausência de ninguém
É que preenche os recantos da terra,
Os cantos anônimos ficam à mercê
Do nada de presenças.
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Tanto nada em mim,
Esperando o tempo de brilhar,
Esplender suas iríasis a todos os espaços
Realistas, reais ou imaginários,
E só aos poucos vai-se revelando,
Mostrando-se.
Mas é com os pés na estrada,
A cada passo mergulhando mais e mais
No nada, que a vida se liberta
De seu labirinto de sonhos, esperanças,
De seus castelos de quimeras da perfeição,
Utopias... poesias... metafísicas...
Aurora do nada!
RIO DE JANEIRO(RJ), 07 DE MARÇO DE 2021, 11:46 a.m.
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